"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



19/07/2021

Jurisprudência 2021 (15)


Recurso de revista;
valor da sucumbência


1. O sumário de STJ 26/1/2021 (367/19.7T8VRL.G1-A.S1) é o seguinte:

Conformando-se os autores com o valor da indemnização fixada na sentença da 1.ª instância e vindo a proceder parcialmente a apelação interposta pelos réus, a medida da sucumbência dos autores, para se aferir da admissibilidade do recurso de revista, corresponde à diferença entre os valores da indemnização arbitrados naquela sentença e no acórdão da Relação.


2. No relatório e na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"I.

AA. e BB. vêm reclamar para a conferência do despacho que indeferiu a reclamação que apresentaram nos termos do art. 643º do CPC. [...]

O despacho reclamado apresenta esta fundamentação:

"Recurso de revista ordinário:

Nos termos do disposto no art. 629º, n.º 1, do C. P. Civil, “o recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo-se, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, somente ao valor da causa.”

No que se refere à parte final deste preceito legal, António Abrantes Geraldes afirma que a solução pragmática da lei que privilegia o valor do processo em cujo âmbito foi proferida a decisão fica unicamente “reservada para os casos em que o regular funcionamento dos mecanismos processuais não permite quantificar o decaimento com razoável segurança. Trata-se, pois, de uma solução destinada a casos em que se verifique alguma dúvida objetiva que não possa ser sanada mediante o simples confronto entre o valor de referência (“metade da alçada”) e o resultado declarado na sentença ou no acórdão.”

Pois bem, a presente ação tem o valor de € 30.734,50, consubstanciado nos valores peticionados pelos autores sob a al. a) (€ 12.734,50 referente ao valor necessário para reparação dos danos causados pela 1ª ré no locado), al. c) (€ 17.500,00, correspondente à privação do uso do locado) e al. e) (€ 500,00 a título de danos morais).

Pelo tribunal de 1ª instância, foi proferida decisão em que, designadamente, decidiu-se:

“a) Condenar solidariamente as rés FELIZ RECREIO – UNIPESSOAL, LDA. e CC. a pagarem aos autores AA. e BB., o montante de € 4.750,00 (quatro mil, setecentos e cinquenta euros), acrescido de juros de mora, calculados à taxa legal, contados desde a citação e até integral e efectivo pagamento;

b) Condenar solidariamente as rés FELIZ RECREIO – UNIPESSOAL, LDA. e CC., a pagarem aos autores AA. e BB., o montante de € 4.500,00 (quatro mil e quinhentos euros), acrescido de juros de mora, calculados à taxa legal, contados desde a data da prolação da presente sentença e até integral e efectivo pagamento;

c) Julgar improcedentes as demais pretensões aduzidas pelos autores AA. e BB. contra as rés FELIZ RECREIO – UNIPESSOAL, LDA. e CC., as quais se absolve em conformidade de tais pedidos; (…)”

Por sua vez, do acórdão da Relação recorrido, poderá ler-se na sua parte dispositiva o seguinte:

“Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação (recurso principal) apresentada pelas rés, nos termos sobreditos, e, consequentemente, decide-se:

A. Alterar a redação do n.º 9 dos factos provados nos termos acima consignados em A (impugnação da decisão sobre a matéria de facto).

B. Condenar solidariamente as rés Feliz Recreio – Unipessoal, Lda. e CC. a pagarem aos autores AA. e BB., o montante de € 400,00 (quatrocentos euros), a título de indemnização pela reparação efetuada pelos autores dos danos referenciados em 14 e 15 dos factos provados, acrescido de juros de mora, calculados à taxa legal, contados desde a citação e até integral e efetivo pagamento.

C. Condenar solidariamente as rés a procederem, a expensas suas, no prazo de 60 dias, após trânsito em julgado da presente decisão, à reparação dos danos ainda evidenciados no locado, mais concretamente: danos no ar condicionado (salas 1 a 5, isolamento e polivalente); ii) estores danificados nas salas 2, 3 e 4; iii) colocação de saboneteira na casa de banho dos meninos; iv) e colocação de lingueta da fechadura da cozinha.

D. Julgar improcedentes as demais pretensões aduzidas pelos autores contra as rés (cfr. als. c) a f) do pedido), deste modo se absolvendo as rés do demais peticionado.

Mais se decide em julgar improcedente o recurso subordinado apresentado pelos autores, mantendo-se, no restante, a sentença recorrida (cfr. als. d) a h) da decisão recorrida).”

Realce-se que, neste recurso subordinado, as autoras pugnaram pela revogação da sentença recorrida na parte em que absolveu as rés das pretensões aduzidas pelos autores, substituindo-a por outra que determine a sua condenação, mantendo-se o demais decidido.

Ou seja, não foi posto em causa pelo recurso subordinado, designadamente a condenação das rés no pagamento de € 4.750,00 para reparação dos danos detetados no locado e de € 4.500,00, a título da privação do uso do locado, tendo os autores se conformado com tal decisão.

Ademais, conforme resulta das próprias alegações de recurso de revista, os autores recorrentes não põem em causa os valores condenatórios arbitrados pela 1ª instância, sendo certo que também já não o podiam fazer.

A ser assim, como é bom de ver, o somatório destes dois valores ascende tão somente ao montante de € 9.250,00, traduzindo-se este montante no valor máximo de sucumbência para os autores, resultante do acórdão da Relação.

De facto, conforme resulta do AUJ n.º 10/15, 14.05.2015, “Conformando-se uma parte com o valor da condenação na 1ª instância e procedendo parcial ou totalmente a apelação interposta pela outra parte, a medida da sucumbência da apelada, para efeitos de ulterior interposição de recurso de revista, corresponde à diferença entre os valores arbitrados na sentença de 1ª instância e o acórdão da Relação.”

Por conseguinte, sendo tal valor da sucumbência inferior a metade da alçada da Relação, em face do disposto no art. 629º, n.º 1, do C. P. Civil, mostra-se legalmente inadmissível o recurso de revista apresentado pelos autores pela via normal, o que se decide. [...]

Os recorrentes discordam desta decisão [...]


II.

Perante as [...] conclusões, não parece difícil intuir que os reclamantes não compreenderam ou, simplesmente, desconsideraram o que se disse no despacho aqui reclamado e, bem assim, o decidido no AUJ do STJ 10/2015, aí invocado, no que respeita ao requisito da sucumbência, previsto no art. 629º, nº 1, do CPC.

Com o devido respeito, a confusão em que incorre a presente reclamação parece manifesta: os reclamantes aludem ao regime do art. 633º, nº 1, do CPC (sem que se perceba com que utilidade para este efeito), à parte do pedido em que obtiveram vencimento na 1ª instância, afirmando que o valor de €9.250,00 não traduz a sucumbência dos autores para efeitos de admissibilidade da revista, uma vez que, tendo a Relação revogado essa decisão e condenando os réus a pagar apenas €400,00, a sucumbência para o efeito é de €30.334,50 (30.734,50 – 400).

Não atendem assim, manifestamente, ao que se decidiu no citado AUJ (para além de alterarem a sua posição, já que na reclamação inicial afirmaram que a sucumbência era de €21.484,50, sendo que esta se refere, claramente, apenas à decisão da 1ª instância).

No entanto, não parece que o caso exija longas explanações, pois a questão pode explicar-se em termos bem simples e lineares.

Assim:

Os autores formularam na p.i., para além do mais, um pedido de indemnização de €30.734,50 e, bem assim, um pedido de restituição de bens móveis.

Na 1ª instância, o pedido de indemnização foi julgado parcialmente procedente, tendo os réus sido condenados no pagamento de € 9.250,00; o pedido de restituição foi julgado improcedente.

Os réus interpuseram recurso de apelação. Os autores conformaram-se com essa procedência parcial do pedido de indemnização e interpuseram apenas recurso subordinado quanto à improcedência do pedido de restituição.

Na Relação, na procedência parcial do recurso principal dos réus, a indemnização foi (simplificando) reduzida para a quantia de €400,00; a decisão de improcedência do pedido de restituição foi mantida.

Nesta situação, como resulta do aludido AUJ, a medida da sucumbência corresponde à diferença entre os valores arbitrados na sentença da 1ª instância e no acórdão da Relação.

Logo, não há qualquer dúvida de que esse valor não é superior a €9.500,00 (dizemo-lo assim para simplificar – cfr. despacho aqui reclamado), valor este inferior a metade da alçada da Relação, que é impeditivo do recurso de revista.

No que respeita ao pedido de restituição, verifica-se, como também foi explicado, uma situação de dupla conformidade, também impeditiva da revista "normal" (art. 671º, nº 3, do CPC), nada mais havendo a acrescentar a este respeito, uma vez que a reclamação se limita agora à admissão do recurso de revista ao abrigo do art. 671º, nº 1, do CPC.

Resta dizer que – como decorre do que se expôs, que não introduz qualquer modificação ao que foi referido no despacho aqui reclamado – não existe qualquer ambiguidade ou contradição nos fundamentos deste despacho, assim como é patente que este, acima integralmente reproduzido, não enferma de qualquer falta ou até insuficiência de fundamentação.

Nem, como parece elementar, de qualquer erro.

Em conclusão:

Conformando-se os autores com o valor da indemnização fixada na sentença da 1ª instância e vindo a proceder parcialmente a apelação interposta pelos réus, a medida da sucumbência dos autores, para se aferir da admissibilidade do recurso de revista, corresponde à diferença entre os valores da indemnização arbitrados naquela sentença e no acórdão da Relação."


[MTS]