"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



13/07/2021

Jurisprudência 2021 (11)


Acompanhamento de maiores;
recurso de revista


1. O sumário de STJ 14/1/2021 (4285/18.8T8MTS.P1.S1) é o seguinte:

I. Na interpretação do art. 901.º do CPC deve atender-se a que, estando em causa, nas acções de acompanhamento de maiores, o direito à capacidade civil, consagrado nos n.os 1 e 4 do art. 26.º da CRP, se justifica plenamente a possibilidade de o STJ sindicar as decisões da Relação quanto às quais não se verifica dupla conforme, tal como sucede, em geral, nos demais processos especiais.

II. Assim, e uma vez que a letra do art. 901.º do CPC não o exclui, entende-se que não vigora neste tipo de processos um princípio de irrecorribilidade para o STJ, sendo de concluir que o sentido útil da norma legal será o de regular especificamente a legitimidade para recorrer de decisão relativa a medida de acompanhamento de maior.

III. Não se verifica nulidade por omissão de pronúncia sobre a alegada questão da ilegitimidade de terceiros para apelar; o que pode considerar-se é existir falta de fundamentação dessa decisão da Relação, a qual, porém, foi suprida pelo acórdão da conferência.

IV. Não merece censura a decisão da 1.ª instância que concluiu que os apelantes poderiam ser directa e efectivamente prejudicados pela sentença proferida nestes autos, bem como pelo despacho que a antecedeu, pelo que, nos termos do n.º 2 do art. 631.º do CPC, lhes reconheceu legitimidade para recorrer, não obstante não serem parte na acção.

V. De acordo com decisão do TC proferida a respeito de caso reportado a situação fáctica idêntica à situação subjacente aos presentes autos - acção especial de interdição intentada em data anterior à publicação da L. n.º 49/2018, de 14.08, tendo o exame pericial e a audição do requerido ocorrido já após a entrada em vigor de tal diploma - a aplicação aos processos pendentes do disposto na nova redacção do art. 904.º, n.º 1, do CPC, que prevê a extinção da instância no caso de morte do requerido, por via do art 26.º, n.º 1 daquela mesma lei, não viola os princípios constitucionais da protecção de confiança e da tutela judicial efectiva.


2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"Para apreciar da admissibilidade do recurso, importa ter presentes as seguintes normas do Código de Processo Civil (na redacção introduzida pela referida Lei n.º 49/2018, de 14 de Agosto, aplicável aos processos pendentes nos termos do respectivo art. 26.º, n.º 1):

Artigo 901.º

«Da decisão relativa à medida de acompanhamento cabe recurso de apelação, tendo legitimidade o requerente, o acompanhado e, como assistente, o acompanhante.»

Artigo 891.º, n.º 1:

«O processo de acompanhamento de maior tem carácter urgente, aplicando-se-lhe, com as necessárias adaptações, o disposto nos processos de jurisdição voluntária no que respeita aos poderes do juiz, ao critério de julgamento e à alteração das decisões com fundamento em circunstâncias supervenientes.»

Artigo 988.º, n.º 2:

«Das resoluções proferidas segundo critérios de conveniência ou oportunidade não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.»

Suscitam-se essencialmente duas dúvidas distintas, quais sejam: (i) saber se o actual regime do art. 901.º do CPC tem ou não o alcance de afastar o recurso de revista nas acções de acompanhamento de maiores; (ii) saber se a remissão do n.º 1 do art. 891.º do CPC para o regime dos processos de jurisdição voluntária exclui ou não a regra da irrecorribilidade das decisões proferidas em tais processos segundo critérios de conveniência ou oportunidade, prevista no n.º 2 do art. 988.º do CPC.

Tratando conjuntamente de ambas as questões, Miguel Teixeira de Sousa (“O Regime do Acompanhamento de Maiores: Alguns Aspectos Processuais”, in O novo Regime Jurídico do Maior Acompanhado, Lisboa, Centro de Estudos Judiciários, Fevereiro de 2019, pág. 53., disponível em www.cej.mj.pt) afirma o seguinte:

«A remissão que consta do art.º 891.º, n.º 1, para o regime dos processos de jurisdição voluntária não abrange a irrecorribilidade das resoluções tomadas segundo critérios de conveniência ou oportunidade para o Supremo Tribunal de Justiça (cf. art.º 988.º, n.º 2). A circunstância de o art.º 891.º, n.º 1, não remeter para esta restrição à recorribilidade obsta a qualquer interpretação do disposto no art.º 901.º quanto à admissibilidade da apelação como significando, a contrario sensu, a inadmissibilidade da revista. Disto decorre que é admissível interpor, nos termos gerais, recurso de revista do acórdão da Relação proferido sobre a decisão da 1.ª instância, o que é, decerto, facilmente compreensível, dado que não se compreenderia que uma decisão relativa a aspectos fundamentais da liberdade pessoal não pudesse ser sindicada pelo Supremo.»

Afigura-se preferível autonomizar as duas questões.

Quanto à questão de saber se o actual regime do art. 901.º do CPC tem ou não o alcance de afastar o recurso de revista nos processos de acompanhamento de maiores, reconhece-se que a redacção equívoca da norma legal (“Da decisão relativa à medida de acompanhamento cabe recurso de apelação...”) permite que se questione se o sentido útil da mesma norma será o de, em tais processos, não se admitir mais do que um grau de recurso.

Considera-se, porém, que, na interpretação daquele regime normativo, se deve antes atender a que, estando em causa, nas acções de acompanhamento de maiores, o direito à “capacidade civil”, consagrado nos n.os 1 e 4 do art. 26.º da Constituição da República Portuguesa, se justifica plenamente a possibilidade de o Supremo Tribunal de Justiça sindicar as decisões da Relação (tanto decisões determinativas de medidas de acompanhamento como outras decisões) em relação às quais não se verifique dupla conforme, tal como sucede, em geral, nos demais processos especiais.

Assim, e uma vez que a letra do art. 901.º do CPC não o exclui, entende-se que não vigora neste tipo de processos um princípio de irrecorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça. Sendo de concluir que o sentido útil da norma legal será o de regular especificamente a legitimidade para recorrer de decisão relativa a medida de acompanhamento de maior, atribuindo essa legitimidade ao requerente, ao acompanhado e ao acompanhante.

Quanto à segunda questão – recorribilidade das decisões proferidas segundo critérios de conveniência ou oportunidade – não cabe aqui tomar posição sobre a mesma, pois, no caso dos autos, é manifesto que o acórdão recorrido não se baseou em critérios de conveniência ou oportunidade, consistindo o objecto do recurso em questões de direito relacionadas, por um lado, com a legitimidade para interpor recurso de apelação dos aqui Recorridos e, por outro lado, com a aplicação no tempo do novo regime legal que instituiu o processo especial de acompanhamento de maiores.

Deste modo, e não se verificando dupla conforme entre as decisões das instâncias, conclui-se não existir obstáculo à admissibilidade do presente recurso."

[MTS]