O acórdão recorrido considerou que as declarações confessórias do Requerido, no sentido de ter administrado as heranças do seu pai desde a morte deste e de, posteriormente, ter também administrado a herança da sua mãe, após esta ter também falecido, constantes de requerimento apresentado no inventário por morte dos seus pais e de articulado apresentado noutro processo de prestação de contas, nos quais, em ambos os processos, era também parte a Requerente, tinham força probatória plena, pelo que contribuíram, conjuntamente com outra prova documental, para que o Tribunal da Relação tenha alterado a redação do facto n.º 4.
A Recorrente entende que tais declarações confessórias, porque efetuadas noutros processos, não podem ser valoradas nesta ação, pelo que lhes foi conferida uma relevância indevida.
Quid iuris, quanto à força probatória extraprocessual das declarações confessórias escritas nos articulados de uma outra ação judicial em que participem as mesmas partes?
2. A questão de direito probatório
Na 1.ª parte, do artigo 421.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, consta que os depoimentos e perícias produzidos num processo com audiência contraditória da parte podem ser invocados noutro processo contra a mesma parte, sem prejuízo do disposto no n.º 3, do artigo 355., do Código Civil, o qual dispõe que a confissão feita num processo só vale como judicial nesse processo.
A história deste preceito revela-nos informações importantes para a interpretação do seu conteúdo.
Foi o Código de Processo Civil de 1939 que introduziu no seu artigo 526.º regras sobre a possibilidade de valoração de provas produzidas noutro processo. Sob o título valor extraprocessual das provas, dispunha expressamente no § 1.º - as confissões feitas nos articulados podem ser opostas noutro processo, depois de no corpo do artigo se admitir o valor extraprocessual dos depoimentos (quer os de parte, quer os de testemunhas [---]) e dos arbitramentos.
O Código de Processo Civil de 1961, no preceito correspondente àquele (o, n.º 2, do artigo 522.º), manteve a disposição que as confissões feitas expressamente nos articulados podem ser opostas noutro processo, limitando-se a esclarecer, consagrando a doutrina que vinha sendo já perfilhada [---], que este aproveitamento da prova por confissão apenas se aplicava às confissões expressamente feitas nos articulados e não às admissões, por acordo tácito, dos factos alegados pela parte contrária.
O Decreto-Lei n.º 47.690, de 11 de maio de 1967, que introduziu modificações no texto do Código de Processo Civil de 1961, de modo a compatibilizar a lei processual com o conteúdo no novo Código Civil, entretanto aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47344, de 25 de novembro de 1966, alterou a redação do referido artigo 522.º, a qual deixou de ter qualquer referência às confissões efetuadas pelas partes nos articulados (foi eliminado o que constava do n.º 2, deste artigo), mantendo-se apenas o valor extraprocessual dos depoimentos e arbitramentos produzidos num processo, agora, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 355.º do Código Civil.
Foi esta a redação que transitou para o artigo 421.º do Código de Processo Civil de 2013, tendo-se substituído apenas o termo “arbitramentos” por “perícias”.
A questão que se coloca é a de saber se, com a alteração promovida pelo Decreto-Lei n.º 47.690, de 11 de maio de 1967, as confissões feitas nos articulados deixaram de ter qualquer valor extraprocessual, ou se passaram a estar abrangidas pela referência aos “depoimentos” aos quais se continuou a conferir valor extraprocessual, valendo também para elas o regime do artigo 355.º, n.º 3, do Código Civil, ou seja, fora do processo não têm o valor de uma confissão judicial, mas devem ser valoradas como confissão extrajudicial, nos termos do artigo 358.º, n.º 2, do Código Civil.
Vaz Serra, nos trabalhos preparatórios do Código Civil de 1966, depois de descrever o regime dos artigos 426.º, § 1.º, do Código de Processo Civil de 1939, e 522.º, n.º 2, do Código de Processo Civil de 1961 [Provas, no B.M.J. n.º 110, pág. 199-200.], manifestou dúvidas sobre a manutenção da possibilidade de uma confissão efetuada num processo poder ser valorada noutro processo, tendo incluído no articulado do respetivo anteprojeto sobre matéria probatória com a anotação de “duvidosa” a norma de que a confissão feita num processo só vale noutro processo, como extrajudicial, sem distinguir a confissão em depoimento de parte e a confissão nos articulados.
Escreveu Vaz Serra que parece de exigir que a confissão seja feita no próprio processo em que é invocada: se tiver sido feita num processo anterior, mesmo que entre o confitente e o seu atual adversário, não valeria como confissão judicial no processo atual, pois, pode acontecer que tal confissão tenha sido feita tendo em vista apenas o que no processo se discutia. Será, pois, no novo processo, uma simples confissão extrajudicial e, porventura, nem tanto, dada a mesma razão [Ob. cit., pág. 254 e 255.].
No anteprojeto saído da 1.ª Revisão Ministerial, manteve-se no artigo 314.º, n.º 2, aquela norma, tida por Vaz Serra como “duvidosa”, acabando a mesma, no entanto, por ser substituída no texto saído da 2.ª Revisão Ministerial pela determinação que a confissão feita num processo só vale como judicial nesse processo [---].
Pires de Lima e Antunes Varela [Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª ed., Coimbra Editora, 1987, pág. 316.] retomando as razões das dúvidas expostas por Vaz Serra, na anotação feita ao artigo 355.º do Código Civil, adiantaram que a limitação da força probatória especial de que goza a confissão judicial à instância em que foi produzida, ou seja, ao processo em que foi feita, explica-se porque a parte pode ter confessado (renunciado a discutir ou a contestar a realidade do facto), tendo apenas em vista os interesses que estão em jogo naquele processo. Mas poderia ter adotado atitude diferente se outros valores estivessem em causa.
A leitura do artigo 522.º do Código de Processo Civil de 1961, após as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 47.690, de 11 de maio de 1967, e agora do artigo 421.º do Código de Processo Civil de 2013, quanto à questão acima exposta, não tem sido esclarecedora, quer na doutrina, quer na jurisprudência. [...]
Lebre de Freitas [A Confissão no Direito Probatório, Coimbra Editora, 1991, pág. 322-324.] também defendeu que ao estatuir-se que a confissão só vale como judicial neste processo (C.C. artigo 355-3), a lei não pretende excluir a eficácia extraprocessual da confissão judicial, mas sim afirmar que só como confissão extrajudicial ela pode ser invocada fora do processo em que é produzida, isto é, em obediência aos requisitos e com a produção dos efeitos da confissão extrajudicial. Assim, para este autor, resulta que a norma do artigo 522 do Código de Processo Civil, é aplicável, contra o que à primeira vista poderia inculcar a expressão “depoimentos e arbitramentos” não só à confissão resultante de prestação de informações ou esclarecimentos ao tribunal e à espontaneamente feita em articulado. Esta interpretação extensiva da nova redação do artigo 522.º, n.º 1, 1.ª parte, do Código de Processo Civil de 1961, foi posteriormente reafirmada pelo mesmo autor [A Ação Declarativa Comum, à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 4.ª ed., Gestlegal, 2017, pág. 258-259, nota 56.], relativamente ao artigo 421.º do Código de Processo Civil atual, embora reconhecendo-se que é controvertido se este preceito abrange a confissão produzida em articulado. Em obra conjunta com Isabel Alexandre [ódigo de Processo Civil Anotado, vol. 2.º, 3.ª ed., Almedina, 2017, pág. 234, tal como já sucedia com a 1.ª ed. da mesma obra (pág. 417) realizada em colaboração com Montalvão Machado e Rui Pinto, em anotação ainda ao artigo 522.º do Código de Processo Civil de 1961.], apenas se refere que é discutível se o artigo 421.º do Código de Processo Civil abrange a declaração confessória produzida em articulado.
Rui Pinto [Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, 2018, pág. 634.] concorda com Lebre de Freitas no sentido do termo “depoimento” utilizado no artigo 421.º do Código de Processo Civil, poder também abranger as declarações confessórias constantes dos articulados.
Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora [Manual de Processo Civil, 2.ª ed., Coimbra Editora, 1985, pág. 494, nota 3.] referiram, ambiguamente, que o Código Civil (artigo 353.º, 3 e 358, 4) veio alterar a solução estabelecida na lei processual, tendo-se eliminado, em consequência disso, a referência ao artigo 522.º à prova por confissão, não esclarecendo o sentido da alteração ocorrida.
Na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça encontramos a mesma indefinição relativamente ao valor extraprocessual das declarações confessórias constantes dos articulados após a revisão do Código de Processo Civil de 1961, operada pelo Decreto-Lei n.º 47.690, de 11 de maio de 1967.
Em acórdão de 12-10-2006, proferido no Processo n.º 2587/06 (Rel. Alberto Sobrinho) [---], entendeu-se que uma declaração constante de acordo sobre o destino da casa de morada de família junto a um processo de divórcio, não podia ser invocada, com o valor de uma confissão, numa posterior ação de reivindicação entre as mesmas partes, com o argumento de que segundo os ensinamentos de Pires de Lima e Antunes Varela, a limitação da força probatória especial de que goza a confissão judicial à instância em que foi produzida, ou seja, ao processo em que foi feita, explica-se porque a parte pode ter confessado (renunciando a discutir ou a contestar a realidade do facto), tendo apenas em vista os interesses que estão em jogo naquele processo. Mas poderia ter adotado atitude diferente se outros valores estivessem em causa.
No acórdão de 11.11.2010, proferido no processo n.º 154/1995 (Rel. Ferreira de Sousa), inédito, decidiu-se da mesma forma, não se reconhecendo qualquer eficácia extraprocessual a uma confissão tácita ocorrida nos articulados de uma anterior ação declarativa entre as mesmas partes, invocando-se também como argumento a mesma anotação de Pires de Lima e Antunes Varela ao artigo 355.º do Código Civil.
Já no acórdão de 29.03.2011, proferido no processo n.º 3277/07 (Rel. Azevedo Ramos), inédito, considerou-se que podia ser livremente valorada declaração confessória proferida em articulado de uma anterior ação entre as mesmas partes.
No acórdão de 21.06.2011, proferido no processo n.º 1884/06 (Rel. Sousa Leite), inédito, mais uma vez não se reconheceu qualquer eficácia extraprocessual a uma confissão expressa constante de uma anterior ação declarativa entre as mesmas partes, com fundamento em que a força probatória especial de que goza a confissão judicial limita-se ao processo em que foi efetuada, dessa forma se circunscrevendo a relevância da confissão da parte que a proferiu, apenas aos interesses que, na referida ação, se encontram em jogo.
No acórdão de 10.07.2012, proferido no processo n.º 3817/05 (Rel. Fernandes do Vale), igualmente não se reconheceu qualquer eficácia extraprocessual a uma declaração de quitação emitida em processo executivo anterior entre as mesmas partes, invocando-se, mais uma vez, a referida citação da anotação de Pires de Lima e Antunes Varela.
No acórdão de 19.06.2014, proferido no processo n.º 424/2001 (Rel. Sérgio Poças), inédito, já se considerou, citando-se o acórdão de 29.03.2011, acima referido, que a declaração confessória feita nos articulados de um processo de insolvência constitui um elemento de prova de livre apreciação numa outra ação declarativa.
No acórdão de 30.11.2014, proferido no processo n.º 2420/11 (Rel. Serra Baptista), voltou a entender-se que uma declaração confessória inserida numa transação efetuada pelas partes em ata não vale noutro processo, já que a parte pode ter confessado, renunciando a discutir ou a contestar a realidade do facto, tendo apenas em vista os interesse que estão em jogo naquele processo.
Contudo, o recente acórdão de 03.11.2021, proferido no processo n.º 8902/18 (Rel. Ricardo Costa), aderindo expressamente à opinião de Lebre de Freitas acima exposta, entendeu que as declarações constantes de articulado apresentado em processo judicial diverso, com identidade das partes em litígio e intervenção efetiva nos processos em causa, feitas por mandatário, devem considerar-se como confissão extrajudicial, por exclusão de partes oferecida pelos arts. 355.º, n.os 3 e 4, do CC, e tendo em conta o art. 356.º, n.º 1, do CC (confissão espontânea produzida em articulado), beneficiando de força probatória plena quando são invocadas extraprocessualmente, tendo em conta a interpretação sistemática e racional dos arts. 421.º, n.º 1, do CPC, 355.º, n.º 3, e 358.º, n.º 2, 2.a parte, do CC, em ligação com os arts. 356.º, n.º 1, e 46.º do CPC.
3. A nossa solução
A decisão desta revista impõe-nos uma tomada de posição nesta querela, sendo necessário encontrar-se uma leitura coerente do artigo 421.º do Código de Processo Civil, com o regime da confissão, designadamente com o disposto no artigo 355.º, n.º 3, do Código Civil, uma vez que foi o regime da confissão introduzido pelo Código Civil de 1966 que determinou as alterações ao artigo 522.º do Código de Processo Civil de 1961, levadas a cabo pelo Decreto-Lei n.º 47.690, de 11 de maio de 1967, as quais fixaram o conteúdo das normas atualmente em vigor nesta matéria. Isso exige não só iluminar a história daquelas alterações, como também ponderar as razões que, atualmente, podem justificar as diferentes soluções apontadas.
Não oferece dúvidas que a opção legislativa quer do Código de Processo Civil de 1939, quer da versão original do Código de Processo Civil de 1961, foi a de admitir que as confissões expressas feitas nos articulados de uma ação pudessem ser opostas noutro processo ao confitente, exatamente com o mesmo valor probatório que elas tinham no processo onde foram emitidas, ou seja uma força probatória que a lei designava como plena (artigo 2412.º do Código de Seabra), com o significado de pleníssima, uma vez que não admitia prova do contrário [---].
No entanto, aquando da aprovação do novo Código Civil, como vimos, suscitaram-se dúvidas sobre o acerto da extensão da força probatória de uma confissão efetuada nos articulados de uma ação a outras ações, uma vez que em cada processo o comportamento das partes nos articulados obedece a estratégias que têm em vista os interesses que estão em jogo apenas nesse processo, não se justificando, por isso, uma extensão do efeito de uma confissão nos articulados a outros processos. Foi esta a razão que, confessadamente, suscitou dúvidas a Vaz Serra sobre a proposta de considerar que a confissão feita num processo vale noutro processo, como extrajudicial, e que motivou que na 2.ª Revisão Ministerial do Anteprojeto do Código Civil se substituísse a norma sobre o alcance do valor probatório das confissões judiciais, passando estas apenas a valer no próprio processo onde foram emitidas, como se evidencia da anotação autorizada de Pires de Lima e Antunes Varela ao artigo 355.º do Código Civil.
Dispõe este artigo, numa redação muito próxima da que resultou da 2.ª Revisão Ministerial:
1. A confissão pode ser judicial ou extrajudicial.
2. Confissão judicial é a feita em juízo, competente ou não, mesmo quando arbitral, e ainda que o processo seja de jurisdição voluntária.
3. A confissão feita num processo só vale como judicial nesse processo; a realizada em qualquer procedimento preliminar ou incidental só vale como confissão judicial na ação correspondente.
4. Confissão extrajudicial é a feita por algum modo diferente da confissão judicial.
Como acima se revelou, a redação da 1.ª parte, do n.º 3, resultou deliberadamente de uma opção legislativa, não só oposta àquela que constava do n.º 2, do artigo 522.º, do Código de Processo Civil de 1961, como igualmente contrária à possibilidade da confissão judicial poder valer noutro processo como confissão extrajudicial, ou seja, não com a força probatória pleníssima que vale no próprio processo onde é emitida, mas com a força probatória plena ou bastante, consoante os casos, conforme fixa o artigo 358.º, n.º 2, do Código Civil, como, com dúvidas, se propunha no Anteprojeto de Vaz Serra. Daí que a interpretação do disposto nos n.º 3 e 4 do transcrito artigo 355.º do Código Civil, em conjugação com o disposto no artigo 522.º do Código de Processo Civil de 1961, após a reforma operada pelo Decreto-Lei n.º 47.690, de 11 de maio de 1967, assim como do atual artigo 421.º, n.º 1, do Código de Processo Civil de 2013, no sentido de a confissão judicial poder valer noutro processo como extrajudicial, resulta numa subversão das opções do legislador histórico.
Quando se diz na primeira parte do n.º 3, do artigo 355.º, do Código Civil, que a confissão feita num processo só vale como judicial nesse processo, limita-se o alcance probatório dessa confissão, sem que se lhe confira um estatuto diferente fora do processo. Por ser proferida num processo ela é, em qualquer caso, uma confissão judicial, pelo que, não sendo efetuada de um modo diferente desta, sem uma previsão específica da lei, não lhe pode ser reconhecida eficácia extraprocessual.
É, precisamente, essa previsão específica que atualmente consta do artigo 421.º do Código de Processo Civil, o qual, como vimos, reproduz de perto o disposto no artigo 522.º do Código de Processo Civil de 1961, após as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 47.690, de 11 de maio de 1967, que visou compatibilizar o Código de Processo Civil de 1961, com o recém-aprovado Código Civil, que entrou em vigor em 01.06.1967.
O referido Decreto-Lei n.º 47.690, de 11 de maio de 1967, alterou a redação do artigo 522.º do Código de Processo Civil de 1961, eliminando o conteúdo do seu n.º 2, onde se dispunha que as confissões feitas expressamente nos articulados podem ser opostas noutro processo e manteve no n.º 1 que os depoimentos e arbitramentos produzidos num processo com audiência contraditória da parte podem ser invocados noutro processo contra a mesma parte, e acrescentando-lhe a expressão, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 355.º do Código Civil, com o significado de não obstante o artigo 355.º, n.º 3, do Código Civil, dispor que a confissão feita num processo só vale como confissão judicial nesse processo, ou seja que, excecionalmente, uma declaração confessória produzida num depoimento de parte pode ter eficácia extraprocessual [---].
A eliminação do n.º 2, do artigo 522.º, do Código de Processo Civil de 1961, em conjugação com o aditamento da referida expressão à primeira parte do n.º 1, do mesmo artigo, são reveladores que a opção do legislador de 1966/1967 foi a de deixar de conferir qualquer eficácia extraprocessual às declarações confessórias constantes dos articulados, mantendo essa eficácia, mas agora cingida às declarações confessórias produzidas em depoimento de parte.
E essa opção legislativa manteve-se com a reprodução do disposto no artigo 522.º do Código de Processo Civil de 1961, na redação que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 47.690, de 11 de maio de 1967, no artigo 421.º do Código de Processo Civil de 2013.
E esta solução, desejada pelo legislador de 1966/1967 e que se mantém no disposto no artigo 421.º do Código de Processo Civil, é ainda a que melhor se adequa às significativas diferenças que existem entre uma confissão feita nos articulados e uma confissão efetuada em depoimento de parte, como iremos demonstrar.
Na verdade, uma confissão feita nos articulados, é habitualmente feita por mandatário da parte com meros poderes gerais forenses (artigos 46.º e 465.º, n.º 2, do Código de Processo Civil). Se é compreensível que um advogado para poder efetuar uma defesa eficaz dos interesses do seu mandante não pode estar limitado, em sede de definição do conteúdo dos articulados, não sendo, excecionalmente, exigível que disponha de poderes especiais para, em nome do seu mandante, confessar factos nessas peças processuais, em tais confissões, a intensidade da regra da experiência de que não se mente contra o próprio interesse encontra-se consideravelmente debilitada, o que explica que o legislador permita que elas possam ser retiradas, enquanto a parte contrária as não tiver aceitado especificadamente [---].
Já o depoimento de parte, desde logo, tem carater pessoal (artigo 452.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), não podendo ser prestado por mandatário constituído. E, antes de começar o depoimento, o tribunal faz sentir ao depoente a importância moral do juramento que vai prestar e o dever de ser fiel à verdade, advertindo-o ainda das sanções aplicáveis às falsas declarações (artigo 459.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), obrigando-o depois a prestar o depoimento sob juramento (artigo 459.º, n.º 3, do Código de Processo Civil).
Enquanto no depoimento de parte, o legislador procurou reunir o maior número de garantias que as declarações nele prestadas, incluindo as confessórias, traduzissem, efetivamente, a verdade dos factos, relativamente às confissões constantes dos articulados, o legislador, impossibilitado de impor as mesmas garantias, revelou a consciência da possibilidade de as mesmas poderem não corresponder à realidade.
Assim, se em nome do princípio do dispositivo, com forte influência no processo civil, se justifica que as confissões de factos nos articulados não deixem de ter efeitos probatórios pleníssimos nesse processo, a fragilidade que, nessas situações, apresenta a regra da experiência de que não se mente contra o próprio interesse, não aconselha que se extrapole tais confissões para outros processos, mesmo atribuindo-lhe menor força probatória, até porque o espírito do princípio do dispositivo já não tem aqui qualquer aplicação, uma vez que estamos perante a prova a efetuar num outro processo, em que os interesses em jogo são distintos.
*3. [Comentário] a) O decidido no acórdão merece uma breve observação.
b) O art. 355.º, n.º 3, CC determina que "a confissão feita num processo só vale como judicial nesse processo", não que "a confissão feita num processo só vale como confissão nesse processo". Portanto, o sentido da regra é o de que, para que uma confissão (aliás, qualquer confissão) realizada num processo possa valer num outro processo, é necessário que essa confissão (que vale então como confissão extrajudicial no segundo processo) cumpra o requisito formal estabelecido no art. 358.º, n.º 2, CC.
É também isso que justifica a ressalva do art. art. 355.º, n.º 3, CC no art. 421.º, n.º 1, CPC. A ressalva apenas mostra que a confissão realizada num processo não pode ser considerada judicial num outro processo.
Em suma: o regime tem a ver com o valor probatório que uma confissão judicial realizada num processo tem num outro processo, não com a impossibilidade de uma confissão judicial ocorrida num processo valer como confissão (extrajudicial) num outro processo.
c) Outra coisa é saber se o art. 421.º CPC pode ser aplicado à confissão realizada nos articulados. A circunstância de este preceito referir apenas a "depoimentos" pode dar a entender que se trata apenas da confissão judicial provocada (art. 356.º, n.º 2, CC). No entanto, parece ser demasiado formal que o valor extraprocessual da confissão fique dependente do seu carácter espontâneo ou provocado, tanto mais que isso se traduziria em negar esse valor à confissão que seja realizada de forma espontânea (art. 356.º, n.º 1, CC).
Por isso, há que interpretar extensivamente a expressão "depoimentos" que é utilizada no art. 421.º, n.º 1, CPC e entender que ela abrange qualquer das modalidades da confissão judicial.
Neste sentido, salvo o devido respeito, discorda-se do decidido no acórdão.