Mas já não o justo receio da perda da garantia patrimonial (periculum in mora) que, com aquele, integram a dupla de requisitos de natureza substantiva que compõe a providência cautelar de arresto, previsto no artigo 392.º, n.º 1, do CPC.
Lê-se na decisão sob recurso:
«Contudo, o mesmo já não sucede quanto ao segundo requisito: o periculum in mora, sendo ademais certo que a exigência que deve ser colocada na averiguação deste requisito deve ser superior à colocada na análise do primeiro.
Na verdade, não se apuraram factos que permitam concluir pela existência de um justificado receio de perda da garantia patrimonial do crédito.
É certo que os Requeridos venderam um imóvel em 18/03/2022, porém, esse imóvel está longe de ser o único bem de que os Requeridos eram/são proprietários, sendo certo que nem sequer se provou que esse bem fosse o mais valioso dos bens dos Requeridos.
Com efeito, além de não se ter apurado que os Requeridos não exerçam atividade profissional, apurou-se que os Requeridos têm vários bens registados em seu nome, desde bens imóveis, cujo valor patrimonial ascende a € 182.550,34, a veículos automóveis.
Mais, o valor do crédito de que os Requerentes se arrogam ter sobre os Requeridos (no valor global de € 67.000,00) é inferior ao valor patrimonial de um só dos prédios registados em nome dos Requeridos (o prédio urbano sito em …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Alvaiázere sob o atual artigo …).
Por outro lado, não se apurou qualquer facto que permita concluir que os Requerentes se encontram ou pretendam desfazer-se do seu património, sendo certo que um único e isolado ato de venda de um imóvel, desacompanhado de qualquer outra manifestação de intenção de transmissão de outros bens, é clara e manifestamente insuficiente para tal justificar.
Na verdade, têm de existir factos concretos que permitam concluir que os Requeridos estariam a dissipar o seu património com o fim de se furtar ao cumprimento das suas obrigações, o que manifestamente não se verifica.
O património dos Requeridos é, pois, vasto e, objetivamente, não se descortina qualquer razão que justifique receio de perda de garantia patrimonial do crédito, sendo que este (o receio), a existir, é manifestamente de índole subjetiva (dos Requerentes), não encontrando apoio em qualquer facto objetivo.
O Requerente de uma providência tem de alegar e provar factos reais, certos e concretos que mostrem que o receio que invoca é fundado e não é fruto da sua imaginação ou de excessivas cautelas, não sendo suficiente para o decretamento de uma providência cautelar a mera possibilidade remota de os Requeridos virem a vender todos ou alguns dos (vários) bens que têm registados em seu nome. (…)
Por outro lado, sempre se diga que o facto de existirem outros credores, não obstante não se ter concretizado sequer quem são e quais os valores envolvidos, por si só e mesmo associado à vendo de um imóvel, não é suficiente. (…)
Destarte, do conjunto dos factos indiciariamente provados cremos, assim, que não se mostram preenchidos os requisitos exigidos pelos artigos 391.º do Código de Processo Civil e 619.º do Código Civil, para se decretar o Arresto solicitado.»
Não acompanhamos, com todo o respeito, tal ponderação.
No arresto, o factualismo apto a preencher a previsão legal do requisito “justo receio” da perda da garantia patrimonial, pode assumir uma larga diversidade de comportamentos, nele cabendo casos como os de fuga do devedor, sonegação ou ocultação de bens, situação patrimonial deficitária do devedor, mas também a conduta deste que, à luz duma prudente apreciação, tomando em conta todos os factos e circunstâncias e de acordo com as regras da experiência, faça antever e recear o perigo de se tornar difícil, se não impossível, a cobrança do crédito.
Está nessa situação a ocorrência de procedimentos anómalos e obstrutivos que revelem o propósito de não cumprir, o montante avultado do crédito, a relação negocial outrora de confiança estabelecida entre as partes, mas que deixou de o ser, a duração da mora, uma primeira atuação de venda ainda que não universal.
Em sentido idêntico, o Ac. do TRC de 06/03/2018, Proc. 1833/17.4T8FIG.C1 in www.dgsi.pt, assim sumariado:
I - No arresto, o factualismo apto a preencher a previsão legal do requisito “justo receio” da perda da garantia patrimonial, pode assumir uma larga diversidade, nele cabendo casos como os de receio de fuga do devedor, da sonegação ou ocultação de bens, da situação patrimonial deficitária do devedor, ou qualquer outra conduta relativamente ao seu património, que, objetivamente, faça antever e temer o perigo de se tornar impossível ou difícil a cobrança do crédito.
II - Se a requerente alega, nuclearmente, que a requerida «por várias vezes assumiu a intenção de dissipação, ocultação ou extravio», termos jurídicos já do entendimento do homem comum, que «a requerida não possuiu quaisquer bens» e que «a requerida foge a todos e quaisquer contactos com a requerente» o requerimento não pode ser indeferido liminarmente, porque não é manifesta a improcedência do pedido já que com a prova de tais factos e de outros adjuvantemente alegados e provados, ele é suscetível de singrar».
Ora, resulta demonstrado que (…), o mutuante, faleceu em 21/07/2019; o valor total da dívida é de € 67.000,00, o que à luz do senso comum, configura um valor avultado; foi solicitado aos requeridos o pagamento da mesma em 2018 de forma verbal e por carta, mas as diligências para que tal pagamento ocorresse datam de princípios de 2017, sem que o mesmo se tenha verificado total ou parcialmente; já anteriormente os requeridos haviam incumprido a obrigação de restituição de um outro empréstimo pecuniário no valor de € 13.000,00 ocorrido em 2004, obrigando à interposição de uma injunção a que se opuseram, correndo a partir de então uma ação comum que condenou os requeridos, que recorreram mas não obtiveram provimento; foi necessário executar a decisão e só após a fase de penhora lograram efetuar tal pagamento; os requeridos venderam entretanto o imóvel que tinha sido anteriormente penhorado, mas com a respetiva liquidez nada pagaram aos requerentes do ora reclamado; existem outros credores dos requeridos, sendo desconhecido o valor dos montantes em dívida.
Ainda que os requeridos tenham no seu património bens imóveis, cujo valor patrimonial ascende a € 182.550,34 e dois veículos automóveis, o comportamento destes, não apenas indiferente ao cumprimento da dívida, mas, inequivocamente dificultoso, obstrutivo, reincidente e com uma primeira atuação de venda de património, considerando, ainda os tempos médios de vida útil duma ação judicial, tudo ponderado, impõe-se-nos considerar que tal comportamento é de molde a permitir antever e recear o perigo de se tornar difícil, se não impossível, a cobrança do crédito dos requerentes, por persistência obstrutiva por parte dos requeridos.
Não sendo esse receio meramente subjetivo, exagerado ou baseado em meras conjeturas do credor.
Está, pois, demonstrado o justo receio ou justificado receio de perda de garantia patrimonial, devendo o arresto ser decretado."
[MTS]