"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



12/09/2023

Jurisprudência 2023 (7)


Petição inicial;
indeferimento liminar; decisão-surpresa*


1. O sumário de RL 18/1/2023 (8095/21.7T8ALM.L1-4) é o seguinte:

I – Justifica-se, excecionalmente, o exercício prévio do princípio do contraditório, nos moldes previstos no n.º 3 do art.º 3.º do CPC/2013, quando da proferição de despacho judiciais de indeferimento liminar, caso os motivos ou problemáticas que justificam os mesmos não resultem dos elementos constantes do articulado inicial e dos documentos que o complementam ou quando, sendo de conhecimento oficioso, sejam inesperadas, imprevisíveis, «surpreendentes» para a parte demandante.

II - Não houve por parte do tribunal recorrido, com a proferição do despacho de indeferimento liminar que aqui se acha em apreciação, qualquer violação do princípio do contraditório, por o mesmo não poder ser configurado juridicamente como uma «decisão surpresa».
 
III – O tribunal recorrido no despacho liminar que prolatou e na apreciação necessariamente limitada e perfunctória que fez, não perspetivou a viabilidade dos pedidos e fundamentos factuais e jurídicos formulados pelo Autor, em função das diversas e possíveis interpretações jurídicas e soluções de direito, sendo certo que o despacho liminar de aceitação da petição inicial em questão não forma caso julgado formal ou material quanto a qualquer uma das dúvidas e questões antes levantadas, podendo a presente ação ser, a final, julgada total ou parcialmente improcedente, por alguns dos fundamentos constantes do despacho liminar recorrido ou outros que se deixaram ou não aflorados na nossa fundamentação.
 
IV – Entendemos que não cabe a este tribunal de recurso, nas circunstâncias concretas e particulares dos autos, ordenar a substituição do despacho recorrido por um despacho de aperfeiçoamento, por se traduzir, de alguma maneira, numa forma de conduzir e condicionar o julgamento adjetivo e de mérito a fazer pelo tribunal da 1.ª instância, tudo sem prejuízo de deixarmos em aberto e ao critério da ilustre julgadora do tribunal recorrido tal possibilidade de mandar aperfeiçoar a Petição Inicial do Autor.

2. Na fundamentação do acórdão, tirado, quanto a um outro aspecto, com um voto de vencida, afirma-se o seguinte:

"C – DESPACHO DE INDEFERIMENTO LIMINAR - PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DECISÃO-SURPRESA – DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA

Ora, chegados aqui, importa enfrentar a primeira linha de argumentação do recorrente, quando sustenta que o despacho judicial de indeferimento liminar dos autos e que é objeto da presente Apelação, constitui uma «decisão-surpresa», por violação do princípio do contraditório, dado que o Juízo do Trabalho de Almada deveria ter ouvido antecipadamente o Autor relativamente ao seu propósito de indeferir, desde logo e liminarmente, a petição inicial apresentada.

Importa, a este respeito, chamar à colação o disposto no artigo 3.º do Código de Processo Civil de 2013, quando estatui o seguinte:

Artigo 3.º
Necessidade do pedido e da contradição
 
1 - O tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição.
2 - Só nos casos excecionais previstos na lei se podem tomar providências contra determinada pessoa sem que esta seja previamente ouvida.
3 - O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
4 - Às exceções deduzidas no último articulado admissível pode a parte contrária responder na audiência prévia ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final.

Ouçamos, acerca do artigo 3.º, na vertente do princípio do contraditório aí consagrado, os anotadores ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA [No seu «Código de Processo Civil Anotado - Parte Geral e Processo de Declaração – artigos 1.º a 702.º», Volume I, 2.ª Edição, setembro de 2020, Almedina, páginas 21 a 23, Notas 10 a 19 ao artigo 3.º.quando afirmam o seguinte:
  
«10. Ao princípio do contraditório subjaz a ideia de que repugnam ao nosso sistema processual civil decisões tomadas à revelia de algum dos interessados, regra que apenas sofre desvios quando outros interesses se sobreponham. Posto que a necessidade de observância do contraditório seja replicada em diversos preceitos avulsos, tal não diminui o relevo da sua enunciação como princípio geral que se impõe em todas as fases processuais, especialmente nos articulados e na apresentação e produção de meios de prova (art.º 415.º). […]  
12. A liberdade de aplicação das regras do direito (art.º 52, n.º 3) ou a oficiosidade no conhecimento de determinadas exceções, sem outras condicionantes, potenciariam decisões que, em divergência com as posições jurídicas assumidas pelas partes, constituiriam verdadeiras decisões-surpresa (STJ 17-6-14, 233/2000). A regra do n.º 3 pretende impedir que, a coberto desse princípio, as partes sejam confrontadas com soluções jurídicas inesperadas ou surpreendentes, por não terem sido objeto de qualquer discussão (STJ 15-3-18, 2057/11, STJ 19-5-16, 6473/03 e STJ 27-9-11, 2005/03; em STJ 19-12-18, 543/05 estava em causa o recurso a regras do enriquecimento sem causa numa ação sustentada na responsabilidade civil). Simultaneamente, a solução legal propicia ao juiz melhores condições para uma ponderação mais serena dos argumentos, potenciando designadamente a redução de casos de injustificadas absolvições da instância. A audição das partes apenas pode ser dispensada em casos de "manifesta desnecessidade" (conceito indeterminado que deve ser encarado sob uma perspetiva objetiva), quando se trate de indeferimento de nulidades (art.º 201.º) e sempre que as partes não possam, objetivamente e de boa-fé, alegar o desconhecimento das questões de direito ou de facto a decidir ou as respetivas consequências (RL 24-4-18, 15582/17).
13. Na formulação do n.º 3 foram adotados conceitos indeterminados ou cláusulas gerais cuja maleabilidade permite assegurar a instrumentalidade do processo face ao direito substantivo sem, no entanto, dispensar critérios rigorosos e convincentes relativamente à sua delimitação a partir da análise ou resolução de casos concretos. Cabe ao juiz um papel fundamental na compatibilização dos diversos interesses que no processo se interligam (STJ 19-5-16, 6473/03).
14. Tal como o princípio do contraditório não deve obscurecer o objetivo da celeridade processual, também esta não pode conduzir a uma dispensa do contraditório sob o pretexto da sua desnecessidade. Tal dispensa é prevista a título excecional, apenas se justificando quando a questão já tenha sido suficientemente discutida ou quando a falta de audição das partes não prejudique de modo algum o resultado final.
15. O cumprimento de tal dever é especialmente exigido quando se trate de apreciar questões de conhecimento oficioso que não foram objeto de discussão, como sucede com a exceção de incompetência absoluta. Antes de decidir, o juiz deve facultar às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre a matéria (ou, quiçá, requerer que seja acionado o mecanismo de consulta prejudicial dirigida ao Trib. dos Conflitos, nos termos do art.º 15.º, n.º 2, da Lei n.º 91/19, de 4-9), o que poderá evitar decisões precipitadas ou, no mínimo, decisões que surjam contra a corrente do processo ou contra as expectativas que legitimamente foram criadas quanto à sua evolução no sentido da prolação de uma decisão de mérito (situação tanto mais grave quanto é certo que, em certos casos referidos no art.º 97.º, n.º 1, tal exceção pode ser conhecida a todo o tempo). O mesmo se verifica quando está em causa uma diversa qualificação jurídica dos factos: sendo esta legítima, ao abrigo do art.º 5.º, n.º 3, não dispensa a necessidade de o juiz auscultar as partes, na medida em que uma diversa qualificação jurídica pode contender com a posição que cada uma adotou no processo, interferindo na tutela dos respetivos interesses (sobre a matéria, cf. a fundamentação do AUJ n.º 13/96, onde se alude ao princípio do contraditório como instrumento destinado a evitar as decisões-surpresa, e ainda RC 12-9-17, 444/16).»
 
Debruçando-nos agora sobre a nossa jurisprudência emanada dos tribunais das relações e do Supremo Tribunal de Justiça:  

- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 4/11/2008, Processo n.º 0826336, relator: Mário Serrano, publicado em ECLI:PT:TRP:2008:0826336.D8, com o seguinte Sumário:
«Havendo fundamento (substantivo e processual) para indeferimento liminar, o respetivo despacho liminar negativo deve ser proferido (sem necessidade de prévia audição da parte destinatária dessa decisão negativa), tendo a parte a faculdade de apresentar nova petição, nas condições e com as vantagens previstas no art.º 476.º do CPC — e sem prejuízo da possibilidade de recurso (art.º 234.º-A, n.º 2).»
 
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27/9/2017, Processo n.º 10. 847/15.8T8LSB-D.L1-4, relator: Leopoldo Mansinho Soares, publicado em ECLI:PT:TRL:2017:10.847.15.8T8LSB.D.L1.48, com o seguinte Sumário:
«Em situação de indeferimento liminar parcial da petição inicial, formulada ao abrigo do artigo 54.º n.º 1 do CPT, por questão de conhecimento oficioso, o princípio do contraditório não obriga a que o Autor seja previamente ouvido sobre esse indeferimento.»
 
- Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 27/2/2018, Processo n.º 5500/17.0T8CBR.C1, relator: Jorge Arcanjo, publicado em ECLI:PT:TRC:2018:5500.17.0T8CBR.C1.DD, com o seguinte Sumário:
«No caso de indeferimento liminar da petição inicial, o princípio do contraditório não impõe a audição prévia do autor sobre o motivo do indeferimento (despacho preliminar), além do mais porque a lei prevê o contraditório diferido, dada ampla admissibilidade legal de recurso, independentemente do valor e da sucumbência, e em situação de igualdade das partes.»
 
- Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 28/6/2018, Processo n.º 2621/17.3T8ENT.E1, relator: Vítor Sequinho, publicado em ECLI:PT:TRE:2018:2621.17.3T8ENT.E1.14, com o seguinte Sumário:
«Não tem cabimento a prolação de um despacho prévio ao despacho de indeferimento liminar, nomeadamente com vista a conceder, ao autor ou ao exequente, a possibilidade de se pronunciar acerca de uma questão, a indicar nesse despacho prévio, como podendo vir a constituir fundamento de um projetado indeferimento liminar.» [cf., precisamente no mesmo sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 11/4/2019, Processo n.º 1501/17.7T8SLV.E1, relator: Rui Machado e Moura, publicado em ECLI:PT:TRE:2019:1501.17.7T8SLV.E1.21, com Sumário igual ao transcrito].

- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto [tirado por maioria com um Voto de Vencido] de 8/3/2019, Processo n.º 14727/17.4T8PRT-A.P1, relator: Carlos Portela, publicado em ECLI:PT:TRP:2019:14727.17.4T8PRT.A.P1.14, com o seguinte Sumário: 
«I - No caso de indeferimento liminar da petição inicial, o princípio do contraditório previsto no art.º 3.º do CPC, não impõe a audição prévia do autor sobre o motivo do indeferimento (despacho preliminar).
II - A decisão-surpresa prevista no n.º 3 do mesmo artigo ocorre se o juiz de forma absolutamente inopinada e apartado de qualquer aportamento factual ou jurídico envereda por uma solução que os sujeitos processuais não quiseram submeter ao seu juízo.
III - No caso dos autos, não pode de todo considerar-se que estamos em presença de uma questão jurídica inesperada ou surpreendente no apontado sentido, porquanto a questão da incompetência material dos tribunais judiciais, para além de conhecimento oficioso do tribunal, tem sido objeto de inúmeras decisões dos tribunais superiores.»
 
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 4/2/2020, Processo n.º 959/13.8TBALQ-A.L1­7, relator: José Capacete, publicado em ECLI: PT:TRL:2020:959.13.8TBALQ.A.L1.7.6A, com o seguinte Sumário: 
«1. A prolação de despacho de indeferimento liminar do requerimento inicial no âmbito de um incidente de habilitação do cessionário não representa violação dos art.ºs 3.º, n.º 3 e 356.º do C.P.C., pois da al. a) do n.º 1 deste artigo não pode inferir-se que o juiz tem necessariamente de ordenar a notificação dos requeridos, antes tendo plena aplicação a regra geral do art.º 590.º, n.º 1, o que significa que havendo motivo para indeferimento in limine, o juiz, em vez de mandar notificar os outros interessados, deve proferir despacho em conformidade com este dispositivo legal.
2. O n.º 3 do art.º 3.º do C.P.C., consagra o chamado contraditório dinâmico, garantindo a participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, facultando-lhes a possibilidade de influírem em todos os elementos processuais (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objeto da causa e que apareçam como potencialmente relevantes para a decisão, pois o escopo principal do princípio do contraditório deixou de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à atuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo do direito à incidência ativa no desenvolvimento e no êxito do processo.
3. A decisão-surpresa de que trata aquele dispositivo, é uma decisão que transporta consigo uma solução jurídica que a parte interessada não podia prever, que não tinha obrigação de prever, ocorrendo uma decisão dessa natureza quando lhe é inexigível que a tivesse perspetivado como possível no processo.
4. Não assume tal natureza um despacho de indeferimento liminar da petição ou requerimento inicial, subespécie no contexto da rejeição liminar da lide, nas situações taxativamente previstas no art.º 590.º, n.º 1, entre elas, a manifesta improcedência do pedido, não sendo, portanto, exigível ao juiz ouça previamente o autor ou o requerente.
5. Até porque uma situação de indeferimento liminar da petição ou requerimento inicial por manifesta improcedência do pedido acarreta a imediata inutilidade da prática de qualquer posterior ato de instrução ou de discussão, pelo que a audição prévia do autor ou requerente constituiria a prática de um ato inútil, logo proibido por lei, além de que, em tal situação, a lei permite ao autor ou requerente a apresentação de novo articulado no prazo de 10 dias.
6. Num incidente de habilitação de cessionário em que a cessão de créditos, necessariamente objeto de documentação, ocorreu fora do processo, deve o título de cessão, documento essencial à prova de um pressuposto da situação jurídica que se pretende fazer valer, ser junto com o requerimento inicial.
7. Tal incidente não deve prosseguir termos no caso de o juiz considerar que a cessão não se encontra devidamente documentada, situação que, no entanto, não lhe pode dar azo, sem mais, à drástica decisão de indeferimento liminar do requerimento inicial e consequente rejeição do incidente por manifesta improcedência do pedido, antes lhe sendo imposta prolação de despacho pré-saneador a convidar o requerente a juntar tal documento, em prazo que tiver como razoável para o efeito.
8. É que um despacho de indeferimento liminar da petição ou do requerimento inicial, por manifesta improcedência do pedido, só pode ser proferido se não houver interpretação possível ou desenvolvimento possível da factualidade articulada que viabilize ou possa viabilizar o pedido, ou seja, se a evidência da improcedência tiver um caráter absoluto e objetivo, para poder sê-lo, se nenhuma outra construção jurídica for possível, além da expressa no despacho de indeferimento liminar.»
 
-- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/10/2021, Processo n.º 32/14.1T8PVL-A.G1.S1, relator: João Cura Mariano, publicado em ECLI:PT:STJ:2021:32.14.1T8PVL.A.G1.S1.19, com o seguinte Sumário parcial: 
«I - O que distingue, uma decisão de indeferimento liminar de uma decisão que após, assegurado o contraditório da parte contrária, conhece do mérito do pedido deduzido, é o facto de na primeira a decisão ser tomada sem audição da parte contrária e a segunda ser tomada após ambas as partes terem tido oportunidade para se pronunciar sobre o mérito da pretensão formulada pelo demandante.»

Se procedermos ao contraditório entre as anotações doutrinárias acima reproduzidas e os Sumários dos diversos Arestos dos nossos tribunais superiores, constata-se que naquelas nada se refere de específico quanto ao despacho de indeferimento liminar mas que, ainda assim, é possível concluir que para tais autores, mesmo em cenários de proferição de tais despachos liminares, pode ser necessário ouvir, relativamente a questões que saem totalmente fora dos limites materiais da Petição Inicial ou que caem, em absoluto, fora das temáticas que são habituais ou minimamente expectáveis, já as decisões judiciais elencadas, pelos diversos fundamentos que ali se mostram desenvolvidos, entendem, uniformemente, que não há lugar à audiência prévia do autor ou requerente da ação ou procedimento em momento prévio ao despacho de indeferimento liminar [---].

Tomando posição em tal controvérsia, admitimos que, excecionalmente, se possa justificar o exercício prévio do princípio do contraditório, nos moldes previstos no número 3 do artigo 3.º do CPC/2013, quando da proferição de despachos judiciais de indeferimento liminar, quando os motivos ou problemáticas que justificam os mesmos não resultem dos elementos constantes do articulado inicial e dos documentos que o complementam ou quando, sendo de conhecimento oficioso, sejam inesperadas, imprevisíveis, «surpreendentes» para a parte demandante.    
       
D – SITUAÇÃO VIVIDA NOS AUTOS

Imporia tal disposição legal, como defende o recorrente, a sua prévia notificação para se pronunciar sobre o «projeto» de despacho de indeferimento liminar, conforme veio a ser prolatado pelo tribunal recorrido, a fim de evitar que o Autor fosse surpreendido com tal decisão judicial?

Pensamos que não, face ao que já acima deixámos exposto quanto ao regime dos artigos 54.º do CPT e 590.º do NCPC, que, clara e expressamente, preveem a possibilidade de qualquer Petição Inicial, desde que reúna para tal efeito os requisitos legais acima elencados, poder vir a ser objeto de um despacho de indeferimento liminar, sendo certo que o despacho recorrido que se acha elaborado nos autos radica na matéria de facto e de direito que se mostra alegada na Petição Inicial apresentada pelo trabalhador e nos documentos que os complementam, ou seja, é forjado sobre um cenário adjetivo e substantivo que era e é conhecido do recorrente e que, nessa medida, não pode ferir as expetativas legítimas e expetáveis de um qualquer demandante colocado na posição do aqui Autor.

Logo, entendemos não ter havido por parte do Juízo do trabalho de Almada, com a proferição do despacho de indeferimento liminar que aqui se acha em apreciação, qualquer violação do princípio do contraditório, por o mesmo não poder ser configurado juridicamente como uma «decisão surpresa»."

*3. [Comentário] Adere-se à posição que a RP assumiu quanto à dispensa do contraditório prévio para o proferimento do despacho de indeferimento liminar.

Não deixa, em todo o caso, de se estranhar que se admita que "excecionalmente, se possa justificar o exercício prévio do princípio do contraditório" quanto a despachos de indeferimento liminar "quando os motivos ou problemáticas que justificam os mesmos não resultem dos elementos constantes do articulado inicial e dos documentos que o complementam ou quando, sendo de conhecimento oficioso, sejam inesperadas, imprevisíveis, «surpreendentes» para a parte demandante". Salvo o devido respeito, esta afirmação é contraditória com o fundamento do despacho liminar, dado que este só pode ser proferido em função dos elementos que constam da petição inicial ou do requerimento da parte. Tudo o mais já não pode ser considerado um despacho de indeferimento liminar, ou melhor, terá de ser objecto de um despacho não liminar.

MTS