"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



13/09/2023

Jurisprudência 2023 (8)


Processo executivo; reclamação de créditos;
impugnação de créditos


1. O sumário de RL 12/1/2023 (3141/07.0TBLLE-Z.L1-2) é o seguinte:

I) Deduzido que seja o requerimento executivo, o executado pode opor-se à execução (cfr. artigo 728.º e ss. do CPC) e à penhora (cfr. artigo 784.º e ss. do mesmo Código).

II) A oposição à execução constitui o meio processual pelo qual o executado exerce o seu direito de defesa perante a pretensão do exequente.

III) Com as condicionantes decorrentes da espécie de título executivo em questão, o executado pode opor à execução factos ou razões de direito que conduzam à inexistência, modificação ou extinção da obrigação exequenda, à falta de um qualquer pressuposto processual geral ou à falta de um qualquer pressuposto processual específico da ação executiva.

IV) As questões que poderiam e deveriam ter determinado o indeferimento liminar total ou parcial, assim como aquelas, de menor gravidade, careceriam de regularização suscitada através de despacho de aperfeiçoamento são objeto de intervenção atípica, a qual pode ocorrer até à venda, adjudicação, entrega de dinheiro ou consignação de rendimentos, nos termos do artigo 734.º, n.º 1, do CPC.

V) E, assim, se se tratar de questão que é de oficiosa apreciação, em linha com o que se dispõe no artigo 734.º, n.º 1, do CPC, a prolação de tal decisão de indeferimento não preclude a possibilidade de, não o tendo feito em sede de despacho liminar, o Tribunal conhecer dessa questão até ao momento da transmissão dos bens penhorados.

VI) Tal sucede com a manifesta falta ou insuficiência do título.

VI) E, também nada impede que o recorrente, apenas em sede de recurso, venha invocar questões que poderiam ter dado aso à prolação de despacho liminar de indeferimento do requerimento executivo, posto que o seu conhecimento seja oficioso.

VII) Contudo, reunindo-se a apreciação das reclamações de créditos, “num único apenso ao processo de execução” (cfr. artigo 788.º, n.º 8, do CPC) e tendo a impugnação dos créditos reclamados “por fundamento qualquer das causas que extinguem ou modificam a obrigação ou que impedem a sua existência” (cfr. artigo 789.º, n.º 4, do CPC), o meio próprio para colocar em crise os créditos reclamados é a impugnação dos créditos nesse apenso, onde as questões atinentes aos créditos reclamados devem ser resolvidas, não fazendo sentido admitir que, para além desse meio de defesa – a dedução de impugnação – pudesse ainda ser deduzido um outro, com a feição de “embargos” (face ao crédito reclamado pelo credor).

VIII) Os embargos de executado não se dirigem a colocar em crise o crédito reclamado pelo credor reclamante, cujo meio próprio é a impugnação dos créditos, prevista no artigo 789.º do CPC, mas sim, a opor-se, com os fundamentos legalmente previstos, à pretensão do exequente.

2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"Deduzidos que foram pela executada novos embargos, no âmbito dos presentes autos, os mesmos foram liminarmente indeferidos, por extemporâneos, como assinalado na decisão recorrida.

Contudo, como se viu, a executada vem suscitar, em sede de recurso, desde logo, que inexiste título executivo.

Ora, muito embora se considere que essa questão é de oficioso conhecimento, certo é que, os autos não dão conta da existência da manifesta falta de título que determinaria a rejeição da execução.

Mas, para além disso, cumpre assinalar que os embargos de executado deduzidos nos presentes autos se pretendem dirigir relativamente à credora reclamante CRISTICARNES – IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÕES, LDA. e, não, conforme seria lógico, a abalar o requerimento executivo apresentado pelo exequente, em sede de execução.

Repare-se que, de facto, a posição de CRISTICARNES é a de credora reclamante, em que o “título” da demanda se funda na reclamação de créditos apresentada, relativamente à qual poderá ser deduzida impugnação, mas não, como é claro, oposição por embargos, que apenas têm sentido relativamente ao requerimento executivo e à posição que o exequente vem exercer a juízo.

Efetivamente, reunindo-se a apreciação das reclamações de créditos, “num único apenso ao processo de execução” (cfr. artigo 788.º, n.º 8, do CPC) e tendo a impugnação dos créditos reclamados “por fundamento qualquer das causas que extinguem ou modificam a obrigação ou que impedem a sua existência” (cfr. artigo 789.º, n.º 4, do CPC), o meio próprio para colocar em crise os créditos reclamados é a impugnação dos créditos nesse apenso, onde as questões atinentes aos créditos reclamados devem ser resolvidas, não fazendo sentido admitir que, para além desse meio de defesa – a dedução de impugnação – pudesse ainda ser deduzido um outro, com a feição de “embargos” (face ao crédito reclamado pelo credor).

Ou seja: Os embargos de executado não se dirigem a colocar em crise o crédito reclamado pelo credor reclamante, cujo meio próprio é a impugnação dos créditos, prevista no artigo 789.º do CPC, mas sim, a opor-se, com os fundamentos legalmente previstos, à pretensão do exequente (cfr. artigo 728.º, n.º 1, do CPC).

De todo o modo, certo é que, ainda que assim não se entendesse, sempre se afigura que as questões suscitadas pela executada – quer a atinente à invocada inexistência de “título”, quer à respeitante à invocada falta do pressuposto da citação a que se reporta o artigo 119.º do Código do Registo Predial –, no sentido de invocação de fundamentos para impugnação, não lograriam obter procedência.

De facto, não se alcança alguma “inexistência de título” relativamente ao crédito reclamado pela reclamante CRISTICARNES – IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÕES, LDA.: Com efeito, realizada a citação dos credores reclamantes, veio a referida CRISTICARNES – por requerimento apresentado no apenso C em 27-06-2017- deduzir reclamação de créditos sobre os executados, invocando o seguinte:

“1º A reclamante é credora reconhecida pelos EXECUTADOS conforme consta da respectiva lista de credores CONHECIDOS e referente ao processo …/… Inst Central 1ª secção Execução J1-Sintra
2º O crédito aqui reclamado é devido a fornecimento de carne para consumo humano, que OS EXECUTADOS NO EXERCICIO DA SUA ACTIVIDAE COMERCIAL compraram à credora no âmbito do seu negócio, e não foi pago
3º A Credora Cristicarnes Lda reclama o seu crédito no montante de 355.450,91€ pois até ao momento nada recebeu Efetivamente
4º A Cristicarnes Lda é credora dos executados pelo valor de 355450,91€
5º A credora reclama os seus créditos com base no título executivo da acima mencionada execução para pagamento de quantia certa
6º Mais declara que não existem garantias pessoais nem qualquer subordinação os efeitos especiais; nem foram fixados juros moratórios além dos que constam na mencionada divida exequenda.
7º Os créditos reclamados são créditos reconhecidos nos termos dos artigos786º e788º do CPC”.
 
Em 29-01-2018, naquele apenso C, a executada veio deduzir impugnação relativamente aos créditos reclamados, concluindo requerendo fosse declarada “a extinção da instância por pagamento e por deserção nos termos dos Artigos 287 e 291 do antigo C.P.C. na sua versão 40º e Artigos 277 c) e 281 nº5 do NCPC com o consequente não reconhecimento dos créditos reclamados nestes autos Ou caso assim não se entenda, Se digne ordenar a divisão/substituição dos imóveis comuns e o levantamento das penhoras dos reclamantes sobre o imóvel sito em Vilamoura que é casa de morada de família e domicilio profissional, por se verificar manifesta suficiência do valor do imóvel devoluto sito no Algueirão Mem-Martins penhorado no processo …/…, Juízo de Execução de Sintra – Juiz 1, onde as penhoras são mais antigas, Artigo 759 do NCPC”.

Ora, conforme se referiu na sentença de verificação e graduação de créditos, proferida em 23-10-2019, a impugnação deduzida veio a ser julgada improcedente, considerando-se que: “Da análise dos autos verifica-se que efectivamente foi celebrado um acordo de pagamento, que originou a extinção da execução, contudo, nos termos permitidos pelo disposto no artigo 850º, nº2, do CPC, vieram os credores reclamantes requerer o prosseguimento dos autos, o que é legal, pelo que, sem necessidade de maiores considerações, verificamos não assistir razão à requerida/executada, devendo os autos executivos prosseguir”.

Efetivamente, conforme decorre do artigo 850.º, n.º 2, do CPC, o credor reclamante, cujo crédito esteja vencido e tenha reclamado para ser pago pelo produto de bens penhorados que não chegaram, entretanto, a ser vendidos nem adjudicados, “pode requerer, no prazo de 10 dias contados da notificação da extinção da execução, a renovação desta para efetiva verificação, graduação e pagamento do seu crédito”, prosseguimento que, como se viu, teve lugar a impulso de um dos credores reclamantes.

E, de facto, a formulação de um tal requerimento no sentido do prosseguimento da execução “aproveita a todos os credores reclamantes que gozem de garantia real” (cfr., neste sentido, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa; Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Almedina, 2020, p. 274).

Assim, conclui-se que não existia motivo que obstasse ao prosseguimento da execução e, tendo sido já apreciada a impugnação deduzida sobre o crédito reclamado por CRISTICARNES, a questão ora invocada pela executada, atinente à inexistência de título executivo, se bem de oficioso conhecimento, já foi objeto de apreciação naquele apenso C, por decisão definitiva, transitada em julgado, impedindo, assim (sob pena de ofensa do caso julgado formal assim formado – cfr. artigo 620.º, n.º 1, do CPC), que possa, de novo, ser conhecida nestes autos.

E, por outra parte, também não se alcança nenhuma preterição da observância do disposto no artigo 119.º do Código do Registo Predial.

Na realidade, não se verificam os pressupostos para a atuação dos comandos constantes deste preceito legal: Atenta a circunstância de o registo da penhora, de que é sujeito ativo a reclamante, ter sido efetuado a título definitivo e, não, a título provisório e, atenta a evidência de o bem penhorado não se achar inscrito a favor de pessoa diversa dos executados, não havia motivo para que fossem observados os comandos normativos decorrentes do dito artigo 119.º do Código do Registo Predial.

Conforme se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 08-10-2007 (Pº 0754311, rel. PINTO FERREIRA), “a citação do titular inscrito no registo predial de bens cuja penhora foi ordenada só deve fazer-se se esse titular não for o executado e deve efectuar-se na pessoa daquele que à data for efectivamente o actual titular inscrito, pois apenas a esse pode ser exigido que preste as informações necessárias à averiguação da titularidade do bem penhorado”.

[MTS]