Protecção do consumidor;
prescrição extintiva; procedimento de injunção
- O art.º 10 da Lei 23/96, de 23/7, consagrou uma prescrição extintiva ou liberatória, e não meramente presuntiva.
- O prazo prescricional de 6 meses abrange não só a obrigação principal como os juros de mora.
- A injunção visa a cobrança de prestações pecuniárias emergentes de contratos e não já obrigações indemnizatórias decorrentes de incumprimento do contrato e/ou resultantes de responsabilidade civil.
2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
"Sustenta a apelante a inexistência de prescrição das facturas juntas, excepção feita à do doc. nº 8 (factura nº A622765466, conta contrato 1355541975, no valor de €35,14, datada de 19/5/16), ex vi das Leis 23/96 de 26/7 (art.º 10) e 1-A/2020, de 19/3 (Sarcov-2)
A finalidade da Lei 23/96 de 26/7 (alterada pelas Leis 12/2008 de 26/2, 6/2011 de 10/3 e 44/2011, de 22/6 e 10/2018 de 28/1), é a de proteger o utente ou utilizador de qualquer dos bens ou serviços públicos nela enumerados – a água, a electricidade, o gás ou o telefone. [...]
O art.º 1 da Lei 23/96 estipula que: “A presente lei consagra regras a que deve obedecer a prestação de serviços públicos essenciais em ordem à protecção do utente.
O art.º 1º da Lei 23/96 de 26/7 estipula que: “A presente lei consagra regras a que deve obedecer a prestação de serviços públicos essenciais em ordem à protecção do utente”.
E a alínea d) determina que o serviço de telefone é um dos serviços públicos abrangidos. [...]
Está o crédito da requerente prescrito?
O art.º 10 da Lei cit. determina que:” O direito de exigir o pagamento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de 6 meses após a sua prestação”.
A prescrição pode ser presuntiva ou extintiva.
O instituto da prescrição extintiva visa o fim social de eliminar o estado de incerteza nascido da falta de exercício de um direito por um período de tempo definido pela lei, penalizando a inacção do titular do direito.
Por isso, volvido o prazo indicado na lei, que varia consoante os casos e, invocada a prescrição pelo beneficiário, tem este a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor ao exercício do direito prescrito – art.ºs 303 e 304 CC.
A prescrição presuntiva, ao invés, consiste numa mera presunção de pagamento, que pode ser ilidida pela confissão do devedor, e destina-se a proteger o devedor contra o risco de satisfazer duas vezes dívidas de que não é costume guardar a quitação durante muito tempo – art.ºs 312 a 314 CC.
Antes da publicação da Lei 23/96 de 26/7, as dívidas relativas à prestação do serviço telefónico prescreviam no prazo de 5 anos – art.º 310 g) CC – inexistindo qualquer dúvida de que se estava perante um prazo de prescrição extintiva.
Como refere Calvão da Silva “a nova lei não pretende estabelecer uma presunção de pagamento, mas determinar que a obrigação civil se extingue …A prescrição propriamente dita é só uma - a extintiva ou liberatória. E ela, a prescrição extintiva, é que constitui a regra, por razões de interesse e ordem pública como a certeza do direito e a segurança do comércio jurídico. Já a chamada prescrição presuntiva não passa de excepção, sujeita ao regime especial do art.º 312 e segs. CC” – in RLJ, ano 132-152.
Não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, sendo certo que o intérprete presumirá que o legislador consagrou as decisões mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados – art.º 9 nº 2 e 3 CC.
Assim e em conclusão, atenta finalidade e o texto da Lei 23/96, de 23/7, o art.º 10 consagrou uma prescrição extintiva ou liberatória, e não meramente presuntiva – cfr. Ac STJ de 9/11/96, 6/7/2006 e 18/5/2004 in www.dgsi.pt, e Ac RE proc. nº 2821/01.
Desde quando se inicia a contagem do prazo de prescrição?
Três entendimentos têm sido sustentados quanto a esta matéria:
Um deles, defendido por Calvão da Silva – RLJ 132º, 138 sgs – 156 v –, sustenta que o prazo de prescrição de 6 meses inicia-se a partir da prestação dos serviços.
Tratando-se de serviços reiterados e periódicos, o prazo de 6 meses conta-se a partir de cada um dos serviços prestados, ou seja, desde a prestação mensal do serviço, data da exigibilidade da obrigação e da possibilidade de exercício do direito, e tal assim tanto quanto à apresentação da factura, como no que se refere à invocação do direito em juízo.
Outros defendem que o prazo de 6 meses é o prazo para a apresentação da factura; com a apresentação da factura o prazo prescricional interrompe-se; consideram também ser de 6 meses o prazo consentido entre a apresentação da factura e a instauração da acção, sob pena de extinção do direito de pagamento.
Esta posição não se coaduna com o art.º 323 CC que exige um acto de natureza jurisdicional para a interrupção da prescrição; a apresentação da factura funciona como interpelação para pagamento – art.º 805 CC – constituindo o devedor em mora, não acarreta a interrupção do prazo prescricional.
Menezes Cordeiro restringe a aplicação do prazo de 6 meses à apresentação da factura, acolhendo a partir daí o prazo geral de prescrição de 5 anos – art.º 310 g) CC – até ser intentada a acção.
A Lei 23/96 visa a defesa do consumidor – atalhar, numa sociedade de consumo, um endividamento excessivo, prevenir uma acumulação de dívidas que o utente deve pagar periodicamente, mas terá dificuldade em fazê-lo se for excessivamente protelada a exigência do seu pagamento -, por isso estabeleceram um prazo novo, especial, mais curto do que o estabelecido no art.º 310 g) CC.
As empresas que prestam estes serviços são empresas que têm ao seu serviço uma tecnologia muito desenvolvida, não sendo de prever ou admitir que se atrasem ou demorem no envio das facturas dos serviços prestados. [...]
Uma vez que os serviços são prestados continuadamente, sendo facturados mensalmente, o início do decurso do prazo ocorre logo que termine cada período sujeito a facturação autónoma.
Aí se impõe não só um ónus, mas também um dever correlativo ao direito conferido para protecção dos consumidores.
O atraso ou eventual negligência no cumprimento desse dever não podem acarretar a dilatação desse prazo de prescrição, que se pretendeu ser muito curto, tendo em vista a protecção dos direitos dos consumidores.
As empresas de telecomunicações são dotadas de tecnologia avançada e de sistemas informáticos desenvolvidos o que lhes permite uma grande eficiência nos seus serviços pelo que, podem intentar uma acção contra o consumidor relapso, num curto espaço de tempo – Ac. STJ 6/7/2006, já cit.
A Lei 1-A/2020 de 19/3 estabeleceu medidas excepcionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo Sars – Cov 2 e da doença Covis 19.
No âmbito desse regime excepcional foi tido em conta o modo em que deveriam ter lugar as audiências de julgamento e outras diligências necessárias – cfr. art.º 6-E.
No nº 7 do art.º cit. estabeleceu-se a suspensão do prazo de apresentação do devedor à insolvência (a), os actos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência relacionados com a concretização de entrega judicial de casa de morada de família (b), os actos de execução e entrega do local arrendado no âmbito de acções de despejo…(c), os prazos de prescrição e de caducidade relativos aos processos e procedimentos referidos nas alíneas anteriores (d) e os prazos de prescrição e de caducidade relativos aos processos cujas diligências não possam ser realizadas nos termos dos nºs 2, 4 ou 8 (e).
Ora, tendo em conta o preceituado na lei e o constante dos autos, afastada está a sua aplicação in casu - não estamos em sede de processo de insolvência, nem de entrega do local arrendado, nem em sede de diligências que se prendam com a realização de audiências em tribunal e/ou presença física das partes. [...]
Nas obrigações pecuniárias são devidos juros desde a constituição em mora – art.º 806 CC.
Os juros reconduzem-se a uma cláusula acessória do núcleo essencial do contrato que consiste na prestação de um serviço tendo como contrapartida o pagamento de um preço.
Assim sendo, o prazo de prescrição para a obrigação principal não pode deixar de abranger os juros (obrigação acessória), sob pena de termos um prazo prescricional de 6 meses para a obrigação principal e um prazo de 5 anos (art.º 310 d) CC) para o pagamento de juros que só se justificam em face daquela, em completo desacerto e à revelia do preconizado no art.º 9/3 CC (o intérprete deve presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas).
Na verdade, consistindo a obrigação principal na prestação de serviço e contrapartida o pagamento do preço, apenas a violação desta obrigação pode constituir o requerido/réu em mora e na obrigação de indemnizar – o pagamento dos juros pressupõe e depende da verificação de uma causa necessária e adequada à constituição dessa obrigação.
Assim sendo, não se vislumbra como se poderá autonomizar a obrigação do pagamento de juros (acessória) da obrigação principal (pagamento do preço/réu), sendo-lhe extensível o regime preconizado para a obrigação principal, nela se incluindo o prazo de prescricional que, in casu (Lei 23/96 de 10/7) é de 6 meses.
Não se compreende que o legislador tenha criado e previsto um regime especial destinado a proteger o utente dos serviços públicos essenciais e que essa protecção não abranja/estenda aos juros.
Apesar do art.º 561 CC prever a autonomização dos juros, certo é que tal autonomização ocorre em casos especiais nomeadamente no da cedência do crédito a terceiros - cfr. Ac. RL de 7/4/22, relatora Vera Antunes, in www.dgsi.pt."
[MTS]