"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



06/06/2025

Jurisprudência 2024 (183)


Procedimentos cautelares;
inversão do contencioso


1. O sumário de RC 8/10/2024 (1674/24.2T8LRA.C1) é o seguinte:

O deferimento da inversão do contencioso deve constar da própria decisão que decreta a providência cautelar, tendo de ocorrer em simultâneo com esta.


2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir é a de saber se a decisão que aprecia o pedido de inversão do contencioso, tem de ocorrer em simultâneo com a decisão que julga o procedimento cautelar, ainda que o seja sem contraditório prévio.

A matéria de facto a ter em consideração é a que consta do relatório que antecede.

Se a decisão que aprecia o pedido de inversão do contencioso, tem de ocorrer em simultâneo com a decisão que julga o procedimento cautelar, ainda que o seja sem contraditório prévio.

Como resulta do relatório que antecede, insurge-se o recorrente contra o facto de em decisão autónoma, a M.ma Juiz a quo, ter declarado que por virtude da não oposição do requerido, se decretou a inversão do contencioso.

Assenta a sua discordância em dois pressupostos:

- não ter sido notificado, em momento algum da decisão que apreciou/decretou a inversão do contencioso e;

- porque tal pedido tem de ser conhecido/decidido na decisão que decrete a providência.

Efectivamente, o recorrente nunca foi notificado da decisão que decretou a inversão do contencioso, pela singela razão que as notificações que lhe foram feitas, ocorreram antes da decisão que o decretou (em 15 de Julho de 2024), sendo que a decisão que decretou a restituição provisória de posse (datada de 23 de Maio de 2024) é omissa quanto à questão da inversão do contencioso; isto é, não a conheceu/decidiu, apenas tendo ordenado a notificação do requerido, nos termos e para os efeitos do artigo 369.º, n.º 2, 2.ª parte, do CPC, de acordo com o qual, tratando-se, como no caso, de procedimento sem contraditório prévio, pode o requerido opor-se à inversão do contencioso conjuntamente com a impugnação da providência decretada.

Ora, compulsando as notificações remetidas ao recorrente, verifica-se que das mesmas, efectivamente, não consta que tivesse sido (como não foi) decidida a questão da inversão do contencioso.

Pelo que ao decretar, em 15 de Julho de 2024, a inversão do contencioso, com base na inacção do requerido, se cometeu uma nulidade que influencia a decisão de tal questão, o que acarreta a nulidade de tal decisão, cf. artigo 195.º, n.os 1 e 2, do CPC, pelo que, desde logo, não poderia subsistir a decisão recorrida.

A qual, não poderia, igualmente, subsistir por uma outra ordem de razões.

Efectivamente, cf. artigo 369.º, n.º 1, do CPC, mediante requerimento da parte interessada, o juiz, na decisão que decrete a providência (sublinhado nosso) pode dispensar o requerente do ónus de propositura da acção principal.

Daqui resulta, assim, cf. Código GPS, Vol. I, 2.ª Edição, Almedina, a pág.s 451/2, que o deferimento da inversão do contencioso deve constar da própria decisão que decreta a providência. Ali se referindo:

“A pronúncia sobre a inversão do contencioso tem de ocorrer em simultâneo com a decisão que julgue o procedimento cautelar, mesmo nos casos em que não haja contraditório prévio, conforme resulta expressamente da lei …”.

O que mais se acentua atento o disposto no artigo 370.º, n.º 1, do CPC, ao determinar que a decisão que decrete a inversão do contencioso só é recorrível em conjunto com o recurso da decisão sobre a providência requerida, bem como a possibilidade que é conferida no n.º 2, do artigo 372.º, do CPC, ao requerido, quanto à impugnação da decisão de inversão do contencioso.

Transitada a decisão que decretou a providência, sem que nela se tenha apreciado e decretado a inversão do contencioso, estava esgotado o poder jurisdicional do juiz que a proferiu, cf. artigo 613.º, CPC, nomeadamente, estava-lhe vedada a possibilidade de apreciar, posteriormente, o pedido de inversão do contencioso, pelo que não pode subsistir a decisão recorrida.

A nível jurisprudencial, neste sentido, podem ver-se os Acórdãos da Relação de Guimarães, de 14 de Abril de 2016, Processo n.º 436/15.2T8EPS-A.G1 e de 25 de Outubro de 2018, Processo n.º 3554/18.1T8BRG.G1 e da Relação do Porto, de 07 de Março de 2024, Processo n.º 13518/23.8T8PRT.P1, disponíveis no respectivo sítio do Itij.

Por ser questão que extravasa o âmbito da decisão recorrida e, por isso, questão nova, de que não nos incumbe apreciar, pois que os recursos se destinam apenas a reapreciar concretas questões de direito e/ou de facto já apreciadas na decisão recorrida, não se conhece do pedido de caducidade da providência decretada.

Pelo que, não pode subsistir a decisão recorrida e, consequentemente, procede o recurso."

[MTS]