"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



24/06/2025

Jurisprudência 2024 (194)


Interposição de recurso;
ónus de formular conclusões*


1. O sumário de RL 24/10/2024 (5502/24.0T8LRS.L1-2) é o seguinte:

Se o recorrente não indica, nas próprias conclusões do recurso, um único fundamento concreto por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida, limitando-se a dizer que a decisão está errada ou a utilizar uma ou mais variantes de tal tipo de acusação, não há fundamentos que tenham que ser conhecidos. E como a decisão da matéria de facto não foi alterada, o recurso é manifestamente improcedente.

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"Do art. 639/1 do CPC consta o ónus de formular conclusões, sendo estas a indicação, de forma sintética, dos fundamentos por que se pede a alteração ou anulação da decisão.

Daqui decorrendo, entre o mais, que é irrelevante que esses fundamentos constem eventualmente do corpo das alegações se nas conclusões não consta qualquer referência a eles.

As conclusões têm de conter todo um raciocínio lógico-jurídico a contrariar as razões adoptadas na sentença ou acórdão posto em crise, como diz, por exemplo do acórdão do STJ de 19/02/2008, proc. 08A194, lembrado por João Aveiro Pereira no seu estudo sobre O ónus de concluir nas alegações de recurso em processo civil.

No mesmo sentido, o Prof. Alberto dos Reis (CPC anotado, vol. 5º reimpressão, Coimbra Editora, 1981, pág. 360) lembra o ac. do STJ de 10/12/1943 que decidiu que “não satisfaz ao disposto no art. 690 [agora 639/1 do CPC] a alegação do recorrente que, a título de conclusão, se limita a solicitar a absolvição do pedido e a revogação da sentença apelada, pois o artigo exige que nas conclusões se indiquem resumidamente os fundamentos por que se pede a alteração ou anulação da sentença ou despacho.” E comenta: “A doutrina do acórdão é perfeitamente exacta.”

Não basta, pois, nunca, dizer-se que uma decisão está errada ou utilizar-se uma ou mais variantes de tal tipo de acusação. Tem de se argumentar, apontando pelo menos um fundamento para pedir a alteração ou anulação da decisão.

Dizer-se que a providência “foi decretada de premissas erradas” – 1.ª conclusão – ou que “foi mal proferida e sem prova” – 6.ª conclusão – é dizer simplesmente que a decisão está errada, pelo que não é uma conclusão que possa valer para os efeitos do art. 639/1 do CPC.

Dizer-se que o “bem foi comprado por 125.000€ e não por 155.000€” – 2.ª conclusão – não é articular um fundamento para pedir a alteração ou anulação da decisão.

Por fim, dizer que “o recorrente não vislumbra onde se encontra o justo receio” – 5.ª conclusão – também não é arrazoar um fundamento para pedir a alteração ou anulação da decisão. Já seria diferente se o requerido tivesse dito que na fundamentação da decisão não se encontrava a afirmação do justo receio. Mas não foi isso que o requerido disse. De qualquer modo, diga-se que na fundamentação da decisão recorrida se encontra, como tinha de ser, a tentativa de demonstração do justo receio como requisito necessário para se decretar o arresto.

Como o requerido não aduz, nas conclusões do recurso, um único fundamento de ataque da decisão recorrida, porque não diz, minimamente que seja, por que é que a decisão recorrida devia ser outra ou por que é que está errada ou porque é que ela deve ser anulada, não há fundamentos que tenham que ser conhecidos.

O tribunal de recurso não pode substituir-se ao recorrente e averiguar, por si, se, e nesse caso porquê, a decisão recorrida está errada.

E como a decisão da matéria de facto não foi alterada, o recurso é manifestamente improcedente."

*3. [Comentário] Atendendo ao disposto no art. 639.º, n.º 2, CPC talvez se pudesse questionar se o recurso contém mesmo conclusões. Dando-se uma resposta negativa à questão, o problema seria então de inadmissibilidade do recurso.

MTS