"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



11/05/2015

Jurisprudência (132)


Sentença homologatória; excepção de caso julgado;
excepção de preclusão


1. O sumário de RG 26/3/2015 (2454/14.9TBBRG.G1) é o seguinte:

I - Não faz sentido falar-se de caso julgado ou autoridade de caso julgado se na transacção e respectiva sentença de homologação o tribunal não chegou a proferir decisão sobre qualquer controvérsia substancial.
 
II - A excepção de caso julgado pressupõe que, tendo uma causa sido decidida por sentença com trânsito em julgado, posteriormente se propõe a mesma causa.
 
III – No caso de transacção homologada por sentença, a função dessa sentença não é decidir a controvérsia substancial, é unicamente fiscalizar a regularidade e validade do acordo. De maneira que a verdadeira fonte da solução do litígio é o acto de vontade das partes e não a sentença do juiz. 

IV - Desde que o conflito em si não foi decidido por sentença, não tem cabimento a excepção de caso julgado.

2. Suponha-se que, após a homologação de uma transacção (cf. art. 290.º, n.º 3, CPC), é proposta por uma das partes desse negócio uma nova acção. São possíveis duas situações:

-- Na acção posterior, a parte pede o mesmo que consta da transacção e da sentença homologatória;

-- Na acção posterior, a parte pede algo que já tinha sido pedido na acção na qual foi celebrada a transacção, mas sobre o qual nada foi estipulado naquele negócio.

No primeiro caso, é claro que, na segunda acção, opera a excepção de caso julgado (cf. art. 580.º e 581.º CPC). É indubitável que a sentença homologatória de uma transacção adquire valor de caso julgado material e fundamenta a excepção de caso julgado. De acordo com o disposto no art. 290.º, n.º 3, CPC, o tribunal deve verificar se a transacção celebrada entre as partes é válida e, em caso afirmativo, deve condenar ou absolver nos precisos termos do negócio concluído entre as partes. Isto significa que a sentença homologatória da transacção é também uma sentença condenatória e absolutória.

Esta sentença homologatória é recorrível por qualquer das partes, nomeadamente se não corresponder ao sentido da transacção concluída entre elas. Sendo assim, não pode deixar de se entender que aquela sentença -- como qualquer outra sentença -- transita em julgado quando deixar de ser impugnável (cf. art. 628.º CPC). Aliás, a entender-se que, apesar de transitada, a sentença homologatória não adquiriria valor de caso julgado, isso implicaria que o que nela é decidido não beneficiaria nem do conhecimento oficioso da excepção de caso julgado (cf. art. 578.º CPC), nem da protecção que, quanto à recorribilidade, é concedido a esse caso julgado (cf. art. 629.º, n.º 2, al. a), CPC).

A formulação que consta do sumário do acórdão quanto à excepção de caso julgado -- que reflecte o afirmado na sua fundamentação -- é, assim, algo equívoca. É indiscutível que a sentença homologatória de uma transacção -- bem como, de uma desistência ou de uma confissão do pedido -- é susceptível de fundamentar a excepção de caso julgado.
 
3. A segunda das situações acima referidas -- aquela em que parte repete um pedido que foi formulado na primeira acção, mas que não foi objecto da transacção celebrada entre as partes nessa acção -- pode ser exemplificado com o caso sub iudice: foi proposta uma acção em que o autor pedia a resolução de um contrato de utilização de uma loja num centro comercial e a sua restituição com as benfeitorias que o réu nela realizara; as partes acabaram por celebrar uma transacção em que nada ficou estipulado sobre estas benfeitorias; o anterior réu instaurou uma providência cautelar destinada a obter do anterior autor o pagamento das benfeitorias que realizara na loja que entretanto lhe restituira. Pergunta-se se o réu ainda pode vir a pedir o pagamento destas benfeitorias.

Impõe-se certamente uma resposta negativa. A transacção destina-se a compor definitivamente um determinado litígio (cf. art. 1248.º, n.º 1, CC), pelo que, na falta de qualquer restrição constante da transacção, há que entender que a mesma compõe todo o litígio que existia entre as partes (aliás, se assim não suceder, a acção terá necessariamente de continuar para apreciação das questões não abrangidas pela transacção). Fica assim precludida qualquer acção -- e, naturalmente, qualquer procedimento cautelar -- com um objecto parcialmente coincidente com o do objecto da acção na qual foi celebrada a transacção (e cuja instância se extinguiu depois da transacção, precisamente porque este negócio pôs termo ao litígio existente entre as partes). 

É neste contexto que o acórdão, com apoio em  Alberto dos Reis (Comentário ao Código de Processo Civil III (1946), 499), entende que a sentença homologatória de uma transacção não é susceptível de fundamentar a excepção de caso julgado, mas antes a excepção de transacção. O que realmente se verifica é uma excepção (dilatória) de preclusão: após a celebração da transacção, fica precludido qualquer pedido que já tivesse sido formulado na acção em que foi celebrada a transacção, mesmo quando sobre ele nada conste nesta transacção.

MTS