"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



13/05/2015

Jurisprudência europeia (TJ) (45)


Reg. 44/2001; âmbito de aplicação; arbitragem; exclusão; reconhecimento e execução das sentenças arbitrais estrangeiras; injunção decretada por um tribunal arbitral situado num Estado‑Membro; injunção destinada a impedir a propositura ou a prossecução de uma acção num órgão jurisdicional de outro Estado‑Membro; poder dos órgãos jurisdicionais de um Estado‑Membro de recusarem o reconhecimento da sentença arbitral; Convenção de Nova Iorque


1. TJ 13/5/2015 (C‑536/13, Gazprom) decidiu o seguinte: 

O Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro reconheça e execute, ou recuse reconhecer e executar, uma sentença arbitral que proíbe uma parte de apresentar certos pedidos num órgão jurisdicional desse Estado‑Membro, na medida em que esse regulamento não rege o reconhecimento e a execução, num Estado‑Membro, de uma sentença arbitral proferida por um tribunal arbitral noutro Estado‑Membro.

2. Convém ter presente a fundamentação apresentada no acórdão -- que, aliás, recai sobre uma matéria importante e que, por isso mesmo, era esperado com alguma expectativa --, que é a seguinte:

27      Com as suas questões, que importa analisar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o Regulamento n.° 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro reconheça e execute, ou recuse reconhecer e executar, uma sentença arbitral que proíbe uma parte de apresentar certos pedidos num órgão jurisdicional desse Estado‑Membro.
28      Em primeiro lugar, cumpre precisar que, no seu artigo 1.°, n.° 2, alínea d), o referido regulamento exclui a arbitragem do seu âmbito de aplicação.
29     Para determinar se um litígio está abrangido pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.° 44/2001, só o objeto desse litígio deve ser tomado em consideração (acórdão Rich, C‑190/89, EU:C:1991:319, n.° 26).
30       Quanto ao objeto do processo principal, há que precisar que resulta da decisão de reenvio que o Lietuvos Aukščiausiasis Teismas é chamado a pronunciar‑se sobre um recurso interposto do despacho do Lietuvos apeliacinis teismas que recusa o reconhecimento e a execução da sentença arbitral, qualificada pelo órgão jurisdicional de reenvio de «anti‑suit injunction» (injunção de não litigância), pela qual um tribunal arbitral obrigou o ministerija a retirar ou a reduzir certos pedidos que tinha apresentado nos órgãos jurisdicionais lituanos. Paralelamente, o órgão jurisdicional de reenvio é igualmente chamado a pronunciar‑se sobre um recurso interposto de um despacho do mesmo Lietuvos apeliacinis teismas que confirmou a decisão do Vilniaus apygardos teismas de abrir uma investigação às atividades da Lietuvos dujos, que, em seu entender, é matéria civil na aceção do artigo 1.°, n.° 1, do Regulamento n.° 44/2001.
31      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, uma sentença arbitral que proíbe uma parte de apresentar certos pedidos num órgão jurisdicional nacional pode prejudicar o efeito útil do Regulamento n.° 44/2001, no sentido de que é suscetível de restringir o exercício, por parte desse órgão jurisdicional, do seu poder de se pronunciar sobre a sua própria competência para apreciar um litígio abrangido pelo âmbito de aplicação do referido regulamento.
32      A este respeito, cumpre recordar que, no seu acórdão Allianz e Generali Assicurazioni Generali (C‑185/07, EU:C:2009:69), o Tribunal de Justiça declarou que uma injunção, proferida por um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro, que proíbe uma parte de recorrer a um processo diferente da arbitragem e prosseguir o processo intentado num órgão jurisdicional de outro Estado‑Membro, competente por força do Regulamento n.° 44/2001, não é compatível com esse regulamento.
33       Com efeito, uma injunção proferida por um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro que obriga uma parte num processo de arbitragem a não prosseguir um processo num órgão jurisdicional de outro Estado‑Membro não respeita o princípio geral enunciado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça segundo o qual cada órgão jurisdicional chamado a decidir está habilitado, por força das disposições aplicáveis, a pronunciar‑se sobre a sua própria competência para decidir do litígio que lhe é submetido. A este respeito, cabe recordar que o Regulamento n.° 44/2001 não autoriza, com algumas exceções limitadas, a fiscalização da competência de um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro por um órgão jurisdicional de outro Estado‑Membro. Essa competência é determinada diretamente pelas regras fixadas pelo referido regulamento, entre as quais as respeitantes ao seu âmbito de aplicação. Um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro nunca se encontra, portanto, mais bem colocado para se pronunciar sobre a competência de um órgão jurisdicional de outro Estado‑Membro (v. acórdão Allianz e Generali Assicurazioni Generali, C‑185/07, EU:C:2009:69, n.° 29).
34      O Tribunal de Justiça considerou, designadamente, que um obstáculo, através de tal injunção, ao exercício, por um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro, dos poderes que lhe são atribuídos pelo mesmo regulamento vai abalar a confiança que os Estados‑Membros concedem reciprocamente aos seus sistemas jurídicos e às respetivas instituições judiciárias, e pode privar o demandante que considere que uma convenção de arbitragem é caduca, inexequível ou insuscetível de aplicação do acesso ao órgão jurisdicional estatal ao qual, não obstante, submeteu o litígio (v., neste sentido, acórdão Allianz e Generali Assicurazioni Generali, C‑185/07, EU:C:2009:69, n.os 30 e 31).
35        No presente processo, todavia, o órgão jurisdicional de reenvio não interroga o Tribunal de Justiça sobre a compatibilidade de tal injunção decretada por um tribunal de um Estado‑Membro com o Regulamento n.° 44/2001, mas sobre a compatibilidade com este regulamento do eventual reconhecimento e da eventual execução, por parte de um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro, de uma sentença arbitral que decreta uma injunção que obriga uma parte num processo de arbitragem a reduzir o alcance dos pedidos formulados no âmbito de um processo num órgão jurisdicional desse mesmo Estado‑Membro.
36       A este respeito, cumpre recordar, desde logo, que, como foi indicado no n.° 28 do presente acórdão, a arbitragem não está abrangida pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.° 44/2001, uma vez que regula apenas os conflitos de competências entre os órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros. Uma vez que os tribunais arbitrais não são órgãos jurisdicionais estatais, não existe, no litígio no processo principal, um conflito dessa natureza na aceção do referido regulamento.
37      Em seguida, no que diz respeito ao princípio da confiança mútua, que os Estados‑Membros concedem aos respetivos sistemas jurídicos e às respetivas instituições judiciárias, que se traduz pela harmonização das regras de competência dos órgãos jurisdicionais, com base no sistema estabelecido pelo Regulamento n.° 44/2001, há que salientar que, nas circunstâncias do processo principal, atendendo ao facto de a injunção ter sido decretada por um tribunal arbitral, não pode estar em causa uma violação do referido princípio em razão da ingerência de um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro na competência de um órgão jurisdicional de outro Estado‑Membro.
38         Do mesmo modo, nestas circunstâncias, a proibição, decretada por um tribunal arbitral, de uma parte apresentar certos pedidos num órgão jurisdicional de um Estado‑Membro não pode privar essa parte da proteção jurisdicional referida no n.° 34 do presente acórdão, na medida em que, no âmbito do processo de reconhecimento e de execução de tal sentença arbitral, por um lado, essa parte se pode opor a esse reconhecimento e a essa execução e, por outro, o órgão jurisdicional chamado a pronunciar‑se deve determinar, com base no direito processual nacional e no direito internacional aplicáveis, se essa sentença deve ser reconhecida ou executada.
39        Assim, nas referidas circunstâncias, nem a sentença arbitral nem a decisão pela qual, se for caso disso, o órgão jurisdicional de um Estado‑Membro a reconhece são suscetíveis de afetar a confiança mútua entre os órgãos jurisdicionais dos diferentes Estados‑Membros, na qual o Regulamento n.° 44/2001 assenta.
40        Por último, ao invés da injunção em causa no processo que deu origem ao acórdão Allianz e Generali Assicurazioni Generali (C‑185/07, EU:C:2009:69, n.° 20), o não respeito da sentença arbitral de 31 de julho de 2012 pelo ministerija, no âmbito do processo destinado à abertura de uma investigação às atividades de uma pessoa coletiva, não pode dar lugar à imposição de sanções contra esta por um órgão jurisdicional de outro Estado‑Membro. Daqui se conclui que os efeitos jurídicos de uma sentença arbitral como a que está em causa no processo principal se distinguem dos da injunção em causa no processo que deu origem a esse acórdão.
41        Por consequência, o processo de reconhecimento e de execução de uma sentença arbitral como a que está em causa no processo principal está abrangido pelo direito nacional e pelo direito internacional aplicáveis no Estado‑Membro no qual esse reconhecimento e essa execução são pedidos, incluindo o direito internacional aplicável, e não pelo Regulamento n.° 44/2001.
42        Assim, nas circunstâncias do processo principal, a eventual limitação do poder conferido a um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro, chamado a conhecer de um litígio paralelo, de se pronunciar sobre a sua própria competência poderia resultar unicamente do reconhecimento e da execução, por um órgão jurisdicional desse mesmo Estado‑Membro, de uma sentença arbitral, como a que está em causa no processo principal, nos termos do direito processual desse Estado‑Membro e, sendo caso disso, da Convenção de Nova Iorque, que regem essa matéria excluída do âmbito de aplicação do referido regulamento.
43       Uma vez que a Convenção de Nova Iorque rege um domínio excluído do âmbito de aplicação do Regulamento n.° 44/2001, também não tem por objeto uma «matéria especial», na aceção do artigo 71.°, n.° 1, desse regulamento. Com efeito, o artigo 71.° do referido regulamento rege apenas as relações entre esse mesmo regulamento e as convenções relativas a matérias especiais abrangidas pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.° 44/2001 (v., neste sentido, acórdão TNT Express Nederland, C‑533/08, EU:C:2010:243, n.os 48 e 51).
44       Resulta de todas as considerações precedentes que há que responder às questões submetidas que o Regulamento n.° 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro reconheça e execute, ou recuse reconhecer e executar, uma sentença arbitral que proíbe uma parte de apresentar certos pedidos num órgão jurisdicional desse Estado‑Membro, na medida em que esse regulamento não rege o reconhecimento e a execução, num Estado‑Membro, de uma sentença arbitral proferida por um tribunal arbitral noutro Estado‑Membro.

MTS