"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



03/06/2016

Jurisprudência (366)


Prova testemunhal; comparte; inabilidade para depor;
poderes inquisitórios do tribunal


I. O sumário de RG 18/2/2016 (2734/10.2TJVNF-A.G1) é o seguinte:

1. Por serem compartes, estão impedidos de depor como testemunhas, nos termos do artº 496º do CPC, os credores reclamantes impugnantes da Lista apresentada pelo Administrador de Insolvência, sobretudo quando os fundamentos, de facto e de direito, da impugnação e o objectivo da mesma são comuns.
 
2. A incumbência que o artº 411º do CPC, comete ao juiz de realizar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, não constitui um dever que se sobreponha ou substitua ao ónus de prova a cargo das partes nem destinado a colmatar o fracasso destas.
 
II. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte: 
 
"Partes são as pessoas pelas quais ou contra as quais é requerida uma providência judiciária. Tanto da parte contrária como de compartes (litisconsortes ou coligadas) pode, nos termos dos artº 453º, nº 3, e 452º, nº 1, ser exigida a prestação de depoimento, informações ou esclarecimentos. Logo, é inelutável que os demais reclamantes estavam impedidos, por força do artº 496º, de depor como testemunhas.

Bem justificada foi, por isso, a inadmissibilidade da sua inquirição como testemunhas, inútil se perspectivando a sua eventual audição, oficiosa, como partes em face das demais provas obtidas e dos resultados alcançados, uma vez que, como de tudo resulta óbvio, se limitariam a reproduzir verbalmente a versão arquitectada e já trazida aos autos nos respectivos articulados e não a confessar, informar ou esclarecer factos.

De resto, a incumbência que o artº 411º comete ao juiz de realizar todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio não constitui um dever que se sobreponha ou substitua o ónus das partes nem destinado a colmatar o fracasso destas.

Como a este propósito se escreve no Acórdão da Relação do Porto, de 09-02-2015 [572/11.4TTPNF-A.C1.P1]:

“De tais preceitos [artºs 411º e 526º] se retira, pois, que o juiz pode, ou melhor, deve determinar a produção de qualquer meio de prova, desde que, como se escreveu no acórdão deste tribunal de 18-11-2013 (Proc. 851/10.8TTVFR-B.P1) “[...] o mesmo tenha aptidão para fazer corresponder a realidade processual à extraprocessual. [...]
 
Esta amplitude de poderes/deveres, no entanto, não significa que o juiz tenha a exclusiva responsabilidade pelo desfecho da causa. Associada a ela está a responsabilidade das partes, sobre as quais a lei faz recair ónus, inclusive no domínio probatório, que se repercutem em vantagens ou desvantagens para as mesmas e que, por isso mesmo, aquelas têm interesse direto em cumprir. Até porque, no limite, em sede probatória, a dúvida sobre a realidade de um facto resolve-se contra a parte a quem o mesmo aproveita (artº 516º). Daí que as partes tenham natural interesse em concorrer ativamente no processo de instrução da causa».
 
E mais adiante acrescenta-se no mesmo aresto: «(…) reconhecendo embora a lei às partes um interesse legítimo na instrução da causa, não lhes permite o exercício desse direito de forma arbitrária. Bem pelo contrário. Condiciona esse exercício a determinados pressupostos, fora dos quais aquele direito pode ficar comprometido. E, neste contexto, não faz sentido que esses pressupostos possam ser contornados por recurso aos poderes/deveres que a lei comete ao juiz em sede instrutória. 
 
Como salienta Lopes do Rego: “O exercício dos poderes de investigação oficiosa do tribunal pressupõe que as partes cumpriram minimamente o ónus que sobre elas prioritariamente recai de indicarem tempestivamente as provas de que pretendem socorrer-se para demonstrarem os factos cujo ónus probatório lhes assiste - não podendo naturalmente configurar-se como uma forma de suprimento oficioso de comportamentos grosseira ou indesculpavelmente negligentes das partes”.[...]
 
Se, como salienta Nuno Lemos Jorge [“Os poderes Instrutórios do Juiz: Alguns Problemas”, na revista “Julgar”, nº 3, pág. 70], a necessidade de promoção de diligências probatórias pelo juiz “não for patentemente justificada pelos elementos constantes dos autos, a promoção de qualquer outro diligência resultará, apenas, da vontade da parte nesse sentido, a qual, não se tendo traduzido pela forma e no momento processualmente adequados, não deverá agora ser substituída pela vontade do juiz, como se de um seu sucedâneo se tratasse” [...]
 
Significa isto que a investigação oficiosa de que estamos a tratar não deve ser exercida apenas porque foi sugerida ou requerida por uma ou por ambas as partes, mas porque tem mérito em si mesma, em função dos elementos probatórios em que se apoia e dos fins que visa alcançar. O que tem como consequência que essa investigação pode ser exercida sem o concurso da vontade das partes ou até mesmo contra essa vontade.
 
Por outro lado, também não basta para desencadear essa investigação a mera referência por uma testemunha de que outra pessoa não arrolada conhece ou participou em determinado evento. Como é sabido pelas regras da experiência comum, muitas pessoas podem ter entrado em contacto com um acontecimento concreto, sem que, ainda assim, se encontrem habilitadas a testemunhá-lo em aspetos que não apreenderam. 
 
O que é decisivo, pois, para que os citados poderes de investigação oficiosa sejam exercitados, não é que sejam sugeridos pelas partes ou por outros intervenientes acidentais, mas que tenham uma utilidade presumida, em si mesmos, devido, como dissemos, aos elementos em que se apoiam e aos fins que visam alcançar, que necessariamente devem estar ligados à descoberta da verdade material e à correta decisão da causa.».”

MTS