"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



14/06/2016

Jurisprudência europeia (TJ) (98)


Incumprimento de Estado – Coordenação dos sistemas de segurança social – Regulamento (CE) n.° 883/2004 – Artigo 4.° – Igualdade de tratamento em matéria de acesso às prestações de segurança social – Direito de residência – Diretiva 2004/38/CE – Legislação nacional que recusa a concessão de certos abonos de família ou de um crédito de imposto por filho a cargo aos cidadãos de outros Estados‑Membros sem direito de residência legal


TJ 14/6/2016 (C‑308/14, Comissão Europeia/Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte) afirmou o seguinte:

[...] 62 Com a sua acusação principal invocada em apoio da presente ação, a Comissão critica o Reino Unido por sujeitar a concessão das prestações sociais em causa à condição de que o requerente observe, além do critério ligado ao facto de que «reside habitualmente» no território do Estado‑Membro de acolhimento, previsto no artigo 11.°, n.° 3, alínea e), do Regulamento n.° 883/2004, lido em conjugação com o artigo 1.°, alínea j), deste mesmo regulamento, o critério do direito de residência. O exame deste último critério cria, assim, segundo a Comissão, uma condição adicional não prevista.

63 A este respeito, é de salientar que o artigo 11.°, n.° 3, alínea e), do Regulamento n.° 883/2004, em que a Comissão se apoia, enuncia uma «regra de conflito» que visa determinar a legislação nacional aplicável à atribuição das prestações de segurança social enunciadas no artigo 3.°, n.° 1, deste regulamento, entre as quais figuram as prestações familiares, a que podem ter acesso as pessoas diferentes das visadas nas alíneas a) a d) do artigo 11.°, n.° 3, do referido regulamento, ou seja, nomeadamente, as pessoas economicamente inativas.

64 O artigo 11.°, n.° 3, alínea e), do Regulamento n.° 883/2004 tem por finalidade não só evitar a aplicação simultânea de várias legislações nacionais a uma determinada situação e as complicações que daí podem resultar, como também impedir que as pessoas abrangidas pelo o âmbito de aplicação deste regulamento sejam privadas de proteção em matéria de segurança social por falta de legislação que lhes seja aplicável (v., nomeadamente, acórdão de 19 de setembro de 2013, Brey, C‑140/12, EU:C:2013:565, n.° 40 e jurisprudência referida).

65 Em contrapartida, a referida disposição, enquanto tal, não tem por objetivo determinar as condições materiais da existência do direito às prestações de segurança social. Cabe, em princípio, à legislação de cada Estado‑Membro determinar tais condições (v., neste sentido, acórdãos de 19 de setembro de 2013, Brey, C‑140/12, EU:C:2013:565, n.° 41 e jurisprudência referida, e de 11 de novembro de 2014, Dano, C‑333/13, EU:C:2014:2358, n.° 89).

66 Não pode assim inferir‑se do artigo 11.°, n.° 3, alínea e), do Regulamento n.° 883/2004, lido em conjugação com o artigo 1.°, alínea j), deste, que o direito da União se opõe a uma disposição nacional que exige que o requerente tenha o direito de residência legal no Estado‑Membro em causa para poder obter o direito a prestações sociais, como as prestações sociais em causa.

67 Com efeito, o Regulamento n.° 883/2004 não organiza um regime comum de segurança social, mas permite que subsistam regimes nacionais distintos e tem por único objetivo assegurar uma coordenação entre estes últimos para garantir o exercício efetivo da livre circulação de pessoas. Permite, assim, que subsistam regimes distintos que dão origem a créditos distintos relativamente a instituições diferentes face às quais o beneficiário é titular de direitos diretos por força quer exclusivamente do direito interno quer do direito interno, completado, se necessário, pelo direito da União (acórdão de 19 de setembro de 2013, Brey, C‑140/12, EU:C:2013:565, n.° 43).

68 Ora, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, em princípio, nada se opõe a que a atribuição de prestações sociais a cidadãos da União economicamente não ativos seja subordinada à exigência de que estes preencham as condições para dispor de um direito de residência legal no Estado‑Membro de acolhimento (v., neste sentido, nomeadamente, acórdãos de 19 de setembro de 2013, Brey, C‑140/12, EU:C:2013:565, n.° 44, e de 11 de novembro de 2014, Dano, C‑333/13, EU:C:2014:2358, n.° 83).

69 Assim, contrariamente ao que a Comissão alega, o critério do direito de residência não desvirtua a regra de conflito prevista no artigo 11.°, n.° 3, alínea e), do Regulamento n.° 883/2004, uma vez que este critério faz parte integrante das condições de concessão das prestações sociais em causa.

70 Contudo, há que salientar que o argumento invocado pela Comissão de que a pessoa que não preenche as condições exigidas para poder beneficiar das prestações sociais em causa se encontra numa situação em que nem o direito do Reino Unido nem qualquer outro direito lhe é aplicável também não colhe.

71 Com efeito, essa situação não difere daquela em que se encontra o requerente que não preenche uma das condições exigidas para poder beneficiar de uma prestação familiar por qualquer outra razão e que, por isso, não terá efetivamente direito a tal prestação em nenhum Estado‑Membro. Ora, esta circunstância não se deve ao facto de nenhum direito lhe ser aplicável, mas ao facto de esse requerente não preencher as condições materiais previstas pelo Estado‑Membro cuja legislação lhe é aplicável por força das regras de conflito.

72 A este respeito, há também que recordar que o Reino Unido, logo a partir da sua resposta ao parecer fundamentado, contestou constantemente ter querido sujeitar a verificação do caráter habitual da residência do requerente no seu território à condição, nomeadamente, do direito de residência regular. Com efeito, como assinalou, em substância, o advogado‑geral no n.° 54 das suas conclusões, não decorre de nenhum elemento dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que o Reino Unido tivesse querido ligar o critério do direito de residência ao controlo da residência habitual, na aceção do artigo 11.°, n.° 3, alínea e), do Regulamento n.° 883/2004. Tal como este Estado‑Membro alegou na audiência, a legalidade da residência do requerente no seu território constitui uma condição material exigida às pessoas economicamente não ativas para poderem beneficiar das prestações sociais em causa.

73 Atendendo às considerações expostas, visto que a Comissão não demonstrou que o critério do direito de residência introduzido pela legislação do Reino Unido afeta, em si, a disposição do artigo 11.°, n.° 3, alínea e), do Regulamento n.° 883/2004, lido em conjugação com o artigo 1.°, alínea j), deste mesmo regulamento, há que rejeitar a acusação deduzida por esta instituição a título principal. [...]