"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



20/06/2016

Jurisprudência (377)


Processo de insolvência; competência material


1. O sumário de RL 7/4/2016 (35/16.1T8PDL.L1-2) é o seguinte:


É da competência da secção cível da instância central, nas comarcas que não sejam servidas por secção de comércio, a preparação e julgamento dos processos de insolvência com valor superior a € 50.000,00.

2.  Da fundamentação do acórdão extrai-se a seguinte parte:


"Do cotejo da literalidade do n.º 1 com o n.º 2, do artigo 117º da LOSJ, decorre que, nas comarcas onde não haja secção de comércio, a competência da secção cível da instância central, para a preparação e julgamento das ações declarativas cíveis de processo comum de valor superior a € 50.000,00 é extensiva às ações que caibam às secções de comércio.

Podendo então pretender sustentar-se que as ações a que assim se estenderia a competência da secção cível da instância central, seriam apenas […] as ações declarativas cíveis de processo comum, que caberiam na competência da secção de comércio, caso existisse, como sejam as ações de declaração de inexistência, nulidade e anulação do contrato de sociedade, as relativas ao exercício de direitos sociais e as de anulação de deliberações sociais, cfr. artigo 128º, n.º 1, alíneas b), c) e d).

E isso, desde que tais ações fossem de valor superior a € 50.000,00.

Ponto é, porém, que o referido n.º 2, ao tornar extensivo o disposto “no número anterior” “às ações que caibam” às secções de comércio, não distingue entre ações cíveis com processo comum e ações cíveis com processo especial como, indubitavelmente, é o processo de insolvência.

Abstraindo pois da forma das ações, isto é, da “tramitação técnica e processual a que têm de submeter-se.” [Vd. Paulo Pimenta, in “Processo Civil Declaratório”, 2014, Almedina, pág. 53], mas cfr. artigos 2º, n.º 2, 10º e 546º, do Código de Processo Civil.

Embora já não – por opção do legislador – do seu valor.

Nenhuma razão se vislumbrando – para além do optado critério do valor da causa – para “ratear” – nas comarcas onde não exista secção de comércio – os processos que caberiam na competência daquela, caso existisse – e que tanto serão processos comuns como processos especiais – pela instância central e pela instância local, em função…da forma de processo.

Tenha-se presente que, como relativamente ao exercício de direitos sociais se julgou no Acórdão da Relação de Coimbra, de 22-09-2015 [Proc. 5542/13.5TBLRA.C1, Relator: FONTE RAMOS, IN WWW.DGSI.PT/JTRC.NSF]; “Na atribuição de competência especializada às Secções de Comércio para preparar e julgar as acções relativas ao exercício dos direitos sociais releva a circunstância de estarmos perante matérias que exigem especial preparação técnica e sensibilidade e envolvem dificuldades/complexidades que podem repercutir-se também na respectiva solução.” (grifado nosso).

Sendo tal exigência e dificuldades – partilhadas tanto pelas ações com processo especial como pelas ações declarativas com processo comum – que justificam, a existência de secções de competência especializada de comércio…

Subscreve-se ainda [Vd. [...] Acórdão desta Relação, de 30-06-2015 [
Proc. 431/15.1T8PDL.L1-7]] que, a prevalecer o entendimento no sentido de que a competência das secções cíveis da instância central fixada nos termos do n.º 1 do artigo 117º é alargada no estrito sentido de nela se incluírem, em razão da matéria – e para além do mais que aqui não está em causa – as ações declarativas de processo comum de valor superior a € 50.000,00 (que caibam na competência das secções de comércio, quando existam), então resultaria desnecessária a norma do n.º 2 do mesmo artigo.

E por isso que o mesmo resultado se alcançaria na articulação do artigo 117º, n.º 1, alínea a) com o artigo 130º, n.º 1, alínea a) e n.º 2."

 
3. Acompanha-se a orientação contrária de Vieira Cura, Curso de Organização Judiciária, 2.ª ed. (2014), 187 s. (aliás, também citada no acórdão), segundo a qual a extensão da competência que é determinada pelo art. 117.º, n.º 2, LOSJ só pode verificar-se quanto às matérias que cabem originariamente na competência da secção cível da instância central de acordo com o disposto no n.º 1 do mesmo preceito. Isto é: o art. 117.º, n.º 2, LOSJ não cria uma nova competência material da secção cível da instância central, apenas estende a sua competência originária a matérias da competência das secções de comércio. Não há, assim, uma recepção global da competência das secções de comércio pela secção cível, mas apenas uma recepção compatível com a competência originária da secção cível.


MTS