Pacto de jurisdição; competência internacional;
reenvio prejuducial
1. O sumário de STJ 17/3/2016 (588/13.6TVPRT.P1.S1) é o seguinte:
I. A Lei Portuguesa permite que as partes possam convencionar sobre a competência internacional, vigorando aqui o princípio da autonomia privada.
II. A Lei comunitária, Regulamento (CE) 44/2001, artigo 23º, nº 1, permite que as partes, desde que pelo menos uma delas esteja sediada num dos Estados-Membros, podem convencionar «(…) que um tribunal ou os tribunais de um Estado-Membro têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma determinada relação jurídica, esse tribunal ou esses tribunais terão competência.(…)».
III. Não sendo a excepção de incompetência internacional de conhecimento oficioso, nem tendo a mesma sido arguida num outro processo intentado pela Recorrida contra a Recorrente, é óbvio que a pendência do mesmo nos Tribunais Portugueses não faz precludir a possibilidade de instauração de uma outra acção, proveniente do mesmo contrato, entre as mesmas partes, com pedido e causa de pedir diversas, perante o Tribunal que estas convencionaram como sendo competente.
IV. Questão prejudicial é aquela que um órgão jurisdicional nacional de um qualquer Estado-Membro considera necessária para a resolução de um litígio pendente perante si, e é relativa à interpretação, ou à apreciação de validade, do Direito da União (com excepção da apreciação de validade dos Tratados).
V. Esta competência prejudicial que assenta no instituto do reenvio prejudicial, previsto naquele supra apontado ínsito legal, constitui um mecanismo de cooperação judicial, que visa a garantia da efectividade do direito comunitário e a sua prevalência sobre o direito nacional, permitindo assim um controlo concreto da validade do direito secundário da EU, ao mesmo tempo que proporciona a uniformidade na interpretação e aplicação das respectivas normas.
VI. O reenvio prejudicial para o TJUE é, em princípio facultativo, dependendo exclusivamente do poder discricionário do Tribunal nacional, sendo certo que existem alguns casos em que o mesmo se torna obrigatório.
VII. A aparente obrigatoriedade decorrente de um pedido de reenvio ter sido feita a um Órgão jurisdicional cujas decisões, que à luz do direito interno, sejam insusceptíveis de recurso ordinário, veio a ser resolvida pelo caso Cilfit de 6 de Outubro de 1982, onde se conclui que a convocação das instâncias comunitárias só se justificará, quando as instâncias nacionais considerem que o recurso àquelas é necessário para a solução do pleito e mais, que haja sido suscitada uma dúvida quanto à interpretação desse direito.
VIII. O aludido «dever» de reenvio, não se afirma com um carácter absoluto, perdendo tal significância, quando a questão suscitada for idêntica a outra já suscitada em processo idêntico e assim decidida a titulo prejudicial, reconhecendo assim que a «correcta aplicação do direito comunitário pode impor-se com tal evidência que não dê lugar a qualquer dúvida razoável quanto à solução a dar à questão suscitada», doutrina do «acto claro» em contraposição à teoria do «acto aclarado», com a finalidade de evitar que os Órgãos Judiciais da UE sejam chamados a intervir quando já haja antecedentes decisórios quanto às mesmas questões e/ou em casos paralelos, apresentando-se os Acórdãos do Tribunal de Justiça como um misto de Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, na sua faceta de apreciação abstracta típica e a concreção da regra do precedente.
IX. A jurisprudência do Tribunal de Justiça é clara no sentido de entender que a noção de pacto atributivo de jurisdição constante do artigo 23.º do Regulamento 44/2001 é autónoma em relação aos direitos nacionais dos Estados-membros.
2. Selecciona-se a seguinte parte da fundamentação do acórdão:
II. A Lei comunitária, Regulamento (CE) 44/2001, artigo 23º, nº 1, permite que as partes, desde que pelo menos uma delas esteja sediada num dos Estados-Membros, podem convencionar «(…) que um tribunal ou os tribunais de um Estado-Membro têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma determinada relação jurídica, esse tribunal ou esses tribunais terão competência.(…)».
III. Não sendo a excepção de incompetência internacional de conhecimento oficioso, nem tendo a mesma sido arguida num outro processo intentado pela Recorrida contra a Recorrente, é óbvio que a pendência do mesmo nos Tribunais Portugueses não faz precludir a possibilidade de instauração de uma outra acção, proveniente do mesmo contrato, entre as mesmas partes, com pedido e causa de pedir diversas, perante o Tribunal que estas convencionaram como sendo competente.
IV. Questão prejudicial é aquela que um órgão jurisdicional nacional de um qualquer Estado-Membro considera necessária para a resolução de um litígio pendente perante si, e é relativa à interpretação, ou à apreciação de validade, do Direito da União (com excepção da apreciação de validade dos Tratados).
V. Esta competência prejudicial que assenta no instituto do reenvio prejudicial, previsto naquele supra apontado ínsito legal, constitui um mecanismo de cooperação judicial, que visa a garantia da efectividade do direito comunitário e a sua prevalência sobre o direito nacional, permitindo assim um controlo concreto da validade do direito secundário da EU, ao mesmo tempo que proporciona a uniformidade na interpretação e aplicação das respectivas normas.
VI. O reenvio prejudicial para o TJUE é, em princípio facultativo, dependendo exclusivamente do poder discricionário do Tribunal nacional, sendo certo que existem alguns casos em que o mesmo se torna obrigatório.
VII. A aparente obrigatoriedade decorrente de um pedido de reenvio ter sido feita a um Órgão jurisdicional cujas decisões, que à luz do direito interno, sejam insusceptíveis de recurso ordinário, veio a ser resolvida pelo caso Cilfit de 6 de Outubro de 1982, onde se conclui que a convocação das instâncias comunitárias só se justificará, quando as instâncias nacionais considerem que o recurso àquelas é necessário para a solução do pleito e mais, que haja sido suscitada uma dúvida quanto à interpretação desse direito.
VIII. O aludido «dever» de reenvio, não se afirma com um carácter absoluto, perdendo tal significância, quando a questão suscitada for idêntica a outra já suscitada em processo idêntico e assim decidida a titulo prejudicial, reconhecendo assim que a «correcta aplicação do direito comunitário pode impor-se com tal evidência que não dê lugar a qualquer dúvida razoável quanto à solução a dar à questão suscitada», doutrina do «acto claro» em contraposição à teoria do «acto aclarado», com a finalidade de evitar que os Órgãos Judiciais da UE sejam chamados a intervir quando já haja antecedentes decisórios quanto às mesmas questões e/ou em casos paralelos, apresentando-se os Acórdãos do Tribunal de Justiça como um misto de Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, na sua faceta de apreciação abstracta típica e a concreção da regra do precedente.
IX. A jurisprudência do Tribunal de Justiça é clara no sentido de entender que a noção de pacto atributivo de jurisdição constante do artigo 23.º do Regulamento 44/2001 é autónoma em relação aos direitos nacionais dos Estados-membros.
2. Selecciona-se a seguinte parte da fundamentação do acórdão:
"[...] alinhamos como ponto de partida, os seguintes corolários:
1. A Lei Portuguesa permite que as partes possam convencionar sobre a competência internacional, vigorando aqui o princípio da autonomia privada, tendo em atenção a natureza do contrato em causa, cfr Maria Helena Brito, Direito Aplicável Ao Contrato Internacional De Concessão Comercial, in Estudos em Homenagem à Professora Doutora Isabel de Magalhães Collaço, Volume I, 103/157.
2. A Lei comunitária, Regulamento (CE) 44/2001, artigo 23º, nº 1, permite que as partes, desde que pelo menos uma delas esteja sediada num dos Estados-Membros, podem convencionar «(…) que um tribunal ou os tribunais de um Estado-Membro têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma determinada relação jurídica, esse tribunal ou esses tribunais terão competência. Essa competência será exclusiva a menos que as partes convencionem em sentido contrário. Esse pacto deverá ser celebrado: a) Por escrito ou verbalmente com confirmação escrita; ou b) Em conformidade com os usos que as partes estabelecerem entre si; ou c) No comércio internacional, em conformidade com os usos que as partes conheçam ou devam conhecer e que, em tal comércio, sejam amplamente conhecidos e regularmente observados pelas partes em contratos do mesmo tipo, no ramo comercial considerado.», impondo-se esta ao direito nacional por força do efeito directo e do primado, cfr Lima Pinheiro, Direito Internacional Privado Competência Internacional e Reconhecimento de Decisões Estrangeiras, Vol. III, 2012, 2ª ed., 192; Miguel Gorjão-Henriques, Direito Comunitário, 3ª edição, 334/345; Acórdão Da Costa do Tribunal de Justiça , de 27 de Março de 1963, http://curia.europa.eu/juris/recherche.jsf?language=pt; Acórdão Simmenthal, de 9 de Março de 1978, http://curia.europa.eu/juris/recherche.jsf?language=pt; «(…) Todos os tribunais portugueses – incluindo o Tribunal Constitucional – também são, assim, «tribunais comunitários» (a quem cabe defender o primado do direito comunitário, com submissão à interpretação desse direito pelo TJCE.(…)», A. Araújo, J. P. Cardoso da Costa, M. Nogueira de Brito, in As Relações entre os Tribunais Constitucionais e as outras Jurisdições Nacionais, incluindo a Interferência, nesta Matéria, da Acção das Jurisdições Europeias (Relatório português à XII Conferência dos Tribunais Constitucionais Europeus – Bruxelas, Maio de 2002), ROA, ano 62, 2002.
Daqui resulta, prima facie, a competência dos Tribunais Ingleses para o conhecimento do litígio, por via do acordo das partes, já que se verificam os três pressupostos cumulativos de aplicabilidade do artigo 23º, quais são: i) pelo menos uma das partes se encontre domiciliada no território de um Estado-Membro; ii) que o pacto atribua competência a um Tribunal ou aos Tribunais de um Estado-Membro; iii) e se trate de uma questão jurídica internacional (embora este seja um pressuposto controverso na doutrina e na jurisprudência), cfr Sofia Henriques, Os Pactos De Jurisdição No Regulamento (CE) 44/2001, 32.
Aqui chegados, começa a primeira das perplexidades suscitadas pela Recorrente, na medida em que reputa a aludida cláusula de atribuição de competência [...] de inválida e por a mesma não ter sido objecto de qualquer negociação em violação do Regime das Cláusulas Contratuais Gerais.
Esta problemática não poderá ser analisada sem que, primeiramente, se apure se o contrato havido entre as partes – contrato de concessão comercial – é ou não um contrato de adesão, a fim de o podermos subsumir às fattispecies consignadas no LCCG, DL 446/85, de 25 de Outubro.
O artigo 1º, nº 1, daquele diploma preceitua que «As cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar, regem-se pelo presente diploma.», acrescenta o nº 2 que «O presente diploma aplica-se igualmente às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar.».
Como nos refere Joaquim de Sousa Ribeiro, in O Problema Do Contrato, As Cláusulas Contratuais Gerais E O Princípio Da Liberdade Contratual, 447 «(…) Só merecem a qualificação de ccg as cláusulas que, não tendo em vista uma contraparte determinada, nem apresentando uma conformação moldada por uma concreta relação contratual, revestem carácter geral e abstracto. A elaboração sem prévia negociação individual só é um dado qualificante do fenómeno se a ela presidir a intenção de utilização reiterada das cláusulas numa série de contratos que se projecta concluir. A imposição unilateral de um conteúdo, por sua vez, só ganha relevo diferenciador quando se processa através da incorporação de cláusulas predispostas para aplicação em vários contratos, sem atender às particularidades de cada um. Essa “vontade geral”, uniformizadora do conteúdo de uma multiplicidade de contratações futuras, é o elemento especificamente distintivo – porque não compartilhando com qualquer outra manifestação – e, ao mesmo tempo, sobredeterminante – porque por ele se explicam os restantes, quer o modo de conformação (preformulação), quer o modo de ingresso (por adesão sem negociação) em cada contrato singular.(…)».
Não basta a Recorrente vir alegar em sede de Petição Inicial, como fez nos artigos 82º e 83º daquela peça processual «que à semelhança do sucedido com os contratos de distribuição que haviam vigorado entre as partes, a A. foi compelida a aceitar este novo contrato de distribuição. Não lhe tendo sido dada a possibilidade de negociar o teor das várias cláusulas que nele foram apostas por parte da R., que se limitou a impô-las em bloco à A.», para que se possa concluir, sem mais, estarmos perante um contrato de adesão, já que, concedendo que o mesmo possa ter obedecido a um modelo «standard», dele não deflui qualquer carácter geral e abstracto das respectivas cláusulas, nem, tão pouco, que o mesmo se destinasse a ser subscrito por um número indeterminado de pessoas.
Aquele «modelo» contratual, de concessão comercial, mesmo que pré-feito, tinha um destinatário preciso e conciso, isto é, a aqui Recorrente, sendo certo que o mesmo não era de todo em todo desconhecido, porquanto antes dele, outros idênticos haviam vigorado, sendo-lhe sempre possível, aceitar ou recusar a sua assinatura, pois não podemos ignorar que estamos perante duas sociedades comerciais com um passado em comum, e não perante uma empresa e um mero consumidor individual, sem conhecimentos do ramo, não sendo crível que a aludida cláusula escrita, conhecida e subscrita pela Autora Recorrente, pudesse não ter sido compreendida por esta, quanto à sujeição do litigio à alçada dos Tribunais Ingleses, tendo em atenção o preceituado nos artigos 5º e 6º da LCCG: por um lado não foi alegado que a sua comunicação não tenha sido feita de modo adequado de molde a não ter havido o seu conhecimento efectivo, por outra banda, do seu teor não resulta qualquer factor que nos leve a uma qualquer má interpretação do seu sentido e alcance, dela resultando uma concreta identificação dos Tribunais competentes, no caso, os ingleses, neste sentido e em caso paralelo, o Ac STJ de 9 de Julho de 2015 (Relator Salazar Casanova), in www.dgsi.pt; Menezes Cordeiro, Tratado De Direito Civil Português, I, Parte Geral Tomo I, 3ª edição, 615/619.
Existindo entre a Recorrente e a Recorrida uma relação comercial de concessão e tendo em atenção as especificidades do acordo que as ligava, nos termos do qual a Autora promoveu, durante uma década e em regime de exclusividade, a comercialização em Portugal de produtos de software produzidos pela Ré, o que fez ao abrigo do principio da liberdade contratual, pois ninguém lhe impôs a assunção dos eventuais riscos decorrentes da assunção de um negócio nos termos configurados, não se compreende ou mal se compreende a argumentação de ter sido «obrigada a aceitar um novo e agravado contrato de distribuição sob a ameaça da imediata cessação da relação comercial que vigorava entre as partes, à qual a Autora tinha subordinado toda a sua estrutura operativa e os seus investimentos nos sete anos anteriores, com todos os prejuízos inerentes a esse abandono, e os necessários custos da súbita desafectação dos recursos da Autora desse negócio que havia criado de raiz para a Ré em Portugal», pois se efectivamente pode ter criado a estrutura do negócio especialmente tendo em vista a distribuição dos produtos da Recorrida, com certeza deverá ter estudado o impacto económico de um tal investimento, bem como quais as consequências de uma falência do mesmo, pois não decorria do acordo que o mesmo fosse para vigorar ad eternum, nem que houvesse qualquer garantia de sucesso negocial efectivo e duradouro, estando sujeito às vicissitudes do normal funcionamento dos mercados.
Esta situação de nos encontrarmos perante duas sociedades comerciais, afasta a consideração do disposto na Directiva 93/3/CEE, de 5 de Abril de 1993, porquanto o seu artigo 1º, nº 1, prevê expressamente a sua aplicação apenas e tão só ás clausulas abusivas constantes de contratos celebrados entre profissionais e consumidores, sendo que o seu artigo 3º, nº 1, considera abusiva uma cláusula contratual que não tenha sido objecto de negociação individual quando «der origem a um desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato»."