"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



07/06/2016

Jurisprudência (368)


Competência material; acidente de trabalho;
dívida ao SNS


1. O sumário de RE 10/3/2016 (57304/14.6YIPRT.E1) é o seguinte:

Os juízos de competência especializada cível são incompetentes em razão da matéria para conhecer da responsabilidade por dívidas a serviços e estabelecimentos de saúde integrados no SNS pela prestação de serviços hospitalares decorrentes de acidente de trabalho.

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
 
"Nos termos do art.º 1º do Decreto-Lei nº 218/99, de 15 de Junho, na redacção dada pelo Decreto-Lei 64-B/2011, que “estabelece o regime de cobrança de dívidas pelas instituições e serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde em virtude dos cuidados de saúde prestados” (n.º 1 do preceito), “a realização das prestações de saúde consideram-se feitas ao abrigo de um contrato de prestação de serviços, sendo aplicável o regime jurídico das injunções” (n.º 2 do preceito). 
 
Devendo, "o requerimento de injunção […] conter na exposição sucinta dos factos os seguintes elementos:
 
a) O nome do assistido; 
 
b) Causa da assistência; […]; 
 
d) No caso de acidente de trabalho, nome do empregador e número da apólice seguro, quando haja; [
….]" (n.º 3 do preceito).

Cabendo ao demandado, nos termos do art.º 5º do mesmo Decreto-Lei nº 218/99, o ónus da prova de que não é responsável pelo pagamento dos danos resultantes do acidente de que adveio a necessidade de prestação de cuidados de saúde (vide neste sentido o Acórdão do S.T.J. de 15/10/2013, proferido no Processo n.º 1328/11.4TBVFR).

Face ao disposto no Regime dos Procedimentos a que se refere o art.º 1º do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, “considera-se injunção a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro” (art.º 7º).
 
Devendo o requerimento de injunção, ser apresentado por via do sistema informático CITIUS (art.º 5º, n.º 1 da Portaria n.º 220-A/2008, de 4 de Março), ou, se apresentado em papel, na secretaria judicial competente de acordo com o art.º 8º do Regime de Procedimentos acima aludido (art.º 5º, n.º 3 da Portaria n.º 220-A/2008), sendo que “no caso de existirem tribunais de competência especializada ou de competência específica, a apresentação do requerimento na secretaria deve respeitar as respectivas regras de competência” (art.º 8º, n.º 2 do Regime dos Procedimentos).
 
Deduzida Oposição à Injunção, o processo é remetido à distribuição (art.º 16º, n.º 1, do Regime dos Procedimentos), para o Tribunal indicado como competente pelo Requerente, nos termos do art.º 10º, n.º 1, alínea l) do Regime dos Procedimentos, seguindo-se, após a distribuição, com as devidas adaptações, o regime da acção declarativa estatuído nos art.º 3º e 4º do Regime dos Procedimentos.

Definindo a competência das Secções de Trabalho, estipula o art.º 126º da LOSJ, que tais Secções, têm competência cível, quanto às seguintes matérias:
 
a) Das questões relativas à anulação e interpretação dos instrumentos de regulamentação coletiva do trabalho que não revistam natureza administrativa;
 
b) Das questões emergentes de relações de trabalho subordinado e de relações estabelecidas com vista à celebração de contratos de trabalho;
 
c) Das questões emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais;
 
d) Das questões de enfermagem ou hospitalares, de fornecimento de medicamentos emergentes da prestação de serviços clínicos, de aparelhos de prótese e ortopedia ou de quaisquer outros serviços ou prestações efetuados ou pagos em benefício de vítimas de acidentes de trabalho ou doenças profissionais;
 
e) Das ações destinadas a anular os atos e contratos celebrados por quaisquer entidades responsáveis com o fim de se eximirem ao cumprimento de obrigações resultantes da aplicação da legislação sindical ou do trabalho.
 
Por sua vez, o art.º 154º do Código de Processo do Trabalho, estabelece um “Processo para efectivação de direitos de terceiros conexos com acidente de trabalho”, nos seguintes termos:
 
1 - O processo destinado à efectivação de direitos conexos com acidente de trabalho sofrido por outrem segue os termos do processo comum, por apenso ao processo resultante do acidente, se o houver.
 
2 - As decisões transitadas em julgado que tenham por objecto a qualificação do sinistro como acidente de trabalho ou a determinação da entidade responsável têm valor de caso julgado para estes processos.”

Feito este enquadramento o que dizer sobre a questão objecto do presente recurso?
 
Embora a prestação de cuidados de saúde pelas Instituições e Serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde, seja efectuada ao abrigo de um contrato de prestação de serviços, a cobrança da dívida ao SNS tem sempre subjacente a causa do sinistro que deu origem à prestação dos cuidados de saúde ao sinistrado.
 
E, se no caso da instauração de Processo de Injunção, que corre no Balcão Nacional de Injunções, tal matéria é quase irrelevante, deduzida Oposição à Injunção, o thema decidendum relevante, na maioria das situações, como a em apreço, por via da inversão do ónus da prova quanto à responsabilidade pelo pagamento dos danos resultantes do sinistro, consagrada no art.º 5º da Lei 218/99, não é o da apreciação da dívida reclamada quanto aos cuidados de saúde prestados no âmbito do aludido contrato de prestação de serviços, mas o da causa do sinistro e da atinente responsabilidade aquiliana, que se repercutem, havendo contrato de seguro, na transferência da responsabilidade pelo pagamento dos danos advenientes do sinistro para a respectiva Companhia de Seguros.

A criação de Secções de Competência Especializada, visa, em tese, concentrar em tribunais com especial preparação todo um conjunto de matérias atinentes a essa competência, por forma a dar melhor resposta aos litígios que lhe respeitam.
 
Cabendo às Secções de Trabalho, julgar não só as acções emergentes de acidentes de trabalho, como as acções correlativas, nomeadamente as acções relativas à cobrança de dívidas hospitalares resultantes de prestação de cuidados de saúde a sinistrados do trabalho.
 
Ao que o legislador do Processo de Injunção foi sensível, por via da consagração no n.º2 do art.º 8º do Regime dos Procedimentos, de que “No caso de existirem tribunais de competência especializada ou de competência específica, a apresentação do requerimento na secretaria deve respeitar as respectivas regras de competência”.
 
Sentido em que se deve interpretar o art.º 10º, n.º 1, alínea l) do Regime dos Procedimentos, quando determina que o Requerente deve “indicar o Tribunal competente para apreciação dos autos se forem apresentados à distribuição”.

Perante este quadro, tendo em conta que o thema decidendum relevante, nas acções para cobrança de dívida hospitalar respeitante a sinistro de trabalho, decorrentes de Oposição à Injunção, é o da causa do sinistro e da atinente responsabilidade aquiliana, e não o do contrato de prestação de serviços subjacente à reclamação da dívida hospitalar, como é o caso em apreço, somos levados a concluir que tal matéria deve ser apreciada por uma secção especializada no tema, no caso a Secção de Trabalho da Instância Central da Comarca de Setúbal."
 
MTS