"Insurgem-se os apelantes quanto à decisão do tribunal a quo que julgou extinta a instância quanto ao Réu BES, SA, por inutilidade superveniente da lide na sequência da revogação da autorização para o exercício da atividade.
Aduzem os apelantes, neste circunspecto, os seguintes argumentos:
a.-O regime do Artigo 128º do CIRE não é extensível às demais ações declarativas;
b.-A natureza célere e urgente dos processos de insolvência é incompatível com a tramitação e a necessária ponderação de direitos litigiosos complexos ou especializados, como é o caso;
c.-Os artigos 50º, nº1 e 181º do CIRE devem ser interpretados no sentido de qua condição suspensiva pode ser a própria decisão judicial;
d.-Não existe qualquer violação do princípio da igualdade dos credores;
e.-Os Autores reclamaram o seu crédito, subjacente à presente ação, no processo de insolvência do BES.
O tribunal a quo fundamentou a decisão nestes termos:
«Nos termos do disposto no artº 4 nº1 a) do Regulamento do Conselho nº 1024/2013, cabe ao Banco Central Europeu, conceder e revogar a autorização para o exercício da atividade como instituição de crédito a instituições estabelecidas nos Estados Membros.
Nos termos do artº 8 nº2 do D.L. 199/2006 de 25/10 (alterado pelo D.L. nº 31-A/2012 de 10/02), a decisão e revogação de autorização para o exercício da atividade equivale à declaração de insolvência dessa entidade, que por não ter sido interposto recurso, nos termos do artº 263 do Tratado da União Europeia, nem anulada a deliberação do BCE, equivale à declaração de insolvência definitiva, da entidade bancária em apreço.
Com efeito dispõe este preceito legal que “O Tribunal de Justiça da União Europeia fiscaliza a legalidade dos atos legislativos, dos atos do Conselho, da Comissão e do Banco Central Europeu, que não sejam recomendações ou pareceres, e dos atos do Parlamento Europeu e do Conselho Europeu destinados a produzir efeitos jurídicos em relação a terceiros. O Tribunal fiscaliza também a legalidade dos atos dos órgãos ou organismos da União destinados a produzir efeitos jurídicos em relação a terceiros.
Para o efeito, o Tribunal é competente para conhecer dos recursos com fundamento em incompetência, violação de formalidades essenciais, violação dos Tratados ou de qualquer norma jurídica relativa à sua aplicação, ou em desvio de poder, interpostos por um Estado-Membro, pelo Parlamento Europeu, pelo Conselho ou pela Comissão.
O Tribunal é competente, nas mesmas condições, para conhecer dos recursos interpostos pelo Tribunal de Contas, pelo Banco Central Europeu e pelo Comité das Regiões com o objetivo de salvaguardar as respetivas prerrogativas.
Qualquer pessoa singular ou coletiva pode interpor, nas condições previstas nos primeiro e segundo parágrafos, recursos contra os atos de que seja destinatária ou que lhe digam direta e individualmente respeito, bem como contra os atos regulamentares que lhe digam diretamente respeito e não necessitem de medidas de execução.
Os atos que criam os órgãos e organismos da União podem prever condições e regras específicas relativas aos recursos interpostos por pessoas singulares ou coletivas contra atos desses órgãos ou organismos destinados a produzir efeitos jurídicos em relação a essas pessoas.
Os recursos previstos no presente artigo devem ser interpostos no prazo de dois meses a contar, conforme o caso, da publicação do ato, da sua notificação ao recorrente ou, na falta desta, do dia em que o recorrente tenha tomado conhecimento do ato.”
Assim, revogada a autorização para o exercício da atividade bancária de uma determinada instituição de crédito, ao Banco de Portugal cabe requerer nos prazos legalmente previstos, a sua liquidação nos tribunais competentes, no prazo e termos indicados nos n.ºs 3 e 4 do art. 8.º.
Requerida a liquidação, o juiz proferirá despacho de prosseguimento, se for o caso, o qual depende tão só da verificação do preenchimento dos requisitos enunciados no art. 8.º.
No despacho de prosseguimento o juiz nomeará o liquidatário ou a comissão liquidatária e tomará as decisões previstas nas alíneas b), c), e f) a n), do art. 36.º do CIRE, sendo aplicáveis, com as necessárias adaptações, as demais disposições do CIRE que se mostrem compatíveis com as especialidades constantes do DL n.º 199/2006 (n.º 3 do art. 9.º), excluindo-se expressamente os títulos IX e X do CIRE (parte final do n.º 3 do art. 9.º do DL n.º 199/2006)
Quaisquer questões sobre a legalidade da decisão de revogação da autorização apenas serão suscitáveis no processo de impugnação contenciosa que vier a ser deduzido nos tribunais administrativos (n.º 1 do art. 9.º e art. 15.º do DL n.º 199/2006).
Posto isto, sobre os efeitos gerais limitativos da declaração da insolvência em relação ao insolvente, rege o disposto no artigo 81º do CIRE.
Nos termos deste preceito, a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si, ou no caso de pessoa coletiva, quanto aos órgãos que o representem, da administração e do poder de disposição dos seus bens presentes e futuros.
Na realização do interesse dos credores, os negócios jurídicos realizados pelo insolvente são ineficazes ou inoponíveis em relação à massa falida (artigo 81, do CIRE).
A declaração de insolvência implica a dissolução da insolvente e, consequentemente, a perda da sua personalidade jurídica e judiciária, pelo menos para a generalidade dos efeitos (artigos 141º, nº 1, alínea e), do Código das Sociedades Comerciais, e 11º do Código de Processo Civil).
Por outro lado, no procedimento falimentar funciona o princípio da universalidade, segundo o qual, no seu âmbito, todo o património do insolvente é apresentado para a massa e apreciada a respetiva responsabilidade obrigacional.
Dispõe o artº 90 do CIRE que “Os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do presente Código, durante a pendência do processo de insolvência.”
Como corolário do referido princípio, ainda que o credor tenha algum direito de crédito reconhecido por decisão judicial definitiva, tem que o reclamar no processo da ação de insolvência, se nele quiser obter pagamento.
Correspondentemente, podem os outros credores ou o insolvente contestar a existência ou o crédito reclamado, ainda que ele já esteja reconhecido definitivamente noutro processo por decisão judicial, de molde a proporcionar-se o pagamento das dívidas do insolvente, em tanto quanto for possível, através da liquidação do respetivo ativo.
Estando pendente ação contra a insolvente, ora R. há que atender ao disposto nos artºs 85 a 90 do CIRE, quanto aos efeitos processuais da insolvência sobre as ações pendentes.
Nestes termos, dispõe o artº 85º, nº 1 que “declarada a insolvência, todas as ações em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, intentadas contra o devedor, ou mesmo contra terceiros, mas cujo resultado possa influenciar o valor da massa, e todas as ações de natureza exclusivamente patrimonial intentadas pelo devedor são apensadas ao processo de insolvência, desde que a apensação seja requerida pelo administrador da insolvência, com fundamento na conveniência para os fins do processo”.
Afirma-se, assim, o regime da plenitude da instância falimentar em relação às ações em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente intentadas contra o devedor ou mesmo contra terceiro, cujo resultado possa influenciar o valor da massa.
Não sendo o caso desta ação, ainda assim, deverão os credores do insolvente exercer os seus direitos no processo de insolvência se os quiserem ver apreciados e decididos, ainda que reconhecidos por decisão judicial.
Assim do disposto no artº 128 do CIRE, resulta que o credor que tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento.
Face ao teor desta norma, por maioria de razão se impõe a reclamação do crédito na insolvência quando ainda não exista sentença transitada a reconhecê-lo, sendo certo que a reclamação de créditos estrutura-se como uma verdadeira e própria ação declarativa, na qual se apreciará a existência e o montante do mesmo direito de crédito em discussão na ação declarativa (artºs 130º e seguintes).
Deste modo, os credores da insolvência, quaisquer que sejam, devem reclamar a verificação dos seus créditos, nos termos do art. 128º do CIRE, e dentro do prazo assinalado na sentença declaratória da insolvência (ou in casu na sentença que decretou o prosseguimento da liquidação judicial).
E mesmo o credor que tenha já reconhecido o seu crédito por decisão definitiva “não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento”, como resulta, expressamente, do disposto no nº 3 do art. 128.º
Deste preceito resulta evidente que com a declaração de insolvência do devedor, transitada em julgado, deixa de ter interesse o prosseguimento da ação para o reconhecimento de eventuais direitos de crédito, uma vez que os mesmos sempre terão de ser objeto de reclamação no processo de insolvência.
O que significa que mesmo proferida decisão de mérito nesta causa, ela de nada servirá à A. se não reclamar o seu crédito na falência e se nela não o vir reconhecido. Estando já reclamado este crédito, não existe interesse ou viabilidade na duplicação de decisões sobre esta matéria, uma vez que o juiz falimentar goza de competência plena para decidir estas questões, que se enquadram nos direitos de crédito sobre a insolvente.
Tal consideração, deu origem ao Ac. do STJ de Uniformização de Jurisprudência n.º 1/2014, de 08.05.2013, DR 39, Série I, de 25.02.2104, segundo o qual “Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a ação declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art. 287.º do C.P.C.”
Excluem-se deste caso, os créditos sujeitos a condição suspensiva, tendo em conta o disposto no artº 91, 94, 181 e o artº 50 do CIRE, o qual dispõe que
“1-Para efeitos deste Código consideram-se créditos sob condição suspensiva e resolutiva, respetivamente, aqueles cuja constituição ou subsistência se encontrem sujeitos à verificação ou à não verificação de um acontecimento futuro e incerto, por força da lei, de decisão judicial ou de negócio jurídico. 2 - São havidos, designadamente, como créditos sob condição suspensiva: a) Os resultantes da recusa de execução ou denúncia antecipada, por parte do administrador da insolvência, de contratos bilaterais em curso à data da declaração da insolvência, ou da resolução de atos em benefício da massa insolvente, enquanto não se verificar essa denúncia, recusa ou resolução; b) Os créditos que não possam ser exercidos contra o insolvente sem prévia excussão do património de outrem, enquanto não se verificar tal excussão; c) Os créditos sobre a insolvência pelos quais o insolvente não responda pessoalmente, enquanto a dívida não for exigível.”
Estes créditos cuja qualificação, no âmbito da insolvência, é muito mais abrangente, que o conceito do artº 270 do C.C., são aqueles cuja constituição está sujeita à verificação de um acontecimento futuro e incerto, que, por essa razão, não estão abrangidos pelo vencimento antecipado, constante do artº 90 nº1 do CIRE, sendo atendidos pelo seu valor nominal, devendo permanecer depositadas as quantias a que respeitam, até se verificar ou não a respetiva condição.
Ora, confundem manifestamente os AA., os créditos sob condição suspensiva e resolutiva, ou seja aqueles cuja subsistência está dependente de um acontecimento futuro e incerto, por força da lei, de negócio jurídico e também de decisão judicial, com créditos controvertidos.
Uns e outros não são manifestamente confundíveis, nem pretendeu o legislador englobar nestes créditos todos os peticionados em tribunal, muito menos considerar como acontecimento futuro ou incerto, a própria decisão judicial, ou melhor o resultado dessa decisão judicial que reconheça ou não o referido crédito.
Sendo invocado nos presentes autos a responsabilidade do BES enquanto instituição de crédito e intermediário financeiro, a verificação dos pressupostos desta responsabilidade e a determinação do valor a ressarcir e do sujeito devedor, equivale apenas ao reconhecimento da existência do crédito, por via judicial, mas não à declaração ou reconhecimento de uma condição suspensiva ou resolutiva.
Conforme referido no Ac. do T.R.Porto, de 05/03/09, proferido no proc. nº 565/08.9TYVNG, disponível para consulta in www.dgsi.pt, “Um crédito condicional não é um crédito controvertido, porquanto: crédito condicional é aquele que, existindo, não pode ainda ser exigido, pelo facto de não se ter ainda por verificada a condição; o crédito controvertido é “inexistente” – no sentido de não poder ser exigido –, até ser reconhecido, nomeadamente, por decisão transitada em julgado.”
Sendo este acórdão anterior à alteração introduzida ao artº 50 do CIR (Lei 12/2012 DE 20/04), mantém ainda a sua atualidade, em relação à distinção entre créditos condicionais e créditos controvertidos, não pretendendo o legislador com esta alteração considerar como créditos condicionais, todos os créditos discutidos por via judicial.
Se a configuração do crédito como condicional no âmbito da insolvência é mais abrangente do que a constante do artigo 270 do C.C., exige-se ainda e sempre que a constituição ou subsistência deste crédito esteja dependente da verificação de um acontecimento futuro e incerto.
Não é o caso, pelo que nenhuma razão existe, nem foi invocada, para considerar que este crédito invocado pelos AA., tem natureza condicional e assim, que a presente ação deva prosseguir os seus termos, contra a insolvente.
Conclui-se assim que, com a revogação da autorização para o exercício da atividade do BES (equiparada à declaração de insolvência), não impugnada nos termos previstos no artº 263 do TUE e assim definitiva, estamos perante uma inutilidade superveniente da lide, quanto a este R.»
A argumentação expendida pelo tribunal a quo não merece qualquer reparo.
Os apelantes confundem um crédito controvertido com um crédito condicional. Dispõe o Artigo 50º, nº1, do CIRE, que «Para efeitos deste Código consideram-se créditos sob condição suspensiva e resolutiva, respetivamente, aqueles cuja constituição ou subsistência se encontrem sujeitos à verificação ou à não verificação de um acontecimento futuro e incerto, por força da lei, de decisão judicial ou de negócio jurídico».
O segmento atinente à menção da decisão judicial foi introduzido pela Lei nº 16/2012. Conforme referem Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª Edição, 2015, pp. 306-307, «Em boa verdade, a inserção da decisão judicial entre os títulos geradores da condição, tendo, embora, um sentido esclarecedor, em nada contende com o regime do preceito. / Com efeito, já na redação primitiva, onde se pudesse constatar que a sujeição do crédito a condição suspensiva ou resolutiva, no sentido e com o alcance do nº1, derivava de decisão judicial, o crédito não poderia deixar de ser havido como condicional, para os efeitos do Código, quando menos por aplicação analógica, e por manifesta identidade de ratio decidendi.»
A alteração da redação ocorrida no nº1 do Artigo 50º visou, pois, esclarecer que fonte da condição poderá provir de uma decisão judicial (a par da lei e do negócio jurídico), realidade diversa de afirmar- conforme pretendem os apelantes – que a decisão judicial constitui em si uma condição suspensiva. Para efeitos do nº1 do Artigo 50º do CIRE, a decisão judicial não constitui um acontecimento futuro e incerto porquanto o crédito invocado pelos apelantes assenta em factos passados prévios à revogação da autorização para o exercício da atividade bancária pelo BES. Tratando-se de uma ação declarativa de condenação, a proceder a mesma, o tribunal emite um juízo declarativo ( e não constitutivo) sobre a (in) existência do direito alegado pelos autores (que, a existir, se constituiu no passado) e, em conformidade, pode condenar os Réus na prestação duma coisa ou facto – cf. Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, 3ª edição, p. 31. De forma alguma, a prolação de uma sentença condenatória com os referidos moldes integra, de per si, uma condição suspensiva.
Não colhe também a interpretação que os apelantes fazem do Artigo 128º do CIRE. Conforme referem Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª Edição, 2015, p. 520, «Da articulação do nº1 com o nº3, primeira parte, do artigo em anotação resulta que todos os credores da insolvência, qualquer que seja a natureza e fundamento do seu crédito, devem reclamá-lo no processo de insolvência, para aí poderem obter satisfação. / A formulação ampla da primeira parte do nº3 é corroborada pela sua segunda parte que, à semelhança do que estatuía o nº3 do art. 188º do CPEREF, não dispensa a reclamação dos créditos que tenham sido reconhecidos por decisão definitiva, se os seus titulares pretenderam ser pagos no processo, à custa da massa insolvente.»
O argumento estribado na celeridade do processo de insolvência é impertinente porquanto a lei é taxativa quanto à necessidade de reclamação, sendo o processo de insolvência o local próprio para tal efeito – cf. Artigo 128º e seguintes do CIRE. Mesmo que esta ação prosseguisse de nada valeria aos apelantes uma eventual sentença condenatória contra o BES porquanto, nos termos do Artigo 88º, nº1, do CIRE, os Autores não poderiam executar o BES ( «obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer ação executiva intentada pelos credores da insolvência»).
Acresce que, a admitir-se o prosseguimento desta ação contra o BES, estar-se-ia a violar o princípio par conditio creditorum na medida em que os credores que obtivessem sentenças condenatórias contra o BES estariam numa situação privilegiada face àqueles que se limitassem (em cumprimento da lei) a reclamar os seus créditos no processo de insolvência, estando estes sujeitos a impugnação judicial ao contrário daqueles (cf. Artigo 130º, nº1 do CIRE). Tal bifurcação de vias de reclamação de créditos está expressamente vedada pelo Artigo 90º do CIRE do qual decorre que «para poderem beneficiar do processo de insolvência e aí obterem na medida do possível, a satisfação dos seus interesses, os credores têm de neles exercer os direitos que lhes assistem, procedendo, nomeadamente, à reclamação dos créditos de que sejam titulares, ainda que eles já se encontrem reconhecidos em outro processo (…)» - Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª Edição, 2015, p. 438. Esta norma impõe, inelutavelmente, a concentração num único processo das pretensões de todos os credores, o que constitui uma consequência do princípio da par conditio creditorum."
[MTS]