Prova testemunhal;
apreciação
1. O sumário de RL 22/2/2018 (2606/16.7T8CSC.L1-6) é o seguinte:
I.– Colocado o tribunal recorrido perante depoimentos testemunhais coerentes, detalhados e explicativos, duma parte, e perante depoimento testemunhal em sentido contrário, produzido por testemunha manifestamente empenhada em demonstrar a sua razão, e destarte a razão da parte que a oferece, não se evidencia existir, na prova de factos com base no primeiro grupo, erro notório que deva levar à alteração da decisão de facto.
II.– Na indemnização por danos decorrentes de acidente de viação, duma seguradora à proprietária empresa de transportes, os juros devidos devem ser calculados à taxa civil e não comercial.
I.– Colocado o tribunal recorrido perante depoimentos testemunhais coerentes, detalhados e explicativos, duma parte, e perante depoimento testemunhal em sentido contrário, produzido por testemunha manifestamente empenhada em demonstrar a sua razão, e destarte a razão da parte que a oferece, não se evidencia existir, na prova de factos com base no primeiro grupo, erro notório que deva levar à alteração da decisão de facto.
II.– Na indemnização por danos decorrentes de acidente de viação, duma seguradora à proprietária empresa de transportes, os juros devidos devem ser calculados à taxa civil e não comercial.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"Quanto à matéria de facto não provada, e em concreto quanto às temáticas relativas à qualidade do pára-brisas colocado, ao valor do conjunto óptico também colocado, aos trabalhos de pintura/publicidade e às horas trabalhadas no que toca aos trabalhos de electricista, chapeiro, carpinteiro, estofador, mecânico e serralheiro:
Ouvido atentamente o julgamento, temos de secundar o tribunal recorrido quando afirma que as testemunhas JT, director da S. e PA depuseram de modo claro, abrangente, e isento. Sem dúvida, o primeiro defende o orçamento que fez, mas explica-o detalhadamente. O segundo é ainda mais valioso, pois pertencendo justamente à área de manutenção e reparação da frota do Grupo Barraqueiro, de que a Autora faz parte, explica que o orçamento pode ter sido exagerado nalguns aspectos mas noutros pecou por defeito, de modo que, em linguagem simples, umas coisas deram para as outras e o preço final foi considerado equilibrado e ajustado. E aqui VP acabou por explicar que na reparação de autocarros não há tabela de tempos, ao contrário do que sucede para os ligeiros, onde o fabricante emite tal tabela com base nos tempos de construção, e que deste modo não há um guião seguro, e explicou ainda que os carroçadores são portanto pessoas que trabalham, dizemos nós, “à moda antiga”, ou seja, que os orçamentos não podem ser absolutamente rigorosos, ou dito ainda de outro modo, que é natural que o carácter “artesanal” do orçamento esqueça umas despesas e aumente demais noutras, sendo que o resultado final, a média, é afinal aquilo que interessa ao cliente. Ora, deste lado – da Autora – e em concreto de Freire de Andrade, o que temos não é um cliente leigo, mas quem gere a manutenção duma frota de 700 veículos, pessoa que por isso tem uma boa noção se o preço global apresentado no orçamento é aceitável ou exagerado.
O tribunal foi porém posto perante um depoimento geralmente contrário ao que resultaria da conjugação destes dois, isto é, foi posto perante o depoimento de VP, que é sobre ele que assenta o essencial da impugnação no presente recurso. É verdade que VP até concedeu na defesa intransigente do “seu” relatório, quando admite que não pode garantir que afinal a borracha do pára-brisas tivesse sido aproveitada, ou quando admite que as empresas têm margem de lucro sobre produtos aplicados e fabricados por outrem, isto é, que os preços que a sua empresa recolheu junto dos fornecedores de materiais/peças aplicados na reparação possam afinal não ser exactamente iguais aos informados por estes fornecedores.
Mas é facto manifesto que VP produziu um depoimento assaz perturbador, pela defesa intensa do seu relatório, afirmando ter comparecido de propósito na audiência para defender o seu relatório, o que faria menos bem por vídeo-conferência. E mais perturbador se revela quando Vasco afirma que é um profissional não só competente mas isento, ou seja, que na sua opinião o avaliador tem de ser imparcial perante as partes. Desejável assim seria, mas o facto é também que Vasco pertence a uma empresa que se dedica precisamente a prestar serviços para a Ré e sabe, por isso, que a defesa insistente do seu relatório serve só – e provavelmente é a única prova valiosa – a provar a tese da aqui Ré. Por isso, e mesmo sem contar com o “ataque”, salvo o devido respeito, com que se iniciou a contra-instância, que mereceu até um reparo da Mmª Juiz, todo o seu depoimento acaba por revelar precisamente o contrário do que afirma, ou seja, uma falta de isenção e de imparcialidade.
Ora, perante duas testemunhas serenas e credíveis e perante uma testemunha contrária revelando parcialidade, não se pode dizer que o tribunal recorrido tenha cometido erro notório na apreciação da prova."
[MTS]