"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



09/07/2018

Jurisprudência 2018 (55)


Processo executivo;
competência material


1. O sumário de RP 11/4/2018 (1789/16.0T8MAI.P1) é o seguinte: 

O juízo de execução é incompetente em razão da matéria para uma ação executiva para pagamento de quantia certa instaurada pela Caixa de Previdência B… contra um seu beneficiário, com base em certidão de dívida por si emitida.

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte: 

"São apenas as questões suscitadas pelos recorrentes e sumariadas nas respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar – artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do novo C.P.C.

A questão a decidir consiste em saber se o juízo de execução é o tribunal competente em razão da matéria para a ação executiva instaurada pela Caixa de Previdência B…, com base em certidão de dívida emitida por esta.

I. No plano interno, no dizer de A. Varela, «o poder jurisdicional começa por ser dividido por diferentes categorias de tribunais, de acordo com a natureza da matéria das causas.

A competência em razão da matéria distribui-se deste modo por diferentes espécies ou categorias de tribunais que se situam no mesmo plano horizontal, sem nenhuma relação de hierarquia (de subordinação ou dependência) entre elas». Manual de Processo Civil, pág. 197.

É um pressuposto processual, ou seja, uma condição necessária para que o tribunal se possa pronunciar sobre o mérito da causa. A competência é aferida em relação ao objeto da ação, tal como é apresentado pelo autor na petição inicial.

Como salienta Manuel de Andrade, «a competência do tribunal não depende, pois, da legitimidade das partes nem da procedência da acção. É ponto a resolver de acordo com a identidade das partes e da pretensão do autor (compreendidos aí os respetivos fundamentos), não importando averiguar quais deviam ser as partes e os termos dessa pretensão». Noções Elementares de Processo Civil, pág. 91.

Para fundamentar a incompetência em razão da matéria do juízo de execução, a decisão recorrida considerou que, dada a natureza da exequente, enquanto pessoa coletiva de direito público, emerge de uma relação jurídica administrativa e fiscal e não de uma relação de direito privado.

Nos termos do artigo 40º, nº 1, da Lei nº 62/2013, de 26.8 (Lei da Organização do Sistema Judiciário – LOSJ), os tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.

Aos juízos de execução, de acordo com o disposto no artigo 129º, nº 1, do mesmo diploma, compete exercer, no âmbito dos processos de execução de natureza cível, as competências previstas no Código de Processo Civil, com as exclusões previstas nos nºs 2 e 3.

Por sua vez, o artigo 144º, nº 1, da citada lei, estabelece que aos tribunais administrativos e fiscais compete o julgamento de litígios emergentes de relações jurídicas administrativas e fiscais.

Delimitando o âmbito da jurisdição administrativa, o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, no artigo 4º, nº 1, alínea o), dispõe que compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a relações jurídicas administrativas e fiscais que não digam respeito às matérias previstas nas alíneas anteriores.

Conforme resulta do artigo 1º do Anexo ao Decreto-Lei nº 119/2015, de 29.6 (Novo Regulamento da Caixa de Previdência B…), a apelante é uma instituição de previdência autónoma, com personalidade jurídica, regime próprio e gestão privativa, que visa fins de previdência e de proteção social dos B1… e dos B2… da B3…, que se rege pelo aludido regulamento e, subsidiariamente pelas bases gerais do sistema de segurança social e pela legislação dela decorrente, com as necessárias adaptações. Trata-se de uma pessoa coletiva pública, sujeita a tutela por parte do Governo – artigo 97º do citado decreto-lei nº 119/2015 –, integrando-se na administração autónoma.

Como se refere no Acórdão de Tribunal de Conflitos de 27.04.2017, proferido no âmbito do processo nº 037/16 «a Caixa de Previdência B… (B…), pessoa colectiva pública que tem por fim estatutário conceder pensões de reforma aos seus beneficiários e subsídios por morte às respectivas famílias, prossegue finalidades de previdência e, consequentemente realiza uma função de segurança social, estando incluída na organização desta e sujeita desde sempre à legislação que a regula, ainda que de forma subsidiária». in www.dgsi.pt.

Está em causa a cobrança coerciva de contribuições obrigatórias para um regime de segurança social que, dada a natureza da exequente como pessoa coletiva pública emerge de uma relação jurídica administrativa e fiscal.

Como tal, no âmbito das contribuições exigidas nesta execução, a exequente atua na veste de autoridade pública, com vista à realização do interesse público legalmente definido, o que determina a competência dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal.

De resto, a posição de que tais contribuições obrigatórias devem ser coercivamente realizadas em execução fiscal foi a unanimemente seguida no citado acórdão do Tribunal de Conflitos de 27.04.2017, proferido no âmbito do processo nº 037/16; no acórdão daquele mesmo Tribunal, de 1.2.2018; no acórdão da Relação do Porto, de 20.6.2016, e, mais recentemente, no acórdão de 5.2.2018, proferido no processo nº 785/17.5T8OVR.P1, desta secção.

Finalmente, podendo a apelante exigir em execução fiscal o pagamento das contribuições obrigatórias que lhe sejam devidas, não se verifica qualquer violação do disposto no artigo 20º, nº 1, da CRP, que assegura o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos respectivos direitos e interesses legalmente protegidos."

3. [Comentário] No mesmo sentido -- que é o único compatível com o regime legal --, cf., por exemplo, RP 11/4/2018 (7519/16.0T8PRT-A.P1). 

MTS