"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



24/07/2018

Jurisprudência (846)

 
Recorribilidade; valor da causa;
irrelevância

 
1. O sumário de STJ 20/12/2017 (2841/16.8T8LSB.L1.S1) é o seguinte:
 
I – Em matéria de acções que visem a apreciação da legalidade e licitude de despedimentos a lei processual admite sempre recurso de apelação independentemente do valor da causa (cf. art. 79º do CPT). Trata-se de uma medida que, constituindo uma excepção à regra geral que decorre do art. 629º do CPC, visa assegurar o segundo grau de jurisdição atenta a natureza e o objecto de tais acções em que está em causa essencialmente a manutenção ou a extinção da relação jurídico-laboral. Por isso, nessas acções, numa primeira fase, é relativamente indiferente o valor que seja indicado pelas partes ou que seja fixado pelo Juiz, já que seja qual for o teor da decisão proferida a mesma é sempre impugnável para o Tribunal da Relação.

II – Porém, o preceito específico do foro laboral (o citado art. 79º) não afasta a aplicação de outras normas, designadamente as que regulam o modo de interposição dos recursos de revista e revista excepcional, as condições de admissibilidade do recurso e o prazo de interposição para esse efeito, nos termos dos arts. 629º, 671º, nº 3 e 672º, nº 1, todos do CPC.

III – A lei processual civil consagra, quanto à admissibilidade de recurso, um regime que o faz depender,cumulativamente, do valor da causa (alçada) e do valor da sucumbência (da perda, do decaimento relativamente ao(s) pedido(s) formulado(s)), relevando, no entanto, apenas aquele, em caso de fundada dúvida sobre este.

IV – No presente caso a Reclamante/Recorrente invoca a contradição do Acórdão recorrido com outros Acórdãos proferidos pelos Tribunais da Relação do Porto, Coimbra e Guimarães (art. 629º, nº 2, alínea d), do CPC). Sucede que, para além da existência da contradição de Acórdãos no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, o art. 629º, n.º 2, al. d), exige também que do Acórdão recorrido “… não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal…”. Nessa medida, a previsão do art. 629º, n.º 2, al. d), do CPC, não é aplicável ao caso
sub judice, uma vez que o Acórdão recorrido não é passível de recurso ordinário justamente por causa da alçada do Tribunal e não por qualquer outro motivo legal estranho àquele requisito.

V – O recurso de revista excepcional não constitui uma modalidade extraordinária de recurso, mas antes um recurso ordinário de revista, criado pelo legislador, na reforma operada ao Código de Processo Civil, com vista a permitir o recurso nos casos em que o mesmo não seja admissível em face da dupla conformidade de julgados, nos termos do art. 671º, nº 3, do CPC, e desde que se verifique um dos requisitos consagrados no art. 672º, nº 1, do mesmo Código. Por conseguinte, a sua admissibilidade está igualmente dependente da verificação das condições gerais de admissão do recurso de revista, como sejam o valor da causa e o da sucumbência, exigidas nos termos enunciados pelo nº 1, do art. 629º, do CPC.
 
2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte: 
 
"3. Nos termos do art. 629.º, n.º 1, do Novo Código de Processo Civil (NCPC), «(…) o recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo-se, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, somente ao valor da causa».

Daqui decorre que a lei processual civil consagra, quanto à admissibilidade de recurso, um regime que o faz depender, cumulativa e simultaneamente, do valor da causa (alçada) e do valor da sucumbência (da perda, do decaimento relativamente ao(s) pedido(s) formulado(s), relevando, no entanto, apenas aquele, em caso de fundada dúvida sobre este. [...]

Atentos os termos em que foi fixado pela 1.ª instância (cf. fls. 418, do 2º Vol.), o valor da causa corresponde, como se disse, a € 2.000,00.

Ou seja, o valor da causa fixado nos presentes autos não é superior ao valor da alçada do Tribunal da Relação.

O que, desde logo, ponderada esta vertente, determina o não recebimento do recurso.

Sendo certo que o valor atendível para quaisquer efeitos não pode deixar de ser aquele que foi fixado por decisão judicial que, nessa parte, transitou em julgado.

Neste contexto, uma vez que o referido valor se integra na alçada da Relação e não existe qualquer norma especial que confira à parte vencida o acesso excepcional ao Supremo Tribunal de Justiça independentemente desse valor da causa, não há forma de ultrapassar aquele obstáculo e admitir o recurso que o A. interpôs e que foi rejeitado com esse fundamento.

4. E o facto de se tratar de um recurso de revista excepcional não altera a conclusão a que se chegou nos pontos anteriores.

Desde logo porque o recurso de revista excepcional não constitui uma modalidade extraordinária de recurso, mas antes um recurso ordinário de revista, criado pelo legislador, na recente reforma ao Código de Processo Civil, com vista a permitir o recurso nos casos em que o mesmo não seja admissível por existir uma situação de dupla conformidade de julgados, nos termos dos arts. 671º, nº 3 e 672º, nº 1, ambos do CPC.

Por conseguinte, a sua admissibilidade está dependente, antes de mais, das condições gerais de admissibilidade do recurso de revista, como sejam o valor da causa e o da sucumbência, exigidas, nos termos em que se enunciou, pelo nº 1 do art. 629º do CPC.

Não dispensa, pois, a verificação desses pressupostos gerais de admissão do recurso, para além de que deve inscrever-se num dos requisitos plasmados nas três alíneas do nº 1, do citado art. 672º, cuja apreciação liminar e aferição compete à Formação constituída nos termos instituídos pelo nº 3 da mesma norma do CPC.

Neste sentido se consolidou a Jurisprudência deste Supremo Tribunal, em inúmeros Acórdãos provenientes da Formação estabelecida no nº 3, do art. 672º, do CPC, em matéria cível, que podem ser consultados em www.dgsi.pt.

Da Secção Social do STJ citam-se, a título meramente exemplificativo, os seguintes Acórdãos: de 18/12/2013, processo nº 108/10.4TTALM.L1.S1; de 14/01/2015, processo nº 479/13.0TTPTM.E1.S1; e de 21/4/2016, Processo nº 332/13. 8TBHRT.L1.S1.

Fixado, in casu, o valor da causa no montante já referido, que é inferior à alçada da Relação, tem de se concluir igualmente pela inadmissibilidade do recurso de revista excepcional.

5. Resulta do articulado apresentado pelo Autor Reclamante que este invocou a contradição entre o Acórdão recorrido e outros Acórdãos proferidos por diversas Relações, nos termos por nós aduzido no ponto 4. do Relatório deste Acórdão, argumentando que o recurso devia ser admitido nos termos da alínea d), do nº 2, do art. 629.º, do NCPC, porquanto considera que tendo alegado contradição entre Acórdãos são dispensáveis os requisitos quer do valor da causa, quer o valor da sucumbência, não relevando ambos para efeitos de admissibilidade do recurso.

Porém, não lhe assiste razão.

Com efeito, a previsão do art. 629º, n.º 2, al. d), do Novo Código de Processo Civil, não tem aplicação ao caso sub judice e, nessa medida, o recurso não pode ser admitido em virtude de o valor da causa não exceder o valor da alçada do Tribunal da Relação.

Explicitando.

6. Conforme já assinalámos, o valor da presente causa não é superior ao da alçada do Tribunal da Relação, pelo que o recurso só poderia ser admissível caso se verificasse alguma das situações a que alude o art. 629º, n.º 2, do NCPC, uma vez que se tem por adquirido que o caso dos autos não integra nenhuma das situações previstas no n.º 3 do mesmo normativo.

Ora, o art. 629.º, n.º 2, estabelece o seguinte:

«2 - Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso: [...]

d) Do Acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido Acórdão de Uniformização de Jurisprudência com ele conforme. [...]

No caso em apreço, a Recorrente invoca a contradição do Acórdão recorrido com outros Acórdãos, nomeadamente, com os proferidos pelos Tribunais da Relação do Porto, de Coimbra e de Guimarães.

Sucede que, para além da existência da contradição de Acórdãos no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, o art. 629º, n.º 2, al. d), exige também que do Acórdão recorrido “… não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal…”.

Ora, in casu, não cabe recurso ordinário do Acórdão recorrido justamente porque o valor da acção não excede o valor da alçada do Tribunal da Relação.

O mesmo é dizer que a previsão do art. 629º, n.º 2, al. d), do Novo Código de Processo Civil, não é aplicável ao caso concreto, uma vez que o Acórdão recorrido não é passível de recurso ordinário justamente por causa da alçada do Tribunal e não por qualquer outro motivo legal estranho àquele requisito.

7. Este normativo gerou algumas dificuldades de interpretação, ab initio, aquando da aprovação do Novo Código de Processo Civil, não obstante alguns Autores terem alertado, desde a sua publicação, para o facto de que a interpretação da norma não prescindia do valor da alçada do Tribunal.

E inclusivamente não se confunde com o art. 672º, nº 1, alínea c), do CPC, que permite a interposição do recurso de revista excepcional, desde que, naturalmente estejam preenchidos os respectivos pressupostos legais, e um dos quais constitui exactamente esse: a causa deve ter valor superior ao da alçada da Relação.

A este propósito, pode ler-se, em António Abrantes Geraldes, a seguinte explicitação sobre o sentido da norma em análise [Cf. António Santos Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Ano 2017, Almedina, 4ª Edição, págs. 56 e segts. [...]]:

“Ao invés do que faria supor a integração da alínea no proémio do nº 2, a admissibilidade do recurso, por esta via especial, não prescinde da verificação dos pressupostos gerais da recorribilidade em função do valor da causa ou da sucumbência, pois só assim se compreende o segmento referente ao “motivo estranho à alçada do Tribunal”.

E complementa com uma referência de igual sentido corroborada por Miguel Teixeira de Sousa:
 
"Entendimento também acolhido por Teixeira de Sousa, em comentário ao Ac. do STJ, de 2/06/2015, que pode ser consultado em blogippc.blogspot.pt., datado de 24/06//2015 (reforçado no comentário ao Ac. do STJ, de 16/06/2015, datado de 15/07/2015), onde se refere, além do mais, que “o regime instituído no art. 629º, nº 2, al. d), não se basta com uma mera contradição entre acórdãos das Relações, pelo que o preceito só é aplicável nos casos em que, apesar de a revista ser admissível nos termos gerais, se verifica uma irrecorribilidade estabelecida na lei”.

De salientar que este entendimento tem sido sufragado pelo STJ, onde ainda, recentemente, citando-se a doutrina dos referidos Autores [Ibidem, António Santos Abrantes Geraldes, bem como Amâncio Ferreira, em Manual dos Recursos em Processo Civil”, numa Edição de 2002, pág. 104, citados no Acórdão do STJ] se concluiu nos mesmos termos:

“I. A interpretação do disposto no artigo 629.º, n.º 2, alínea d), do CPC, mais conforme com a razão teleológica que lhe subjaz, com a unidade do sistema recursório de uniformização e como o factor histórico-evolutivo do instituto em referência é no sentido de que a admissibilidade irrestrita de recurso com o fundamento ali previsto se confina aos casos em que o recurso ordinário fosse admissível em função da alçada ou da sucumbência, se não existisse motivo a estas estranho”. [Cf. Acórdão do STJ, da 2ª Secção Cível, datado de 24/11/2016, proferido no âmbito do processo nº 1655/13.TJPRT.P1.S1, Relatado por Tomé Gomes, e disponível em www.dgsi.pt. [...]].

Por conseguinte, o recurso interposto nos autos também não pode ser admitido à luz desta norma.
 
 8. Dir-se-á também, que os argumentos que o Reclamante alinhou nesta reclamação para a Conferência, tendente a inverter a decisão proferida pela ora Relatora, não determinam uma modificação do resultado a que se chegou.

Com efeito, nem a lei ordinária nem a Constituição da República Portuguesa têm interferência decisiva para a decisão do caso, nem permitem que se conclua em sentido contrário ao aqui pugnado, nem a interpretação que se fez das normas citadas colide com qualquer princípio constitucional.

Não se contesta que a lei processual admite sempre o segundo grau de jurisdição, em sede recursória, em acções relacionadas com a apreciação da legalidade e licitude do despedimento individual – cf. art. 79º do CPT.

Mas esse preceito específico do foro laboral não afasta a aplicação de outras normas, designadamente as que regulam o modo de interposição do recurso de revista e revista excepcional, nos termos dos arts. 629º, 671º, nº 3 e 672º, nº 1, todos do CPC, as condições de admissibilidade de recurso e o prazo de interposição para esse efeito.

Daí que, no âmbito laboral, ainda que o valor da causa possa ser fixado a final pelo Juiz, nos termos do art. 98º, nº 2-P, do CPT, se se verificar que o valor foi fixado anteriormente pelo Juiz, aquando da prolação da sentença da 1ª instância, não tendo tal valor sido alterado depois disso, nem suscitada a alteração por nenhuma das partes, não pode o STJ atender, para efeitos de recurso, a outro valor que não àquele que se mostra já definitivamente fixado pelo Juiz da 1ª instância, porque transitado em julgado.

Neste sentido, vide também, o Acórdão do STJ, desta Secção, datado de 29/10/2015, proferido no âmbito do Proc. nº 478/11.7TTVRL.G1-A.S1, Relatado por Mário Belo Morgado e disponível em www.dgsi.pt. [...]."
 
[MTS]