Articulado superveniente;
facto complementar
1. O sumário de RL 22/2/2018 (1951/07.7TBTVD-A.L1-6) é o seguinte:
I.– O articulado superveniente, tendo por desiderato permitir que a sentença venha a corresponder à situação existente no momento do encerramento da discussão, serve tão só para carrear par os autos os factos essenciais a que alude o artº 5º, nº1, do CPC;
II.– Desde que tempestivamente apresentado, o articulado superveniente só poderá ser liminarmente rejeitado pelo Juiz caso a factualidade nova nele vertida, e obviamente tendo sempre em consideração as várias soluções plausíveis da questão de direito, manifestamente nenhum interesse têm para a boa decisão da causa.
III.– Invocando a parte a superveniência subjectiva do facto, pode ainda o articulado superveniente onde é ele alegado ser objecto de rejeição liminar caso a respectiva apresentação tardia seja imputável à parte, ou seja, quando tudo aponte [v. g. em razão, pela sua própria natureza, da respectiva facilidade de acesso/apreensão pela parte] para que não tenha a mesma cuidado e diligenciado no sentido de obter o pertinente facto atempadamente.
I.– O articulado superveniente, tendo por desiderato permitir que a sentença venha a corresponder à situação existente no momento do encerramento da discussão, serve tão só para carrear par os autos os factos essenciais a que alude o artº 5º, nº1, do CPC;
II.– Desde que tempestivamente apresentado, o articulado superveniente só poderá ser liminarmente rejeitado pelo Juiz caso a factualidade nova nele vertida, e obviamente tendo sempre em consideração as várias soluções plausíveis da questão de direito, manifestamente nenhum interesse têm para a boa decisão da causa.
III.– Invocando a parte a superveniência subjectiva do facto, pode ainda o articulado superveniente onde é ele alegado ser objecto de rejeição liminar caso a respectiva apresentação tardia seja imputável à parte, ou seja, quando tudo aponte [v. g. em razão, pela sua própria natureza, da respectiva facilidade de acesso/apreensão pela parte] para que não tenha a mesma cuidado e diligenciado no sentido de obter o pertinente facto atempadamente.
2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
"3.– Motivação de Direito.
3.1.- Se deve a decisão apelada ser revogada, impondo-se a prolação pelo a quo de despacho liminar de admissão do articulado superveniente apresentado pelos apelantes.
Porque de normativos se trata[...] que são essenciais e decisivos para aferir do “mérito” da apelação interposta pelos recorrentes - da decisão interlocutória proferida a em 14/07/2017 pelo tribunal a quo, e de rejeição de articulado superveniente - , importa antes de mais recordar o que, sobre a referida matéria, dispõem as disposições legais do CPC a seguir mencionadas.
Ora, começando pelo respectivo artº 588º, reza ele que:
“1.–Os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão. [...]
4.– O juiz profere despacho liminar sobre a admissão do articulado superveniente, rejeitando-o quando, por culpa da parte, for apresentado fora de tempo, ou quando for manifesto que os factos não interessam à boa decisão da causa ; ou ordenando a notificação da parte contrária para responder em 10 dias, observando-se ,quanto à resposta, o disposto no artigo anterior. (…)”.
1- Sem prejuízo das restrições estabelecidas noutras disposições legais, nomeadamente quanto às condições em que pode ser alterada a causa de pedir, deve a sentença tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à proposição da acção, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão.
2- Só são, porém, atendíveis os factos que, segundo o direito substantivo aplicável, tenham influência sobre a existência ou conteúdo da relação controvertida “.
Analisando ambas as disposições legais acabadas de transcrever, parcialmente, dir-se-á que, para que o comando do nº 1 da disposição legal referida em último lugar seja observado, obrigado está porém a parte, em obediência de resto ao princípio dispositivo vertido no artº 5º, nº1, do CPC, de carrear para os autos os competentes factos, o que pode/deve fazer em articulado superveniente, maxime quando decorrido já o timing para apresentação do último articulado admissível, e, bem assim, quando em causa estejam factos que, além de não notórios, do respectivo conhecimento não tenha outrossim o tribunal conhecimento por virtude do exercício das suas funções.
Mas, uma vez apresentado, e como decorre o supra citado nº 4 do artº 588º do CPC, havendo obrigatoriamente lugar à prolação de despacho liminar atinente à respectiva admissibilidade, será ele necessariamente de rejeição caso se verifique existir qualquer um dos fundamentos taxativamente nele previstos, a saber: a extemporaneidade do articulado ou a sua manifesta impertinência, por os factos alegados não interessarem à decisão da causa [...].
Postas estas breves considerações, e prima facie, retira-se do teor do despacho apelado que não se baseou de todo a Exmª Juiz a quo, para determinar a rejeição do articulado superveniente apresentado pelos apelantes, no fundamento legal atinente à manifesta impertinência para a decisão da causa dos poucos factos no mesmo alegados. [...]
Consequentemente, e à partida, importa considerar como afastado o segundo dos fundamentos do nº 4 do artº 588º do CPC, ou seja, integrar tão só [quando muito, apenas o facto relacionado com a ocorrência em momento anterior e no mesmo local do acidente dos autos de um outro acidente, porque mero facto instrumental, logo, não necessariamente sujeito à respectiva alegação pela parte em articulado superveniente - cfr. artº 5º, nº2, do CPC - será de considerar insusceptível de legitimar a apresentação de um articulado superveniente] o articulado superveniente dos apelantes, e manifestamente, factualidade superveniente que de todo não tem qualquer interesse para a boa decisão da causa. [Ac. de 14/4/2014, do Tribunal da Relação de Guimarães, Proc. nº 387/11.0TBPTL-B.G1, do qual fomos outrossim o respectivo relator, e in www.dgsi.pt].
Resta, assim, a possibilidade de in casu verificar-se a primeira parte da previsão do nº 4 do artº 588º do CPC, ou seja, ter o articulado superveniente sido apresentado fora de tempo por culpa da parte, fundamento este que, aliás, foi como vimos já, precisamente o decisivo para a rejeição pelo tribunal a quo do articulado superveniente. [...]
Ora, a justificar a verificação do referido fundamento de rejeição, recorda-se, discorreu a Exmª Juiz a quo, na decisão apelada, e em parte, nos seguintes termos (sic): [...]
“[...] Quanto ao outro facto alegado relativo ao "erro de projecto ou de construção do raio da curva", baseado no depoimento da testemunha Eng. Francisco … .
O raio da curva que nos presentes autos poderia ter relevância é, naturalmente, o raio existente na data do acidente, cujas supostas características podiam e deviam ter sido alegadas na petição inicial. Pelo Autores, aquando da propositura da acção, identificaram com precisão o local do acidente, tendo-o inclusivamente descrito, bem como às situações do local na hora do acidente (quanto às condições atmosféricas e de luminosidade).
Da mesma forma poderiam e deveriam ter alegado, naquele momento, que o raio da curva violava as normas de projecto ou de construção e que esse raio fora a causa do acidente. Como se disse quanto ao outro facto alegado, cabia aos Autores efectuar todas as diligências tendentes ao apuramento das causas do acidente e alegá-las enquanto causa de pedir.
Alegam os Autores que apenas na data da sessão de julgamento de 20 de Abril de 2017 tomaram tal conhecimento pelo que não o poderiam ter alegado antes.
Não entende o Tribunal que os Autores tenham razão também neste conspecto.
Do depoimento prestado pela testemunha Eng. Francisco …. , e questionado o mesmo directamente quanto a isto, foi directamente esclarecido o Tribunal de que o Sr. Engenheiro fez o estudo que lhe foi pedido pelos Autores no ano de 2015 e que de imediato, logo nessa altura de 2015, relatou as suas conclusões ao Autor, pelo que ainda que não tivessem tido conhecimento do alegado facto em momento anterior pelo menos em 2015 tiveram.
Assim, facilmente se conclui que também nesta vertente o alegado facto superveniente só agora é trazido aos autos por culpa dos Autores. “
Ora bem.
Como bem se nota em douto Ac. proferido por este mesmo Tribunal da Relação de Lisboa [Ac. de 21/3/2012, Proc. nº 3103/08.0TVLSB.L1-8, sendo Relatora ANA LUÍSA GERALDES, e in www.dgsi.pt.], não tendo o legislador esclarecido em que termos deveria ser entendida a referida asserção valorativa [quando entender que o articulado superveniente é apresentado fora de tempo por culpa da parte], em última instância caberá ao julgador, caso a caso, quando confrontado com os factos alegados, formular o juízo sobre a existência de culpa da parte, designadamente ponderar se é o articulado apresentado fora de tempo apenas porque não cuidou e diligenciou a parte no sentido de obter os pertinentes factos atempadamente.
Dito de uma outra forma, apenas quando se reconheça que a parte desconhecia , sem culpa ou sem negligência grave um facto, e unicamente por tal razão não o alegou - em tempo - no respectivo articulado, é que se deve aceitar não ficar ele precludido, podendo ser atendido e carreado para o objecto do processo através da apresentação pela parte interessada de um articulado superveniente. [...]
E, já a asserção valorativa referida [“fora de tempo por culpa da parte ], apenas passou a integrar a previsão do nº 4, do então artº 506º, do CPC, com a reforma operada pelo DL nº 329º-A/95, de 12/12, justificando o legislador - no preâmbulo do referido diploma legal - que da superveniência subjectiva importava arredar/excluir as situações de atitude culposa da parte que dos novos factos pretenda socorrer-se .
Em consequência da referida alusão e restrição reportada especificamente para a superveniência subjectiva, e compreensivelmente, tem a doutrina vindo a sustentar que, pretendendo a parte lançar mão de um articulado superveniente, e quando em causa esteja um facto apenas subjectivamente superveniente, carece a mesma de alegar e provar que não lhe é a mesma - a superveniência - imputável. [Cfr. José Lebre de Freitas, in Acção Declarativa Comum, à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3ª Edição, Coimbra Editora, pág. 148 nota 18, e em Código de Processo Civil Anotado, Vol 2º, 2ª Edição, Coimbra Editora, pág. 372].
Ou seja, só quando a parte interessada não tenha oportunamente e em tempo tomado conhecimento dos factos devido a uma sua atitude negligente [Cfr. Jorge Pais do Amaral, in Direito Processo Civil , 2016, 12ª Edição, Almedina, pág. 261], e em sede de despacho liminar, não se justifica a rejeição do articulado.
Isto dito, e compulsados os autos, descortina-se que na presente acção está em causa o apuramento das causas, consequências e responsabilidades decorrentes de um sinistro/acidente de viação ocorrido há mais de 10 anos !!, porque teve lugar em meados do ano de 2006, e tendo a acção sido intentada em 16/7/2017, e, a justificar o articulado superveniente, e na parte relacionada com o facto superveniente de “no local do acidente o raio da curva em planta ser de 550 metros“, invocam sobremaneira os apelantes o depoimento prestado em audiência do dia 20/4/2017, por uma testemunha. [...]
Tudo isto vem precisamente a propósito do alegado desconhecimento - justificado e aceitável , no entender dos AA - das condições desadequadas da via no local do acidente, e pelos AA invocado. [...]
Tudo visto e ponderado, e concluindo, porque dos poucos (apenas 2) factos alegados no articulado superveniente, um é meramente instrumental e, o outro, apenas é introduzido no objecto do processo fora de tempo por culpa da parte, bem andou portanto o tribunal a quo em rejeitar o articulado superveniente - nos termos do artº 588º,nº 4, do CPC."
3. [Comentário] a) Atendendo a que, como, aliás, o acórdão bem refere, nos articulados supervenientes só podem ser alegados factos constitutivos, modificativos ou extintivos (cf. art. 588.º, n.º 1, CPC) e a que a alegação de um erro grave no traçado da curva na qual se verificou o acidente deve ser entendida como respeitante a um facto complementar (e não a um facto integrante da causa de pedir), há que concluir, salvo o devido respeito, o seguinte:
-- A parte demandante não esteve bem, porque, em vez de ter apresentado um articulado superveniente, deveria ter requerido que o tribunal considerasse o facto complementar adquirido na audiência de julgamento através do depoimento da testemunha (cf. art. 5.º, n.º 2, al. b), CPC);
-- A 1.ª instância e a RL não estiveram bem, porque, em vez de terem rejeitado o articulado superveniente, deviam ter convolado este articulado em requerimento de aproveitamento do facto complementar relatado pela testemunha.
b) Para demonstrar que o referido facto não integra a causa de pedir (embora possa ser um facto essencial para a procedência da causa) propõe-se o seguinte teste: admita-se que esta acção vem a ser julgada improcedente; pergunta-se: será admissível que venha a ser proposta uma nova acção na qual se invoque, como diferente de causa de pedir, o alegado erro de construção? Parece que a resposta negativa é intuitiva.
Note-se, no entanto, que a presente decisão da RL permite ao actual demandante essa estratégia processual, dado que os tribunais não podem contradizer-se, ao afirmar uns que esse facto constitui uma nova causa de pedir e outros que esse facto é apenas um facto complementar e que, por isso, não constitui uma causa de pedir distinta daquela que foi invocada na presente acção. Portanto, caso o autor venha a perder esta acção, pode sempre vir a propor uma nova acção com a referida nova "causa de pedir".
Contra esta solução não pode argumentar-se que a RL entendeu que o facto não era superveniente e que, por isso, não podia ter sido invocado em articulado superveniente. Ainda que isto fosse verdade (e não é, porque não se trata de um facto que integra a causa de pedir), importa recordar que, no processo civil português, o autor não tem de invocar todas as possíveis causas de pedir do seu pedido, pelo que nada obsta a que o autor, depois de perder a presente acção, possa propor uma outra acção na qual venha a invocar essa diferente "causa de pedir", dado que a circunstância de a já ter podido alegar na petição inicial da presente acção não preclude a sua invocação em acção posterior.
MTS