Presunções judiciais; venda executiva;
invalidade; terceiros subadquirentes
1. O sumário de STJ 20/12/2017 (3018/14.2TBVFX.L1.S1) é o seguinte:
I. No domínio do erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais, segundo o n.º 3 do artigo 674.º do CPC, a revista só pode ter por fundamento “a ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe força de determinado meio de prova.”
II. No que respeita às presunções judiciais, segundo entendimento corrente, o STJ, como tribunal de revista, “só pode sindicar o uso de tais presunções pela Relação se este uso ofende qualquer norma legal, se padece de evidente ilogicidade ou se parte de factos não provados.”
III. Assim, não cabe ao tribunal de revista proceder a uma análise cirúrgica dos elementos de prova indiciários em que o tribunal a quo baseou o seu juízo presuntivo nem muito menos indagar de pontuais incongruências entre esses elementos ou sopesar as respetivas coerências; como também não lhe cabe ajuizar sobre os elementos indiciários respeitantes à credibilidades dos depoimentos tidos em conta para efeitos da convicção do julgador. Uma tal atividade traduzir-se-ia em valoração da prova livre, que lhe está vedada.
IV. Compete ao tribunal de revista simplesmente verificar se os juízos probatórios presuntivos em causa se revelam desprovidos de factos indiciários de base ou se as ilações deles extraídas padecem de manifesta ilogicidade, com ofensa do disposto no artigo 349.º do CC. Ou então se tais presunções se inscrevem no domínio de uma factualidade para a qual não seja admitida essa espécie de prova, nos termos genericamente prescritos no artigo 351.º do mesmo Código, ou ainda se os factos dados como judicialmente presumidos colidem com factos dotados de eficácia probatória legal plena.
V. O procedimento para obter a restituição dos bens decorrente da ineficácia da venda executiva, nos termos dos artigos 909.º, n.º 1, alínea c), e n.º 3, correspondente ao atual art.º 839.º do CPC, encontra-se configurado no quadro da relação processual entre as partes na ação executiva e o comprador que interveio na venda entretanto anulada, o qual fica vinculado à respetiva decisão anulatória.
VI. Tal procedimento reveste natureza executiva, devendo ser deduzido contra o comprador na própria execução, tendo como condição o prévio embolso do preço e das despesas de compra àquele comprador.
VII. Já a pretensão de restituição dos bens contra terceiro adquirente sucessivo, em relação à venda executiva, deverá ser deduzida por via de ação declarativa própria, de modo a estender o efeito anulatório da venda executiva àquele terceiro que não interveio na execução para, nessa base, obter a sua condenação na restituição do bem, não se afigurando que o exíguo prazo de caducidade estabelecido no indicado artigo 909.º, n.º 3, do CPC se coadune com as garantias inerentes à propositura dessa ação.
VIII. Além disso, nos casos em que, como o dos autos, no momento da decisão anulatória definitiva da venda executiva, o comprador já tenha alienado a terceiro os bens que lhe foram vendidos, este comprador nem sequer se encontrará em condições de proceder à restituição desses bens, não se sendo lícito que as partes com direito àquela restituição, por motivo que lhes não é imputável, fiquem limitadas ao direito ao preço e obrigadas, desse modo, à convalidação da venda, nos termos do art.º 909.º, n.º 3, do CPC.
IX. No âmbito de uma ação em que o vendedor pretenda obter contra terceiro adquirente a declaração de nulidade ou a anulação de um contrato de compra e venda de bens imóveis celebrado com quem depois os vendeu a esse terceiro, incumbe a este provar a sua boa fé na respetiva aquisição sucessiva, nos termos e para os efeitos do artigo 291.º, n.º 1 e 3, do CC.
II. No que respeita às presunções judiciais, segundo entendimento corrente, o STJ, como tribunal de revista, “só pode sindicar o uso de tais presunções pela Relação se este uso ofende qualquer norma legal, se padece de evidente ilogicidade ou se parte de factos não provados.”
III. Assim, não cabe ao tribunal de revista proceder a uma análise cirúrgica dos elementos de prova indiciários em que o tribunal a quo baseou o seu juízo presuntivo nem muito menos indagar de pontuais incongruências entre esses elementos ou sopesar as respetivas coerências; como também não lhe cabe ajuizar sobre os elementos indiciários respeitantes à credibilidades dos depoimentos tidos em conta para efeitos da convicção do julgador. Uma tal atividade traduzir-se-ia em valoração da prova livre, que lhe está vedada.
IV. Compete ao tribunal de revista simplesmente verificar se os juízos probatórios presuntivos em causa se revelam desprovidos de factos indiciários de base ou se as ilações deles extraídas padecem de manifesta ilogicidade, com ofensa do disposto no artigo 349.º do CC. Ou então se tais presunções se inscrevem no domínio de uma factualidade para a qual não seja admitida essa espécie de prova, nos termos genericamente prescritos no artigo 351.º do mesmo Código, ou ainda se os factos dados como judicialmente presumidos colidem com factos dotados de eficácia probatória legal plena.
V. O procedimento para obter a restituição dos bens decorrente da ineficácia da venda executiva, nos termos dos artigos 909.º, n.º 1, alínea c), e n.º 3, correspondente ao atual art.º 839.º do CPC, encontra-se configurado no quadro da relação processual entre as partes na ação executiva e o comprador que interveio na venda entretanto anulada, o qual fica vinculado à respetiva decisão anulatória.
VI. Tal procedimento reveste natureza executiva, devendo ser deduzido contra o comprador na própria execução, tendo como condição o prévio embolso do preço e das despesas de compra àquele comprador.
VII. Já a pretensão de restituição dos bens contra terceiro adquirente sucessivo, em relação à venda executiva, deverá ser deduzida por via de ação declarativa própria, de modo a estender o efeito anulatório da venda executiva àquele terceiro que não interveio na execução para, nessa base, obter a sua condenação na restituição do bem, não se afigurando que o exíguo prazo de caducidade estabelecido no indicado artigo 909.º, n.º 3, do CPC se coadune com as garantias inerentes à propositura dessa ação.
VIII. Além disso, nos casos em que, como o dos autos, no momento da decisão anulatória definitiva da venda executiva, o comprador já tenha alienado a terceiro os bens que lhe foram vendidos, este comprador nem sequer se encontrará em condições de proceder à restituição desses bens, não se sendo lícito que as partes com direito àquela restituição, por motivo que lhes não é imputável, fiquem limitadas ao direito ao preço e obrigadas, desse modo, à convalidação da venda, nos termos do art.º 909.º, n.º 3, do CPC.
IX. No âmbito de uma ação em que o vendedor pretenda obter contra terceiro adquirente a declaração de nulidade ou a anulação de um contrato de compra e venda de bens imóveis celebrado com quem depois os vendeu a esse terceiro, incumbe a este provar a sua boa fé na respetiva aquisição sucessiva, nos termos e para os efeitos do artigo 291.º, n.º 1 e 3, do CC.
X. Não tendo o terceiro adquirente sequer provado a sua boa fé, torna-se desnecessário apreciar a verificação dos demais requisitos previstos nos n.º 1 e 2 do referido art.º 291.º
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"Os R.R. deduziram a exceção de caducidade do direito de restituição dos imóveis ajuizados peticionado pelos A.A. a coberto do preceituado no artigo 909.º, n.º 3, com referência à alínea c) do n.º 1 do mesmo artigo, correspondente ao atual artigo 839.º do CPC.
O acórdão recorrido pronunciou-se sobre essa questão nos seguintes termos:
«Dispunha o art.º 909.º al c) a CPC – nos exactos termos hoje utilizados no art 839º/3 do actual CPC – que sendo anulado o acto da venda, nos termos do art 201º (hoje 195º), «a restituição dos bens tem de ser pedida no prazo de 30 dias a contar da decisão definitiva, devendo o comprador ser embolsado previamente do preço e das despesas de compra; se a restituição não for pedida no prazo indicado, o vencedor só tem direito a receber o preço».
A doutrina mostra-se unânime quanto ao carácter extintivo do direito à restituição do bem cuja venda foi anulada, caso o executado não peça a restituição do bem objecto da venda anulada no prazo de 30 dias a contar da decisão definitiva («sobre o recurso, os embargos ou a anulação», assim se pronuncia Lebre de Feitas, caso em que apenas terá direito ao preço. O não procedimento do executado, na execução, nos termos e prazo referidos, implicará a extinção do direito do mesmo à restituição do bem vendido, e, nessa medida, verificando-se, por hipótese, subsequente interposição de acção de reivindicação pelo mesmo, o comprador – que se ache na posse do bem que lhe foi vendido – poderá impor com êxito ao “dominus” a excepção peremptória em causa, que implicará a extinção do direito do reivindicante.
Mas esse procedimento, e a analisada consequência em função da sua não adopção pelo executado, vista a respectiva finalidade – necessidade de assegurar a protecção e a estabilidade das vendas em execução, bem como a protecção da confiança, da segurança jurídica e da boa fé dos terceiros adquirentes, nas palavras do Ac STJ 12/4/2012, citado pelos 1º e 2º RR. – só se poderão impor, por definição, quando, antes do decurso daquele brevíssimo prazo de 30 dias, não tenha ocorrido por parte do respectivo comprador – como será normal que não ocorra - negócio deste com terceiro que implique a perda da posse do bem vendido na execução. A preclusão do direito do executado à restituição do bem vendido na execução na base do estabelecimento de um tão curto prazo destinar-se-á, justamente, a evitar situações como a dos autos – em que o comprador do bem na execução proceda a negócios com terceiros que tenham aquele como objecto, maxime, realizando a respectiva venda - e que obstaculizem a restituição do bem ao executado.
Ora, na situação dos autos o que se verificou foi que, muito antes da primeira sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa da anulação da venda - sentença essa de 6/12/2000, decorrente do pedido de anulação provindo do então Fundo de Turismo feito em 5/7/1996 – e que se veio a verificar não ser, afinal, a decisão definitiva referente a essa anulação, que apenas veio a ser obtida mais de oito anos depois, pelo acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 23/4/ 2008, transitada em julgado em 12/5/2008 – já os aqui 1º e 2º RR., compradores dos quatro imóveis na execução fiscal, os haviam vendido aos 3º, 4 º e 5º RR, por escrituras que tiveram lugar em 9/6/1999, mostrando-se essas aquisições então já registadas a seu favor. Acresce que a posse dos quatro prédios em referência já teria, inclusivamente, sido adquirida, pelo menos pelo 5º R., antes da data daquela escritura.
Como é evidente, o procedimento – e a respectiva consequência no caso da sua não adopção – previsto na norma do referido nº 3 do art 909º aCPC, não faziam já qualquer sentido.
Um requerimento dos aqui AA. na execução fiscal após a obtenção da decisão que definitivamente teve como nula a venda dos quatro prédios na execução, apenas embaraçaria - mais ainda - tais autos, não podendo, já, por definição, postular o resultado a que a exigência em causa se destinava, devendo manifestamente ser indeferido e os executados remetidos para uma acção de reivindicação.
Assim, as pertinentes considerações dos RR. a respeito do procedimento em questão previsto nº 3 do art 909º a CPC – de que a sentença de anulação proferida nos casos de nulidade consequente de nulidade processual não faz renascer automaticamente o direito de propriedade na titularidade de quem era proprietário antes da venda, antes se imporá, por parte do executado, que promova a execução do julgado anulatório, pedindo a restituição dos bens nos termos e prazo previsto no art 909º/3 – apenas se justificam se, nos 30 dias pressupostos na norma em causa, os bens vendidos se mantiverem na propriedade (e posse) do comprador dos mesmos na execução.
O que, evidentemente, sucederá em grande parte dos casos em que a decisão de anulação da venda logo transite, mas não em situações com a tortuosidade ocorrida nos presentes.
Assim, nos presentes, a exigência em causa, não podendo desempenhar qualquer utilidade, não faz qualquer sentido, antes emergindo e se impondo a natureza imprescritível do direito de propriedade e da acção de reivindicação.
Por assim ser, improcede a excepção em causa.»
Todavia, os Recorrentes persistem na tese de que o referido normativo é aplicável também aos 3.º, 4.ª e 5.ª R.R., na qualidade de subadquirentes do comprador na venda executiva.
Não sofre dúvida de que, nos termos do referido artigo 909.º, n.º 3, do CPC, em caso de anulação da venda executiva, designadamente por virtude da anulação do ato da venda nos termos do artigo 201.º do mesmo Código, o direito à restituição dos bens vendidos, por banda das partes na ação executiva, contra o comprador deverá ser exercido no prazo de 30 dias a contar da decisão anulatória definitiva, sob pena de só lhes assistir o direito a receber o respetivo preço, com o que, dessa forma, se convalida aquela venda.
Como é sabido, a brevidade do referido prazo tem em vista assegurar a estabilidade das vendas em execução e assim proteger a confiança e a boa-fé de terceiros.
Resta saber se esse prazo de caducidade aproveita também aos terceiros subadquirentes, que não intervieram na venda executiva.
Tal não resulta expressamente daquele normativo nem se encontra na doutrina e jurisprudência citadas pelos Recorrentes uma referência explícita à situação específica dos subadquirentes.
Com efeito, a generalidade dos Autores [Vide Eurico Lopes Cardoso, Manual da Acção Executiva, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1987, p. 644.645; Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Vol. IV, Lisboa, 1984, p. 146, notas 1 e 3; Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, LEX, Lisboa, 1998, p. 402; Remédio Marques, Curso de Processo Executivo Comum à Face do Código Revisto, Almedina, 2000, pp. 420-422; Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, Almedina, 11.ª Edição, 2009, p. 411; Lebre de Freitas, A Acção Executiva – Depois da reforma da reforma, Coimbra Editora, 5.ª Edição, 2009, pp. 344-345] que aborda o problema da anulação da venda executiva e do exercício do respetivo direito à restituição dos bens nos termos do artigo 909.º, n.º 1, alínea c), e n.º 3, do CPC, refere-se apenas ao exercício desse direito contra o comprador, sem qualquer alusão aos subadquirentes deste.
De igual modo, os acórdãos citados pelos próprios Recorrentes – o acórdão do STJ, de 18/12/2003, proferido no processo n.º 3906/03-6 e o acórdão do STA, de 12/04/2012, proferido no processo n.º 0271/12 – versaram sobre casos que envolveriam a restituição de bens, em virtude da anulação de venda executiva, contra o comprador que interviera nesta ven-da, nos termos do artigo 909.º, n.º 3, do CPC, não se afigurando que o entendimento ali seguido seja transponível, sem mais, para os casos em que a restituição seja deduzida contra os subadquirentes desse comprador.
Ainda a este propósito, Alberto dos Reis [In Processo de Execução, Vol. 2..º, Coimbra Editora, 1982, p. 446], embora com referência à hipótese de anulação da venda executiva com fundamento em falta ou nulidade de citação do executado prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 909.º do CPC de 1939 - em que não se previa então a hipótese de anulação com base em outras nulidades processuais que afetassem o ato da venda, nos termos do artigo 201.º, e que só foi introduzida na Reforma do CPC operada pelo Dec.-Lei n.º 44.129, de 28/12/1961, - considera que:
«Proferida decisão [que declara sem efeito as vendas] (…), é claro que os compradores dos bens ficam obrigados a restituí-los ao executado. (…)
A decisão que declara sem efeito as vendas constitui caso julgado em relação aos compradores, embora estes, tenham sido estranhos aos factos e ao processo de reclamação de que a decisão emana. Os compradores sofrem o efeito reflexo do caso julgado.
E tanto Alberto dos Reis [ Ob. cit. p. 435] como Eurico Lopes Cardoso [In Manual da Acção Executiva, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1987, p. 644] referem que o pedido ou requerimento do executado para a restituição de bens e entrega do preço hão-de ser feitos na própria ação executiva.
Destas considerações parece resultar que o procedimento previsto no art.º 909.º, n.º 3, do CPC se encontra configurado no quadro da relação processual entre as partes na ação executiva e o comprador que interveio na venda executiva entretanto anulada, o qual fica vinculado à respetiva decisão anulatória.
Por isso mesmo, o procedimento para obter a restituição dos bens previsto no n.º 3 do indicado art.º 909.º do CPC reveste natureza executiva, devendo ser deduzido contra aquele comprador na própria execução, tendo como condição o prévio embolso do preço e das despesas de compra.
Já a pretensão de restituição dos bens contra o terceiro adquirente sucessivo, em relação à venda executiva anulada, deve ser deduzida por via de ação declarativa própria, de modo a estender o efeito anulatório dessa venda àquele terceiro adquirente que não interveio na execução para, nessa base, obter a sua condenação na restituição do bem, podendo então esse subadquirente prevalecer-se da proteção de terceiros de boa-fé nos termos do artigo 291.º do CC.
Nessa medida, não se afigura que o exíguo prazo de caducidade estabelecido no artigo 909.º, n.º 3, do CPC se coadune com as garantias inerentes à propositura daquela ação.
Acresce que, como se refere no acórdão recorrido, nos casos, como o dos presentes autos, em que, no momento da decisão anulatória definitiva, o comprador já tenha alienado a terceiros os bens que lhe foram vendidos, este comprador nem sequer se encontrava em condições de proceder à restituição dos bens, não se mostrando lícito que as partes com direito àquela restituição, por motivo que lhes não é imputável, fiquem limitadas ao direito ao preço e obrigadas, desse modo, à convalidação da venda."
3. [Comentário] O acórdão resolve bem a questão da posição dos terceiros subadquirentes perante a invalidade (formal) da venda executiva.
Quanto às presunção judiciais, o acórdão segue a jurisprudência habitual do STJ. Já várias vezes houve a oportunidade de mostrar discordância perante essa jurisprudência: cf. Presunções judiciais e competência (decisória) do STJ, Jurisprudência (506), Jurisprudência (522) e Jurisprudência (618).
MTS
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