"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



20/07/2018

Jurisprudência 2018 (60)

 
Acção de honorários; laudo de honorários;
declarações de parte
 
 
I. O sumário de RL 1/3/2018 (1770/06.8TVLSB-B.L1-2) é o seguinte:
 
1.– O recorrente apenas observa os ónus de impugnação legalmente exigidos, quando especifica os concretos meios de prova que impõem que, para cada um dos factos impugnados, fosse julgado não provado, quando indica qual a decisão que em concreto deve ser proferida sobre a matéria impugnada, e menciona os pontos da gravação com referência ao que ficou expresso na acta da audiência de discussão e julgamento ou, pelo menos, apresenta transcrições dos depoimentos das testemunhas que corroboram a sua pretensão.

2.– As declarações de parte em benefício próprio têm, em regra, fiabilidade reduzida para permitir a demonstração do facto favorável à parte que as presta sempre que desacompanhadas de qualquer outro meio de prova.

3.– Numa acção de honorários, a fixação da medida da retribuição do mandatário deverá ter em consideração a especificidade do trabalho desenvolvido, o tempo despendido, o grau de exigência e dificuldade técnica concretizados em cada caso, mas também haverá que atender, em termos de decisão equitativa, os custos fixos de um escritório.

4.– Apesar do Laudo de Honorários emitido pelo Conselho Superior da Ordem dos Advogados estar sujeito ao princípio da livre apreciação do tribunal, nos termos dos artigos 389º do Código Civil e 607º, nº 5 do Código do Processo Civil, não pode negar-se-lhe o valor informativo próprio de uma perícia, a ele se devendo atender, dada a especial qualificação de quem o emite.
 
II. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
 
"[...] o actual CPC, a par do depoimento de parte, consagrou a possibilidade de as próprias partes tomarem a iniciativa de prestação de declarações, ainda que com carácter facultativo, na medida em que é a própria parte que se oferece para depor, requerendo a prestação de declarações.

A natureza supletiva da prova por declarações de parte é salientada por PAULO PIMENTA, Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, 257 ao referir que será um meio a que as partes recorrerão “nos casos em que, face à natureza pessoal dos factos a averiguar, pressintam que os outros meios probatórios usados não terão sido bastantes para assegurar o convencimento do juiz”.

Sobre o valor probatório das declarações de parte, o n.º 3 do artigo 466º do CPC esclarece que “O tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão”.

Não obstante as declarações de parte possam ser livremente apreciadas pelo julgador, como decorre da lei, admite-se que as mesmas denotam, em regra, uma insuficiência probatória ou fraca fiabilidade.

A este propósito referem PAULO RAMOS DE FARIA e ANA LUÍSA LOUREIRO, Primeiras Notas ao Código de Processo Civil – Os Artigos da Reforma, 2.ª ed., 2014, 395 que “A experiência sugere que a fiabilidade das declarações em benefício próprio é reduzida. Por esta razão, compreende-se que se recuse ao depoimento não confessório força para, desacompanhado de qualquer outra prova, permitir a demonstração do facto favorável ao depoente.”

Concorda-se, portanto, que em relação a factos relevantes o juiz não pode ficar convencido apenas com o relato efectuado pela própria parte, interessada na procedência da acção ou na procedência da excepção, e que presta declarações como parte, se não houver um mínimo de corroboração de outras provas.

Ora, no caso vertente, contraditórias foram as versões apresentadas pelas partes, nas declarações de parte que prestaram, nomeadamente quanto à circunstância de o réu apenas pagar os honorários referentes aos serviços prestados no Pº 1770/06.8TVLSB, o que poderia significar que o autor prestaria serviços da sua profissão de advogado e efectuaria as inerentes despesas, nos demais processos em que teve intervenção, de modo gratuito.

Face às declarações de parte do autor, declarações essas que se mostraram respaldadas, quer no depoimento da testemunha E... M...A...M...C..., que confirmou a forma como estavam organizados os serviços do autor, para se saber exactamente o fim a que se destinavam os valores recebidos, quer na ampla prova documental, atinente aos processos nos quais o réu foi patrocinado pelo autor, tendo este justificado, nas suas declarações de parte, de forma plausível e muito pormenorizadamente, a que se destinaram os montantes entregues pelo réu, através do confronto que efectuou, na audiência de julgamento, entre o resumo das contas de fls. 26/365 com os demais depósitos apresentados pelo réu, a fls. 62 a 65, 68 a 69, entende-se, tendo presente as considerações antes aduzidas, que não há como alterar a matéria de facto dada como provada e não provada pela 1ª instância.

Não ficaram, portanto, demonstrados os enunciados de facto nºs 1 a 6, 8 e 11 que o apelante pretendia fossem aditados à factualidade provada.

Acresce que a matéria elencada nos nºs 7 e 9 não se reconduz a factualidade susceptível de ser aditada aos factos provados.

E, os nºs 3 e 10, não se mostram provados, tratando-se, aliás, de questões novas que não foram discutidas nos autos.

De resto, e como resulta da própria motivação da matéria de facto aduzida na sentença recorrida, o Tribunal a quo não valorou – e bem – as declarações de parte prestadas pelo réu, com relação aos pagamentos alegadamente por este efectuados, mas não apurados, bem como o pretenso acordo estabelecido com o autor no sentido de não serem cobrados os serviços prestados que não dissessem respeito ao Pº 1770/06.8TVLSB, e que o réu tão pouco identificou ou logrou invocar na contestação oportunamente apresentada.

Ficou, assim, provado que os valores entregues pelo réu, para pagamento do patrocínio assumido pelo autor, se cifraram em € 20.836,00, e que diziam respeito aos vários processos elencados no resumo das despesas de fls. 26/365.

De todo o modo e, fazendo apelo ao disposto no artigo 346º do Código Civil e, sobretudo, ao que decorre do artigo 414º do CPC, a dúvida sobre a realidade dum facto resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita, pelo que sempre se teria de concluir, que não poderia ser dada como provada tal matéria propugnada pelo réu/apelante, na sua alegação de recurso.

Entende-se, assim, que nada permite afastar a convicção criada no espírito do julgador do tribunal recorrido, convicção essa que não é merecedora de reparo, sendo perfeitamente adequada à prova produzida, designadamente perante a ausência de prova credível para incluir nos Factos Provados, a matéria que o réu pretendia fosse aditada à factualidade apurada.

Mantém-se, portanto, nos seus precisos termos, a factualidade dada como provada e não provada na 1ª instância.

Improcede, por conseguinte, tudo o que, em adverso, consta da alegação de recurso do réu/apelante.

E, improcedendo a pretensão do apelante, no que concerne à alteração da decisão sobre a matéria de facto, mantendo-se a mesma inalterável, igualmente se corrobora a fundamentação de direito aduzida na sentença recorrida, nomeadamente no que concerne ao contrato de mandato celebrado entre autor e réu, mandato esse oneroso, uma vez que o mesmo teve por objecto actos que o autor pratica no exercício da sua profissão de advogado (artigo 1158º, nº 1 do C.C) e aos deveres que desse contrato decorrem para ambas as partes. [...]

Para fixação da medida da retribuição do mandatário haverá que considerar a especificidade do trabalho desenvolvido, o tempo despendido, o grau de exigência e dificuldade técnica concretizados em cada caso, mas também haverá que atender, em termos de decisão equitativa, os custos fixos de um escritório, tendo menor relevância o resultado obtido, uma vez que a obrigação a que se encontra adstrito o advogado é, essencialmente, uma obrigação de meios e não de resultado – cfr. MOITINHO DE ALMEIDA, Responsabilidade Civil dos Advogados, 1985, 23.

Acresce que é usual, numa acção de honorários, como sucedeu no caso concreto, a solicitação de um “laudo” à Ordem dos Advogados.

O laudo emitido pela Ordem dos Advogados, a propósito dos honorários de advogado, destina-se a esclarecer, com elevado grau de razoabilidade e adequação, o valor a atribuir a título de honorários pelos serviços por aquele prestados.

E, embora o laudo emitido pela Ordem dos Advogados, que reveste a natureza de um “parecer”, se destine a esclarecer o julgador, logo, sujeito ao princípio geral da livre apreciação do tribunal nos termos dos artigos 389º do Código Civil e 607º, nº 5 do Código de Processo Civil, a verdade é que, como é jurisprudência pacífica, não é possível negar-lhe o valor informativo de qualquer perícia nem arredar-se o respeito e atenção que o mesmo deve merecer, dada a especial qualificação de quem o emite – v. neste sentido, entre muitos, Acs. STJ de 27.05.2008 (P. 07B4673) e de 20.01.2010 (P. 2173/06.0TVPRT.P1.S1), acessíveis em www.dgsi.pt.

E, estando em causa precisamente o pagamento dos honorários devidos ao autor, na qualidade de mandatário, forçoso é concluir que o valor dos honorários e despesas apurado nos autos se mostra justo e adequado face ao trabalho desenvolvido pelo autor, como, de resto, o evidencia o laudo emitido pelo Conselho Superior da Ordem dos Advogados.

Destarte, a apelação não poderá deixar de improceder, confirmando-se a sentença recorrida.

O apelante será responsável pelas custas respectivas nos termos do artigo 527º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido (fls. 58)."
 
II. [Comentário] Sobre o valor probatório das declarações de parte, cf. Para que serve afinal a prova por declarações de parte?

MTS