"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



02/07/2018

Jurisprudência 2018 (49)


Acção popular; 
providência cautelar; publicação


1. O sumário de RL 15/2/2018 (3375/16.6FNC.L1-6) é o seguinte:

I.– A exigência de publicação, em dois jornais com expressão no universo dos interessados, expressa no n.º 2 do artigo 19º da Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto (Lei da Acção Popular – LAP), apenas respeita a sentenças proferidas em acção popular, cível ou administrativa.

II.– Tal exigência está directamente relacionada com a eficácia subjectiva geral do caso julgado, de que goza a sentença definitiva proferida em acção popular, salvo em casos de improcedência da acção por insuficiência de provas ou quando o julgador deva decidir por firma diversa fundado em motivações próprias do caso concreto (n.ºs 1 e 2 do artigo 19º da LAP).

III.– Por sua vez, a eficácia subjectiva geral de que gozam as sentenças transitadas em julgado, proferidas em acção popular cível ou administrativa, é um efeito decorrente do regime especial de representação processual, previsto no artigo 14º do LAP, nos termos do qual, salvo exercício de um direito de auto-exclusão de representação, todos os titulares de direitos ou interesses cujo actor popular faz valer em juízo se consideram automaticamente representados por este em termos processuais.

IV.– Assim, considerando que as providências cautelares, não esclarecem ou solucionam definitivamente conflitos de direitos, mas apenas visam cautelar os efeitos úteis das demandas a propor, as publicações previstas no n.º 2 do artigo 19º da LAP, sendo obrigatórias no âmbito da acção principal, não o são em sede de procedimento cautelar, antecipatório ou incidental de acção popular.
 
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte: 

"Dispõe o artigo 15.º da LAP, sob a epígrafe «Direito de exclusão por parte de titulares dos interesses em causa»:

1- Recebida petição de acção popular, serão citados os titulares dos interesses em causa na acção de que se trate, e não intervenientes nela, para o efeito de, no prazo fixado pelo juiz, passarem a intervir no processo a título principal, querendo, aceitando-o na fase em que se encontrar, e para declararem nos autos se aceitam ou não ser representados pelo autor ou se, pelo contrário, se excluem dessa representação, nomeadamente para o efeito de lhes não serem aplicáveis as decisões proferidas, sob pena de a sua passividade valer como aceitação, sem prejuízo do disposto no n.º 4. 

2- A citação será feita por anúncio ou anúncios tornados públicos através de qualquer meio de comunicação social ou editalmente, consoante estejam em causa interesses gerais ou geograficamente localizados, sem obrigatoriedade de identificação pessoal dos destinatários, que poderão ser referenciados enquanto titulares dos mencionados interesses, e por referência à acção de que se trate, à identificação de pelo menos o primeiro autor, quando seja um entre vários, do réu ou réus e por menção bastante do pedido e da causa de pedir. 

3- (….). 

4- A representação referida no n.º 1 é ainda susceptível de recusa pelo representado até ao termo da produção de prova ou fase equivalente, por declaração expressa nos autos
”.

Por sua vez, o artigo 19º do mencionado diploma legal, sob a epigrafe «Decisões transitadas em julgado», estabelece:

1- Salvo quando julgadas improcedentes por insuficiência de provas ou quando o julgador deva decidir por forma diversa fundado em motivações próprias do caso concreto, os efeitos das sentenças transitadas em julgado proferidas no âmbito de processo que tenham por objecto a defesa de interesses individuais homogéneos abrangem os titulares dos direitos ou interesses que não tiverem exercido o direito de se auto-excluírem da representação, nos termos do artigo 16.º

2- As decisões transitadas em julgado são publicadas a expensas da parte vencida e sob pena de desobediência, com menção do trânsito em julgado, em dois dos jornais presumivelmente lidos pelo universo dos interessados no seu conhecimento, à escolha do juiz da causa, que poderá determinar que a publicação se faça por extracto dos seus aspectos essenciais, quando a sua extensão desaconselhar a publicação por inteiro.


3.– Do confronto das citadas disposições legais, resulta que a publicação para citação a que se refere o artigo 15º da LAP se destina a permitir a intervenção de interessados não intervenientes na acção, enquanto titulares dos interesses em causa, ou o exercício, pelos mesmos, do direito de auto-exclusão de representação (artigos 14º e 15º, n.º 4, da LAP).

Por sua vez, as publicações da sentença, previstas no n.º 2 do artigo 19º da LAP, estão directamente relacionadas com a eficácia subjectiva geral do caso julgado, de que goza a sentença definitiva proferida em acção popular, salvo em casos de improcedência da acção por insuficiência de provas ou quando o julgador deva decidir por firma diversa fundado em motivações próprias do caso concreto. É o que decorre da leitura concatenada dos n.ºs 1 e 2 do citado normativo.

A eficácia subjectiva geral de que gozam as sentenças transitadas em julgado, proferidas em acção popular cível ou administrativa, é um efeito decorrente do regime especial de representação processual, previsto no artigo 14º [...] do LAP, nos termos do qual, salvo exercício de um direito de auto-exclusão de representação, todos os titulares de direitos ou interesses cujo actor popular faz valer em juízo se consideram automaticamente representados por este em termos processuais.

Por isso, tendo em conta a natureza e os fins dos procedimentos cautelares, entendemos, tal como a Recorrida, embora com fundamentos diferentes [...], que as publicações previstas no n.º 2 do artigo 19º da LAP, sendo obrigatórias no âmbito da acção principal, não o são em sede de procedimento cautelar, antecipatório ou incidental.

As providências cautelares, como é sabido, não se destinam a resolver questões de fundo e a decisão nelas proferida não se reflecte na acção principal. As providências cautelares, como o próprio nome indica, destinam-se a acautelar direitos, ainda que de forma provisória e precária, e são sempre dependentes de uma acção que tem por fundamento o direito acautelado, que não o fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável desse direito (cf. artigos 362º e 364º, n.º 1, do CPC).

Na expressão feliz utilizada no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 19-09-2005, Proc. n.º JTRP00038331, acessível em www.dgsi.pt, já citado, “Os procedimentos cautelares são meios provisórios de tutela do direito, destinados a evitar o perigo de demora do desfecho definitivo de acções (…)”.

Em suma, não passando os presentes autos de providência cautelar (antecipatórios de acção popular a propor, eventualmente) apenas de um procedimento de antecipação ou garantia de eficácia relativamente ao resultado final do processo principal, e sendo a decisão nele proferida provisória por natureza, não têm justificação legal as publicações ordenadas na decisão recorrida.

E não se argumente, como fez a Recorrida nas contra-alegações (conclusões 3 e 4), com apelo à ética, que as publicações ordenadas pelo Tribunal a quo se justificam como resposta à vastíssima projecção que a providência cautelar teve na comunicação social, junto de entidades públicas (CMF) e da população em geral. Desde logo, porque, salvo o devido respeito, tal argumento não tem base jurídica e também porque, como é usual nestes casos, a comunicação social funchalense deu devido destaque à decisão da 1ª instância e ao acórdão desta Relação, de que citou, aliás, alguns excertos, como se pode constatar através da consulta da imprensa online, designadamente do diário “FUNCHALNOTÍCI@S”, de 23.Nov.2017, artigo publicado por Rosário Martins [...]".

[MTS]