Ministério Público;
incapaz; sub-representação
A intervenção do Ministério Público no âmbito do artigo 21.º do Código de Processo Civil não se confunde com os representantes ou com a nomeação de curador a que se reportam os artigos 16.º e 17.º do mesmo diploma legal.
2. No relatório e na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
"I) Relatório
2.1 O Ministério Público, afirmando não se conformar «com a sentença datada de 06-09-2018, dela vem interpor recurso» que aqui se aprecia, concluindo a fundamentação nos seguintes termos:
«1. O presente recurso é interposto, ao abrigo do que dispõe o art. 3.º, n.º 1, al. f), do Estatuto do Ministério Público, da sentença proferida pela M.ma Juiz do Juízo de Família e Menores do Porto, através da qual julgou a ação improcedente e absolveu os réus do pedido, após citação do Ministério Público em representação do réu menor, em função do silêncio do curador ad litem que lhe havia sido nomeado.
2. A referida sentença foi antecedida de indeferimento do requerimento do Ministério Público, apresentado na sequência da citação de que foi sujeito, efetuada ao abrigo do disposto no art. 21.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, no sentido de ser nomeado advogado ao menor réu, e de ser este citado para os termos da presente ação, e, bem assim, no sentido de ser dado cumprimento ao disposto no art. 325.º, do Código de Processo Civil, por entender que a sua intervenção nos presentes autos não poderia ocorrer a título principal, em representação do menor em questão, porquanto se está perante dois interesses potencialmente conflituantes que cabe a esta magistratura representar (interesse do menor de manutenção da filiação estabelecida vs. interesse público de estabelecimento da filiação em conformidade com a verdade biológica).
3. A sentença ora em recurso suscita uma questão sobre a qual, entende-se, deve o Tribunal ad quem pronunciar-se, que é a de saber se é válida a decisão do mérito da causa, no vertente caso de impugnação da paternidade, através do chamamento à ação do réu incapaz através do Ministério Público, a título principal, citado em representação do menor réu para contestar a ação ou se, pelo contrário, a fim de garantir o direito à audição prévia ínsito ao princípio do contraditório consagrado no art. 3.º, do Código de Processo Civil, a apreciação do mérito da causa e a decisão da ação envolveria a nomeação de patrono ao menor réu, a ser citado para os termos da ação, devendo o Ministério Público ter intervenção meramente acessória. [...]
II) Fundamentação
"2. A alegada invalidade da decisão de mérito da causa por violação do direito do réu menor validamente exercer o seu direito de defesa.
Aqui se inclui apreciar se é válida a decisão do mérito da causa, no vertente caso de impugnação da paternidade, através do chamamento à acção do réu incapaz através do Ministério Público, a título principal, citado em representação do menor réu para contestar a acção ou se, pelo contrário, a fim de garantir o direito à audição prévia ínsito ao princípio do contraditório consagrado no artigo 3.º do Código de Processo Civil, a apreciação do mérito da causa e a decisão da acção envolveria a nomeação de patrono ao menor D…, réu nos presentes autos, a ser citado para os termos da acção, devendo o Ministério Público ter uma intervenção meramente acessória.
2.1 Importa começar por explicitar, de forma sumária, o quadro legal que é invocado pelo recorrente e em que faz assentar a sua fundamentação. [...]
Dando expressão ao artigo 219.º, n.º 1, da Constituição, referente às funções e estatuto do Ministério Público, estabelece-se neste Estatuto, aprovado pela Lei n.º 47/86, de 15 de Outubro, com ulteriores alterações, que compete, especialmente, ao Ministério Público, representar os incapazes [artigo 3.º, n.º 1, alínea a)], podendo a sua intervenção ser principal ou acessória e sendo que, em caso de conflito entre entidades, pessoas ou interesses que o Ministério Público deva representar, o procurador da República solicita à Ordem dos Advogados a indicação de um advogado para representar uma das partes (artigos 5.º e 69.º, n.º 1).
Em princípio, salvo disposição em contrário, os menores carecem de capacidade para o exercício de direitos (artigo 123.º do Código Civil), integrando por isso o conceito de incapacidade, o que se traduz em algumas limitações na sua capacidade de gozo, incluindo a capacidade judiciária.
Nos termos dos artigos 16.º e 17.º do Código de Processo Civil, os incapazes só podem estar em juízo por intermédio dos seus representantes, ou autorizados pelo seu curador, excepto quanto aos actos que possam exercer pessoal e livremente e se o incapaz não tiver representante geral deve requerer-se a nomeação dele ao tribunal competente, sem prejuízo da imediata designação de um curador provisório pelo juiz da causa, em caso de urgência; tanto no decurso do processo como na execução da sentença, pode o curador provisório praticar os mesmos actos que competiriam ao representante geral, cessando as suas funções logo que o representante nomeado ocupe o lugar dele no processo; a nomeação incidental de curador deve ser promovida pelo Ministério Público, podendo ser requerida por qualquer parente sucessível, quando o incapaz haja de ser autor, devendo sê-lo pelo autor, quando o incapaz figure como réu, sendo o Ministério Público ouvido, sempre que não seja o requerente da nomeação.
Nos termos do artigo 21.º ainda do Código de Processo Civil, se o incapaz, ou os seus representantes, não deduzirem oposição, incumbe ao Ministério Público a defesa deles, para o que é citado, correndo novamente o prazo para a contestação (n.º 1); no entanto, quando o Ministério Público represente o autor, é nomeado defensor oficioso, cessando a representação do Ministério Público ou do defensor oficioso logo que seja constituído mandatário judicial do incapaz (n.ºs 2 e 3).
Dispõe o artigo 325.º do mesmo diploma legal que, sempre que, nos termos da respectiva Lei Orgânica, o Ministério Público deva intervir acessoriamente na causa, é-lhe oficiosamente notificada a pendência da acção, logo que a instância se considere iniciada (n.º 1), competindo ao Ministério Público, como interveniente acessório, zelar pelos interesses que lhe estão confiados, exercendo os poderes que a lei processual confere à parte acessória e promovendo o que tiver por conveniente à defesa dos interesses da parte assistida (n.º 2); até à decisão final e sem prejuízo das preclusões previstas na lei de processo, pode o Ministério Público, oralmente ou por escrito, alegar o que se lhe oferecer em defesa dos interesses da pessoa ou entidade assistida (n.º 4). Esta norma não explicita os pressupostos da intervenção acessória do Ministério Público, definidos na respectiva Lei Orgânica, mas os procedimentos quando tal se verifique.
A adequada intervenção das partes constitui pressuposto da legitimidade da decisão judicial proferida, na medida em que o tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição (artigo 3.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
2.2 Na decisão recorrida indeferiu-se a requerida nomeação de patrono ao menor por se entender que não se verifica o impedimento invocado e que se traduz em alegado conflito entre interesses que o Ministério Público deva representar, pelas razões que acima se deixaram transcritas e aqui se têm por reproduzidas.
O recorrente questiona este entendimento, afirmando que, se essa representação fosse de carácter geral, não fariam sentido as normas dos artigos 16.º e 17.º do Código de Processo Civil que atribuem a representação judiciária dos incapazes (e, designadamente, dos menores), em primeira linha, aos seus representantes legais e, só em última instância (na falta ou impossibilidade desses representantes), a um curador especial ou provisório (curador ad litem, nomeado para um concreto processo), a nomear pelo juiz da causa e que manifestamente não se tratará do Ministério Público, uma vez que se prevê expressamente que essa «nomeação incidental de curador» possa ser promovida pelo Ministério Público (artigo 17.º, n.º 4) e que este seja ouvido, quando a não promova (artigo 17.º, n.º 5).
Importa salientar a diversidade de conceitos, especificamente, o que resulta do artigo 1846.º do Código Civil e dos artigos 16.º e 17.º do Código de Processo Civil, e do artigo 21.º deste diploma legal. [...]
De qualquer modo, está em causa a nomeação de curador especial que se justifica perante a circunstância de estarmos perante filho menor e no âmbito de acção em que, além dele próprio, são demandados a mãe e o presumido pai, ou qualquer um destes é autor na aludida acção. Nestas condições, percebe-se a necessidade de nomear um curador especial – que não é, seguramente, o Ministério Público, sem prejuízo deste poder ser o demandante, a requerimento de quem se declarar pai do filho, se for reconhecida pelo tribunal a viabilidade do pedido (artigo 1841.º do Código Civil).
Dando expressão processual às regras de direito substantivo, os artigos 16.º e 17.º do Código de Processo Civil contêm a disciplina referente às acções em que são demandados menores/incapazes.
E se, em regra e na ausência de factos impeditivos, a representação dos menores em juízo cabe a ambos os pais, poderá ser necessária a nomeação de curador, o que se verifica sempre que há um conflito que afecta o menor em confronto com os respectivos progenitores. Como resulta da transcrição que acima se fez das normas em questão, a nomeação incidental de curador deve ser promovida pelo Ministério Público, sem prejuízo de poder ser por outros intervenientes, na certeza de que o Ministério Público é ouvido, sempre que não seja o requerente da nomeação.
É certo que, perante este quadro, ouvido para a nomeação do curador, o Ministério Público não é o curador. Mas também não é este o elemento directo que determina a sua intervenção no âmbito do artigo 21.º do Código de Processo Civil. Esta intervenção pressupõe que, tendo sido citado o menor/incapaz e tendo este os respectivos representantes sem impedimento, incluindo o curador, por nenhum deles foi deduzida oposição, perante o que se verificam os pressupostos que legitimam e impõem a intervenção do Ministério Público – o que só se verifica perante a total imobilidade de quem representa o menor e enquanto tal se verificar, dado que cessa logo que seja constituído mandatário judicial.
Perante o exposto, não se vê que haja fundamento impeditivo da intervenção do Ministério Público a título principal, nomeadamente por representação de elementos contraditórios/conflituantes."
[MTS]