Sentença;
interpretação
1. O sumário de STJ 8/5/2019 (3167/17.5T8LSB-B.L1.S1) é o seguinte:
[...] A interpretação das sentenças não se queda pelo elemento literal, importando atender ao seu elemento sistemático, bem como ao elemento teleológico e funcional.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"O presente recurso foi admitido por ter sido invocada uma pretensa violação de caso julgado (artigo 629.º n.º 2 alínea a do CPC), tendo-lhe sido atribuído efeito meramente devolutivo em conformidade com o disposto artigo 676.º do CPC aplicável subsidiariamente ao processo de trabalho (artigo 1.º n.º 2 e artigo 87.º do CPT), porquanto o Código de Processo do Trabalho apenas fixa o efeito do recurso de apelação e apenas para esse é previsto o efeito suspensivo mediante prestação de caução (artigo 83.º do CPT).
Para decidir se a invocada violação efetivamente ocorreu torna-se necessário interpretar o despacho proferido a 01/03/2018, de modo a determinar o seu sentido, uma vez que só após esta tarefa hermenêutica será possível aquilatar se há genuína contradição entre aquele despacho e o proferido a 20/04/2018.
O despacho proferido a 01/03/2018 tem o seguinte teor:
[...] A interpretação das sentenças não se queda pelo elemento literal, importando atender ao seu elemento sistemático, bem como ao elemento teleológico e funcional.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"O presente recurso foi admitido por ter sido invocada uma pretensa violação de caso julgado (artigo 629.º n.º 2 alínea a do CPC), tendo-lhe sido atribuído efeito meramente devolutivo em conformidade com o disposto artigo 676.º do CPC aplicável subsidiariamente ao processo de trabalho (artigo 1.º n.º 2 e artigo 87.º do CPT), porquanto o Código de Processo do Trabalho apenas fixa o efeito do recurso de apelação e apenas para esse é previsto o efeito suspensivo mediante prestação de caução (artigo 83.º do CPT).
Para decidir se a invocada violação efetivamente ocorreu torna-se necessário interpretar o despacho proferido a 01/03/2018, de modo a determinar o seu sentido, uma vez que só após esta tarefa hermenêutica será possível aquilatar se há genuína contradição entre aquele despacho e o proferido a 20/04/2018.
O despacho proferido a 01/03/2018 tem o seguinte teor:
“Defiro parcialmente o requerimento da Ré apresentado em 15.01.2018, devendo a mesma apresentar a documentação em causa expurgada dos dados pessoais e da esfera privada, pessoal e familiar a que se refere na 2.ª parte do art. 6.º do referido requerimento.
Defiro também o requerimento da Ré apresentado em 15.01.2018, na parte respeitante à junção dos documentos da avaliação de desempenho relativa aos 3 trabalhadores que são chefias, uma vez que não constituem base comparável para os efeitos pretendidos pela autora, pelo que não há necessidade da sua junção.”
Importa ter presente que este despacho surgiu em resposta a um requerimento da Ré cujo artigo 6.º tinha a seguinte formulação:
“A informação individualizada referente a prémios de produtividade e aumentos salariais dos trabalhadores acima identificados – contendo a identificação de cada trabalhador –, bem como a informação contida numa tabela com os nomes, funções, anos de experiência na respetiva função, data de admissão, e ainda a informação contida na ficha individual de cada um, consubstancia também, informação que, no seu conjunto, contém dados pessoais e da esfera privada, pessoal e familiar, reportados a cada um dos trabalhadores envolvidos, designadamente: nome completo, morada, naturalidade, data de nascimento, número de contribuinte, número de bilhete de identidade/cartão de cidadão, número de beneficiário da segurança social, estado civil, número de dependentes, número de identificação bancária (NIB), taxa de retenção (IRS), valores acumulados, números de dias de ausências, motivo de justificação de faltas, situações de baixa médica e outros eventuais elementos daquela esfera privada.”
Há, antes de mais, que atender na interpretação do referido despacho à sua letra – a qual constitui sempre o ponto de partida da interpretação [...] – mas também à letra do requerimento a que deu resposta. Sem esquecer, no entanto, que “embora o objeto da interpretação seja a própria decisão judicial, é de referir que nessa tarefa hermenêutica haverá que considerar todas as circunstâncias que possam funcionar como meios auxiliares de interpretação, na medida em que daí se possa retirar uma conclusão sobre o sentido que se lhe quis emprestar”, como destacou o Acórdão deste Tribunal de 14 de fevereiro de 2013, proferido no processo 457/10.1TTSTB.E1.S1 (Pinto Hespanhol), por remissão para VAZ SERRA [RLJ n.º 110, p. 42. No mesmo sentido cfr., igualmente, Acórdão do STJ de 4 de julho de 2013 proferido no processo n.º 536/11.8TTPRT-A.P1.S1 (Pinto Hespanhol)].
Ora, o primeiro aspeto a sublinhar é que naquele requerimento, mais precisamente no referido artigo 6.º a Ré, depois de afirmar que há “informação que, no seu conjunto, contém dados pessoais e da esfera privada, pessoal e familiar” dos trabalhadores envolvidos, exemplifica (“designadamente”) essa mesma informação.
E nessa exemplificação não refere o nome – como afirma nas suas Conclusões 23 e 24 – mas “o nome completo”. Assim, mesmo que o despacho pudesse ser interpretado no sentido de ordenar a expurgação do nome dos trabalhadores, o que estaria em causa seria o nome completo, sendo certo que a identificação para este efeito de um trabalhador é frequentemente possível sem a indicação do seu nome completo, tanto mais que muitos cidadãos portugueses têm mais do que um nome próprio e mais do que um apelido de família. Em suma, o despacho não teria ordenado que os trabalhadores não fossem identificados, mas sim que não fosse facultado o seu nome completo.
Mas a interpretação, partindo embora da letra, não se queda, amiúde, pelo elemento literal. Importa atender ao elemento sistemático, bem como ao elemento teleológico e funcional. O despacho em causa deferiu parcialmente o requerimento da Ré e na tese sustentada por esta não se vê em que é que o deferimento seria parcial, redundando antes em um deferimento total.
Com efeito, o despacho ao mandar expurgar a informação “dos dados pessoais e da esfera privada, pessoal e familiar a que se refere na 2.ª parte do art. 6.º do referido requerimento” fê-lo relativamente àqueles que não são necessários para a aferição da eventual violação do princípio da igualdade de tratamento. Tal princípio supõe inelutavelmente uma comparação. E tal comparação tem que ser feita atendendo às funções concretamente desempenhadas pelos trabalhadores, devendo ser também em concreto que se aprecia as eventuais justificações aduzidas por um empregador para pagar diferentemente a trabalhadores com a mesma quantidade e qualidade de trabalho. Como muito bem se destaca no Acórdão recorrido “a identificação dos trabalhadores a que respeitam os documentos afigura-se essencial para os fins pretendidos com a junção de tais documentos”.
Esta interpretação do despacho como mandando expugar o que não é necessário para a decisão dos autos é, aliás, corroborada pela 2.ª parte do referido despacho em que se defere o requerimento relativamente a “documentos da avaliação de desempenho relativa aos 3 trabalhadores que são chefias, uma vez que não constituem base comparável para os efeitos pretendidos pela autora, pelo que não há necessidade da sua junção”.
É este o elemento teleológico e funcional que permite interpretar corretamente o despacho, sendo certo que uma parte da doutrina invoca também que ao interpretar uma decisão judicial se pode partir do princípio de que a mesma visou um resultado razoável e não impossível ou que conduziria ao esvaziamento de um direito [...].
O despacho proferido a 20/04/2018 em nada contrariou o despacho proferido a 01/03/2018, sendo antes a concretização ou explicitação do mesmo, pelo que não existiu violação do caso julgado."
E nessa exemplificação não refere o nome – como afirma nas suas Conclusões 23 e 24 – mas “o nome completo”. Assim, mesmo que o despacho pudesse ser interpretado no sentido de ordenar a expurgação do nome dos trabalhadores, o que estaria em causa seria o nome completo, sendo certo que a identificação para este efeito de um trabalhador é frequentemente possível sem a indicação do seu nome completo, tanto mais que muitos cidadãos portugueses têm mais do que um nome próprio e mais do que um apelido de família. Em suma, o despacho não teria ordenado que os trabalhadores não fossem identificados, mas sim que não fosse facultado o seu nome completo.
Mas a interpretação, partindo embora da letra, não se queda, amiúde, pelo elemento literal. Importa atender ao elemento sistemático, bem como ao elemento teleológico e funcional. O despacho em causa deferiu parcialmente o requerimento da Ré e na tese sustentada por esta não se vê em que é que o deferimento seria parcial, redundando antes em um deferimento total.
Com efeito, o despacho ao mandar expurgar a informação “dos dados pessoais e da esfera privada, pessoal e familiar a que se refere na 2.ª parte do art. 6.º do referido requerimento” fê-lo relativamente àqueles que não são necessários para a aferição da eventual violação do princípio da igualdade de tratamento. Tal princípio supõe inelutavelmente uma comparação. E tal comparação tem que ser feita atendendo às funções concretamente desempenhadas pelos trabalhadores, devendo ser também em concreto que se aprecia as eventuais justificações aduzidas por um empregador para pagar diferentemente a trabalhadores com a mesma quantidade e qualidade de trabalho. Como muito bem se destaca no Acórdão recorrido “a identificação dos trabalhadores a que respeitam os documentos afigura-se essencial para os fins pretendidos com a junção de tais documentos”.
Esta interpretação do despacho como mandando expugar o que não é necessário para a decisão dos autos é, aliás, corroborada pela 2.ª parte do referido despacho em que se defere o requerimento relativamente a “documentos da avaliação de desempenho relativa aos 3 trabalhadores que são chefias, uma vez que não constituem base comparável para os efeitos pretendidos pela autora, pelo que não há necessidade da sua junção”.
É este o elemento teleológico e funcional que permite interpretar corretamente o despacho, sendo certo que uma parte da doutrina invoca também que ao interpretar uma decisão judicial se pode partir do princípio de que a mesma visou um resultado razoável e não impossível ou que conduziria ao esvaziamento de um direito [...].
O despacho proferido a 20/04/2018 em nada contrariou o despacho proferido a 01/03/2018, sendo antes a concretização ou explicitação do mesmo, pelo que não existiu violação do caso julgado."
[MTS]