"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



16/10/2019

Jurisprudência 2019 (98)

 
Fundo de investimento imobiliário;
personalidade judiciária; representação
 
 
1. O sumário de RE 2/5/2019 (2921/17.2T8PTM-A.E1) é o seguinte:

I – Os fundos de investimento imobiliário constituem entidades que, carecendo de personalidade jurídica, têm personalidade judiciária por força da extensão prevista no artigo 12.º, al. a), do CPC;
 
II – Tendo os fundos de investimento imobiliário personalidade judiciária, devem ser demandados, incumbindo a respetiva representação em juízo à respetiva sociedade gestora, assim devendo o fundo ser parte na ação e ser citado na pessoa da respetiva representante;
 
III – Incumbindo à sociedade gestora a representação em juízo do fundo de investimento imobiliário, não poderá aquela ser demandada em representação do fundo, antes se limitando a representá-lo, se este for demandado.

2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
 
"Analisando o introito da petição inicial, verifica-se que as autoras intentaram a ação contra cinco rés, entre elas a ora apelante EE – Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, SA, com a menção de que é demandada por si mesma na sua mesma e própria qualidade, que tem ou teve, quer de sociedade gestora quer de representante necessária do Fundo Fechado de Investimento Imobiliário FF (…), quer ainda na qualidade de mandante de entidades que tenha envolvido, como interpostas pessoas ou interpostas entidades na titularidade dos seus interesses, ou na qualidade de mandante ou comitente de entidades que tenha utilizado, como seus mandatários e/ou comissários, no desempenho das suas responsabilidades relativas ao empreendimento do “Retail Park”, como, designada mas não exclusivamente, a aqui também Ré GG e a aqui também Ré HH. Porém, não decorre do cabeçalho de tal articulado que a ação seja intentada contra o Fundo Fechado de Investimento Imobiliário FF, o qual não se encontra identificado como réu.
 
Impondo o artigo 552.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Civil, ao autor, a obrigação de identificar as partes na petição inicial, a falta da indicação do aludido Fundo como réu não permite considerar a ação intentada contra o mesmo e impõe a conclusão de que aquele não é parte na ação.
 
Considerou a decisão recorrida que o aludido Fundo constitui um património autónomo, entidade sem personalidade jurídica à qual reconheceu personalidade judiciária ao abrigo do disposto no artigo 12.º, al. a), do CPC, acrescentando que não pode estar por si em juízo, antes devendo ser representado pela respetiva sociedade gestora, nos termos do artigo 6.º, n.º 1, do Regime Jurídico dos Fundos de Investimento Imobiliário (aprovado pelo DL n.º 60/2002, de 20-03, e alterado pelo DL n.º 71/2010, de 18-06), a apelante EE, o que não vem posto em causa na apelação.
 
No entanto, tal incapacidade judiciária apenas impede o Fundo de estar, por si, em juízo, impondo que seja representado pela respetiva sociedade gestora, o que não contende com a personalidade judiciária que lhe foi reconhecida, isto é, com a suscetibilidade de ser parte, conforme decorre do disposto nos artigos 11.º, n.º 1, e 15.º, n.º 1, do CPC.
 
Regulando a representação das entidades que, tendo personalidade judiciária, careçam de personalidade jurídica, como é o caso dos fundos de investimento imobiliário, dispõe o artigo 26.º do CPC, além do mais, que os patrimónios autónomos são representados pelos seus administradores. Por outro lado, determina o artigo 6.º, n.º 1, do supra mencionado RJFII, que a administração dos fundos de investimento imobiliário é exercida por uma sociedade gestora de fundos de investimento imobiliário. Da conjugação destes dois preceitos decorre que a representação do mencionado Fundo em juízo incumbe à respetiva sociedade gestora, no caso, à apelante EE – Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, SA, devendo o Fundo ser parte na ação, por força da extensão da personalidade judiciária prevista no artigo 12.º, al. a), do CPC, e ser citado na pessoa da respetiva representante.
 
Concluiu-se, assim, que, tendo o Fundo personalidade judiciária, deve o mesmo ser demandado, incumbindo a respetiva representação em juízo à apelante EE, a qual não poderá ser demandada em representação do Fundo, antes se limitando a representá-lo, se este for demandado.
 
Neste sentido, cf. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-03-2008 (relator Oliveira Rocha), proferido no âmbito do agravo n.º 402/08 - 2.ª Secção e publicado em www.dgsi.pt, no qual se considerou que, face ao artigo 6.º do CPC, apesar do fundo de investimento imobiliário carecer de personalidade jurídica, não se lhe poderá, sem mais, negar a suscetibilidade de ser parte, que lhe advém, face a este normativo, da circunstância de constituir um património autónomo.
 
No caso presente, não tendo o Fundo sido demandado, assim não sendo réu na ação, não poderá a apelante EE intervir nos autos na qualidade de representante do mesmo, o qual não é parte nos autos [...]"

[MTS]