Acto da secretaria;
tutela da confiança
1. TC 26/9/2019 (500/2019) decidiu:
[...] Não julgar inconstitucional o n.º 6 do artigo 157.º do Código de Processo Civil, quando interpretado no sentido de abranger apenas os erros e omissões dos atos praticados pela secretaria no próprio processo, que detenham relevância no desenvolvimento normal dos seus termos processuais, com exclusão dos atos exteriores a esse processamento
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"8. Comece por notar-se que o preceito de que foi extraída a norma sindicada nos presentes autos radica precisamente na tutela da confiança. Ao vincular o Estado a conformar a sua atuação de modo a evitar que os seus erros prejudiquem as partes, promove-se a confiança na atuação das secretarias dos tribunais e salvaguarda-se a confiança que nessa atuação tenha sido depositada pelas partes (v., a propósito do n.º 3 do artigo 198.º do Código de Processo Civil anteriormente vigente, o Acórdão n.º 719/2004).
Entendeu, todavia, o tribunal recorrido que esta autovinculação da administração judiciária só seria exigível quando estivesse em causa o erro na prática (ou omissão) de atos relevantes para o desenvolvimento normal do processo. Embora este conceito não se encontre perfeitamente definido na decisão recorrida, depreende-se que o Tribunal distingue os atos que, nos termos do n.º 2 do artigo 157.º do Código, incumbe à secretaria praticar de modo a promover a regular tramitação de um processo, daqueloutros que, não tendo a aptidão de a condicionar – nomeadamente de condicionar o comportamento das partes −, se apresentam como extrínsecos a esse processo.
Entre os primeiros encontram-se, como a jurisprudência reconhece, a notificação de despachos ou de outros atos processuais e a prestação oficiosa de informações nas comunicações dirigidas às partes durante o processo e por causa dele (v., os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 30.11.2017, Proc. n.º 88/16.2PASTS-A.S1; de 21.04.2016, Proc. n.º 13/14.5 TBMGD-B.G1.S1 e de 05.04.2016, Proc. n.º 12/14.7TBMGD-B.G1.S1; e os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 23.01.2019, Proc. n.º 0452/17.0BEBJA; de 08.11.2017, Proc. n.º 0344/17; e de 03.03.2016, P. 01533/15). Já entre os segundos se conta seguramente o ato certificativo emitido pela secretaria do Tribunal para efeitos irrelevantes para a tramitação de um dado processo, que não fora requerido pelas partes, nem lhes fora comunicado no âmbito do processo ou por causa dele.
A questão que se coloca é a de saber se a exclusão da proteção conferida pela norma sub judice relativamente aos atos erróneos praticados pela secretaria judicial fora do próprio processo ou sem relevância no desenvolvimento normal dos seus termos processuais ofende o princípio da proteção da confiança na atuação dos serviços responsáveis pelo exercício da função administrativa de apoio à tramitação processual.
A resposta não pode deixar de ser negativa.
«Para que para haja lugar à tutela jurídico-constitucional da “confiança”», segundo jurisprudência constante deste Tribunal, «é necessário, em primeiro lugar, que o Estado (mormente o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerar nos privados “expectativas” de continuidade; depois, devem tais expectativas ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; em terceiro lugar, devem os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspetiva de continuidade do “comportamento” estadual; por último, é ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa.» (Acórdão n.º 128/2009, desenvolvendo a posição expressa no Acórdão n.º 287/1990, e mais recentemente reiterada, entre outros, nos Acórdãos n.ºs 379/2017, 828/2017, 175/2018, 428/2018 e 134/2019).
Ora, é ostensivo que a norma que constitui o objeto do presente recurso não gera expectativas algumas de que as partes possam aproveitar ou confiar em todo e qualquer comportamento da secretaria judicial. Pelo contrário, distingue nos seus próprios termos entre os atos a respeito de um processo que sejam praticados dentro e fora desse processo, determinando que os segundos não são idóneos a criar uma aparência digna de tutela no processo a que se referem. Esta norma baseia-se obviamente no pressuposto de que as partes devem orientar-se pelo comportamento da secretaria dentro do processo, o que, na situação dos autos, significa que podiam e deviam conhecer a data do trânsito em julgado do acórdão que lhes havia sido oportunamente notificado.
Resta, pois, concluir que a norma que constitui o objeto do presente recurso não viola o princípio da proteção da confiança."
[MTS]