"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



07/10/2019

Jurisprudência 2019 (91)


Intervenção de terceiros;
admissibilidade


I.  O sumário de RC 12/3/2019 ( 325/18.9T8CBR-B.C1 (inédito)) é o seguinte:

1. O incidente de intervenção de terceiros pressupõe que o interveniente se associe a uma das partes e exige que se verifique uma certa relação litisconsorcial e que o interveniente tenha, em relação ao objecto da causa, um interesse igual ao do autor ou do réu (art.º 316º do CPC). 

2. Tem o autor chamante para intervenção principal do lado passivo o ónus de indicar a causa do chamamento e de alegar/justificar o interesse que através dele pretende acautelar, sendo que a admissão da intervenção do chamado ao lado do réu não depende do conhecimento de mérito da responsabilidade do chamado, bastando averiguar se este tem ou não interesse em contradizer. 

3. In casu, advindo a legitimidade passiva do interesse directo em contradizer e consistindo este no prejuízo resultante da procedência da acção (art.º 30º do CPC), não se vislumbra qual seria o interesse do chamado em ser demandado como litisconsorte, dado que esse interesse não existe, pois o Estado ou apenas o Ministério [...] não é litisconsorte necessário ou voluntário na relação entre o A. e a Ré [...], quer ao lado do A., quer ao lado da Ré - não são partes no contrato de gestor celebrado entre A. e Ré, nem titulares de qualquer interesse com ele conexo. 

II. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

I. A instaurou, no Tribunal da Comarca [...] (Juízo Central Cível), acção de processo comum contra B, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a indemnização de € 59 796,56 e respectivos juros moratórios desde a data da exoneração efectiva em 13.4.2016 até integral pagamento, alegando, em síntese, que era membro do Conselho de Administração da Ré, que veio a ser dissolvido com fundamento em critérios de mera conveniência de serviço e determinando-se que a resolução produzia efeitos a 25.3.2016, sendo certo que o Ministério [...] alterou a data da resolução do Conselho de Ministros em que supostamente ocorreu a correspondente deliberação, de forma a não ser paga ao A. a indemnização devida. 

A Ré contestou e suscitou a “chamada à demanda” do Ministério [...], que a tutela, invocando o DL n.º 71/2007, de 27.3 – Estatuto do Gestor Público –, nos termos do qual as nomeações dos membros dos Conselhos de Administração [...], bem como as exonerações são feitas por resolução do Conselho de Ministros [...]

 II. [...] 2. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão. 

Ocorrendo preterição de litisconsórcio necessário, qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com legitimidade para intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária (art.º 316º, n.º 1 do CPC, sob a epígrafe “âmbito” da intervenção principal provocada). Nos casos de litisconsórcio voluntário, pode o autor provocar a intervenção de algum litisconsorte do réu que não haja demandado inicialmente ou de terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido nos termos do artigo 39º (n.º 2). O chamamento pode ainda ser deduzido por iniciativa do réu quando este: a) Mostre interesse atendível em chamar a intervir outros litisconsortes voluntários, sujeitos passivos da relação material controvertida; b) Pretenda provocar a intervenção de possíveis contitulares do direito invocado pelo autor (n.º 3).

3. Nos termos do referido normativo da lei processual civil, só ocorrendo preterição de litisconsórcio necessário, qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com direito a intervir na causa seja como seu associado, seja como associado da parte contrária.

Além disso e facultativamente, o chamamento pode ainda ser deduzido por iniciativa do Réu quando este mostre interesse atendível em chamar a intervir outros litisconsortes voluntários, sujeitos passivos da relação material controvertida (n.º 3, alínea a)), ou pretenda provocar a intervenção de possíveis contitulares do direito invocado pelo autor (n.º 3, alínea. b)). 

A intervenção na lide de alguma pessoa como associado do réu pressupõe um interesse litisconsorcial no âmbito da relação controvertida (relação litisconsorcial), cuja medida da sua viabilidade é limitada pela latitude do accionamento operado pelo autor, não podendo intervir quem lhe seja alheio. Pressupõe que o chamado e a parte à qual pretende associar-se tenham interesse igual na causa. 

Por outro lado, o autor do chamamento deve alegar a causa respectiva e justificar o interesse que, por meio dele, visa conseguir – assim, tem o autor chamante para intervenção principal do lado passivo o ónus de indicar a causa do chamamento e de alegar o interesse que através dele, pretende acautelar, sendo que a admissão da intervenção do chamado ao lado do réu não depende do conhecimento de mérito da responsabilidade do chamado, bastando averiguar se este tem ou não interesse em contradizer. 

4. Na contestação, a Ré limitou-se a invocar a legislação relativa aos gestores públicos e que a mesma determina que as nomeações dos membros dos Conselhos de Administração [...], bem como as exonerações sejam feitas por resolução do Conselho de Ministros [...]. 

Ou seja, a Ré/requerente nada alega relativamente ao interesse que visa salvaguardar com o chamamento, nem demonstra que o chamado esteja relativamente à causa, tal como é configurada pelo A., numa das situações previstas no art.º 311º do CPC, ou seja, seja titular de um interesse igual ao do réu. Ademais, a única ligação que o requerido/chamado tem com o litígio é a de ter procedido à destituição do A. do Conselho de Administração da Ré. Advindo a legitimidade passiva do interesse directo em contradizer e consistindo este no prejuízo resultante da procedência da acção (art.º 30º do CPC), não se vislumbra qual seria o interesse do chamado em ser demandado como litisconsorte, dado que esse interesse não existe - o Estado ou apenas o Ministério [...] não é litisconsorte necessário ou voluntário na relação entre o A. e a Ré, quer ao lado do A., quer ao lado da Ré; o Estado ou apenas o Ministério [...] não são partes no contrato de gestor celebrado entre A. e Ré, nem titulares de qualquer interesse com ele conexo. [...]

6. E ante a previsão do n.º 3 do art.º 316º do CPC - a de haver um interesse atendível da Ré em chamar o Estado ou apenas o Ministério [...] -, situação que pressupõe que o Estado ou apenas o Ministério [...] sejam ao menos litisconsortes passivos (alínea a)) ou contitulares do direito invocado pelo autor (alínea b)), já se viu que estes não são litisconsortes com a Ré e não foi contra eles dirigido qualquer pedido, e também se conclui que o Estado ou apenas o Ministério [...] não são contitulares juntamente com o A. do direito por ele invocado. 

7. Falece, assim, a hipótese de qualquer interesse atendível, por falta do requisito subjectivo legalmente exigido para o interveniente e, como é evidente, também não foi requerida e justificada qualquer outra forma de intervenção."

[MTS]