"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



15/10/2019

Jurisprudência 2019 (97)


Embargos de executado;
fundamentos; nulidade da sentença

1. O sumário de RE 2/5/2019 (181/17.4T8FTR-A.E1) é o seguinte:

O objeto da sentença há de ser idêntico ao objeto do processo, sob pena de nulidade da sentença; No âmbito dos embargos deduzidos em oposição à execução não tem cabimento a apreciação de direito de indemnização a título de responsabilidade civil.

2. Na fundamentação da sentença afirma-se o seguinte:

"II – O Objeto do Recurso

Decorridos os trâmites processuais legalmente previstos, foi proferida sentença julgando os embargos conforme segue:

«a) Julgo parcialmente procedente, por provados os presentes embargos à execução deduzidos por (…) e (…) contra Caixa Geral de Depósitos, S.A. e, em consequência, fixo a quantia exequenda em € 20.613,86, (vinte mil, seiscentos e treze euros e oitenta e seis cêntimos), determinando o prosseguimento da execução para cobrança de tal quantia.

b) Absolvo a Exequente do pedido de condenação como litigante de má-fé.» [...]

III – Fundamentos [...]

B – O Direito

Da nulidade da sentença, na parte em que deduziu ao valor da quantia exequenda o montante de € 7.516,39, que corresponde à obrigação de indemnização que se entendeu recair sobre a Embargada a título de responsabilidade civil aquiliana.

A Recorrente sustenta que a sentença proferida enferma de nulidade nos termos do disposto no art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC por violação do disposto no art. 609.º, n.º 1, do CPC.

Ora vejamos.

Nos termos do disposto no art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. É que «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras» – art. 608.º, n.º 2, do CPC. Deste modo, só haverá nulidade da sentença por omissão ou por excesso de pronúncia, quando o julgador tiver omitido pronúncia relativamente a alguma das questões que lhe foram colocadas pelas partes ou quando tiver conhecido de questões que aquelas não submeteram à sua apreciação. Nesses casos, só não haverá nulidade da sentença se a decisão da questão de que não se conheceu tiver ficado prejudicado pela solução dada à(s) outra(s) questões, ou quando a questão de que se conheceu era de conhecimento oficioso.

No que respeita a saber quais sejam as questões a apreciar, importa atentar na configuração que as partes deram ao litígio, levando em conta a causa de pedir, o pedido e as exceções invocadas pelo réu. Assim, as questões serão apenas as questões de fundo, isto é, as que integram matéria decisória, tendo em conta a pretensão que se visa obter. Não serão os argumentos, as motivações produzidas pelas partes, mas sim os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às exceções. [...]

Por outro lado, nos termos do disposto no art. 3.º, n.º 1, do CPC, o tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada a deduzir exceção. Sendo certo que o pedido e a causa de pedir plasmados na petição inicial por via da qual se exerce o ónus de impulso processual inicial conformam o objeto do processo, o objeto da sentença há de ser idêntico ao objeto do processo, afirmando-se a identidade entre a causa de pedir e a causa de julgar. [...] Donde, a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir (art. 609.º, n.º 1, do CPC), sob pena de se verificar a nulidade da mesma sentença (art. 615.º, n.º 1, al. e), do CPC).

No caso em apreço, cumpre levar em linha de conta que se está perante autos de embargos que contemplam a oposição deduzida à ação executiva fundada em contrato de mútuo garantido por hipoteca. Tal ação tem por objeto apurar se ocorre fundamento para a extinção da execução, no todo ou em parte – cfr. art. 732.º, n.º 4, do CPC. Os Embargantes pugnaram pela procedência da exceção da litispendência invocada e pela extinção da execução.

Embora tenham transcrito o teor do artigo 227.º, n.º 1, do CC, atinente à responsabilidade pela culpa na formação dos contratos, é manifesto que, atento o teor do requerimento inicial, não se trata de uma ação declarativa em que a parte ativa se arroga titular do direito a ser indemnizada pela parte passiva a coberto de tal regime legal, indemnização essa que nem sequer é peticionada.

Nem aqui teria cabimento.

Atentando-se, como se impõe, no regime inserto nos arts. 729.º e 731.º do CPC, logo se alcança que matéria factual e jurídica atinente ao direito a indemnização não pode ser invocada como fundamento de oposição à execução (desde que não constitua contracrédito já reconhecido – cfr. art. 729.º, al. h), aplicável ex vi art. 731.º do CPC). Não integra qualquer uma das alíneas previstas no art. 729.º do CPC nem consubstancia qualquer meio de defesa de que pudesse lançar-se mão no processo de declaração (cfr. art. 731.º, parte final, e art. 571.º, n.ºs 1 e 2, do CPC). A oposição à execução deduzida mediante embargos não pode transmutar-se numa ação declarativa para apreciação de direito de crédito decorrente da responsabilidade civil, designadamente do regime inserto no art. 227.º, n.º 1, do CC.

Tal como invoca a Recorrente, a sentença, na parte em apreço, enferma de nulidade por conhecer da questão relativa à responsabilidade por culpa na formação dos contratos, fixando indemnização a título de ressarcimento de danos que abate à quantia exequenda, sendo certo que tal matéria não integra o objeto do presente processo de oposição à execução mediante embargos."

[MTS]