"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



12/11/2020

Jurisprudência 2020 (93)


Justo impedimento;
prova

1. O sumário de RC 11/5/2020 (46598/17.5YIPRT.C1) é o seguinte:

I- No atual regime do CPC a falta de advogado só poderá constituir causa/fundamento de adiamento da audiência final do julgamento se: 1) a sua data não tiver sido marcada com o acordo prévio do mesmo; 2) ou então quando ocorrer situação de justo impedimento.

II- Tendo a situação de doença configuradora de justo impedimento, envolvendo o mandatário de uma das partes, ocorrido em dia anterior à data designada para a audiência de julgamento, e não tendo a mesma sido comunicada (acompanhada do respetivo atestado médico já então emitido) ao tribunal, por culpa/imprevidência do próprio advogado, até à hora em que se deu inicio à mesma à audiência, inexiste fundamento legal para o seu adiamento.


2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"Como bem, a nosso ver, se escreveu no acórdão da Relação de Lisboa de 06/12/2017 (in “proc. 1734/13.5TBTVD.L1.7”, disponível em www.dgsi.pt”) “o atestado [médico] não tem de indicar a doença concreta da pessoa em menção, até porque se o fizesse sem autorização expressa do doente, o médico estaria a violar deveres deontológicos de reserva e sigilo profissional que se lhe impõem. Basta assim que o médico especifique de forma suficiente as limitações à capacidade de trabalho. Sendo que, salvo se for invocada a falsidade do atestado ou das declarações dele constantes, se um médico atesta por sua honra que determinada pessoa está doente e não pode por isso cumprir com as suas obrigações profissionais, é porque por razões de saúde ela não o pode efetivamente fazer. Um atestado médico tem a força probatória própria que a lei atribui a um juízo pericial sobre os factos que atesta (Art. 388º do C.C.) e, mesmo sendo certo que esse juízo está sujeito à livre apreciação do tribunal (Art. 389º do C.C.), só se o juiz tiver especiais conhecimentos técnicos sobre a matéria e se encontrar devidamente habilitado a julgar doutro modo é que poderá afastar as conclusões duma prova assim produzida.”

Extrai-se, assim, do aludido atestado médico (cujo conteúdo não temos razão para questionar), que o ilustre mandatário da ré foi acometido de doença (cuja natureza se ignora), que o impossibilitava de trabalhar durante o período de 5 dias, no dia 16/03/2017, ou seja, no dia anterior àquele em que se encontrava agendada a audiência de julgamento.

Doença essa que, de per si, é suscetível de configurar uma situação de justo impedimento, pois que impossibilitando o referido ilustre mandatário de trabalhar por cinco dias, deve concluir-se que o impedia de se deslocar ao tribunal e de participar nos trabalhos da audiência de julgamento que se encontrava agendada.

Porém, e como decorre do acima citado nº. 5 do artº. 151º do CPC, em conjugação com nº. 2 do artº. 140º do mesmo diploma, estando agendado para o dia seguinte uma audiência de julgamento, para a qual estava convocado, o ilustre mandatário estava obrigado a comunicar prontamente essa sua situação de impedimento ao tribunal (juntando a respetiva prova desse impedimento, v. g. atestado médico).

Desconhecendo-se a natureza dessa doença (pois que não foi alegada), é de extrair (pois que apenas se atesta que estava impedido de trabalhar) que ela não o impediria de ele próprio de fazer essa comunicação, mas mesmo não estivesse em condições de ele próprio o fazer deveria então providenciar para que essa comunicação fosse feita ao tribunal pelo pessoal administrativo/forense do seu escritório. Pessoal esse que existia e tinha conhecimento dessa sua doença, pois que, como decorre do assinalado no ponto. 5. do Relatório, quando o sr. funcionário de justiça contactou o escritório do referido do ilustre advogado (no dia da audiência, e perante a falta do mesmo) foi informado que o mesmo se encontrava doente.

Ora, essa comunicação de impedimento não foi feita. Nem no dia anterior (no atestado médico emitido nesse mesmo dia, não consta a hora da sua emissão, e nem a mesma sequer foi depois sequer alegada), e nem até à hora do dia seguinte (10 horas) para qual se encontrava agendada a audiência de julgamento.

Comunicação essa que só veio a ser feita depois de o tribunal ter dado início à audiência de julgamento (com a produção de prova) - e após ter retardado o mesmo por mais 30 minutos aguardando pela chegada do referido ilustre mandatário - e através de requerimento é remetido ao tribunal/processo (via Citius), com data de envio pelas 10:33:55 horas daquele mesmo dia, subscrito por uma funcionária forense daquele, protestando-se nele vir a juntar atestado médico comprovativo da ali alegada doença que o impossibilitava de estar presente (o que veio acontecer na data acima referenciada de 23/09/2019).

É certo que antes de dar início à audiência de julgamento - que fora retardada aguardando a chegada do referido ilustre mandatário – o tribunal recebeu a informação do sr. oficial de justiça que a secretariava de que teria contactado o seu escritório (depreendendo-se num gesto de cortesia e de preocupação que terá visado inteirar-se da razão do seu atraso) e que daí recebera a informação de que se encontrava doente e que iria chegar ao processo um requerimento a dar conta da situação. Mas somente perante tal informação, que não se encontrava sustentada documentalmente, e depois de ter retardado por 30 minutos o seu inicio, o tribunal não dispunha de fundamento legal para adiar o julgamento, tanto mais que não sabia ou poderia adivinhar então se aludida informação prestada àquele sr. funcionário de justiça corresponderia ou não à realidade, se o alegado requerimento seria ou não formalizado, e em que termos e quando é que chegaria ao tribunal, sendo certo que se encontravam presentes diversos intervenientes processuais convocados para a audiência de julgamento designada (e depois de a mesma já ter sido a adiada/desconvocada por duas vezes pelos motivos referenciados no ponto 6. do Relatório. Recorde-se que na primeira dessas vezes tal foi motivado também por doença de que o ilustre mandatário da ré fora acometido no dia 12 de outubro de 2018. Situação que essa que foi então dada a conhecer ao tribunal através de requerimento que lhe foi enviado nesse mesmo dia, acompanhado de atestado médico comprovativo dessa doença emitido nessa mesma data, subscrito pela mesma funcionária forense daquele ilustre causídico, sendo certo que a audiência de julgamento se encontrava então designada para o dia 16/10/2018 – cfr. fls. 34 a 40 do processo físico).

Perante tudo o que se deixou exposto, extrai-se a conclusão de que a situação suscetível de configurar um justo impedimento (doença do ilustre mandatário da ré) não foi comunicada atempadamente ao tribunal.

E tal deveu-se, saldo o devido respeito, ao comportamento imprevidente/negligente do referido ilustre mandatário, que não providenciou por essa comunicação, como podia e devia ter feito (quer por ele próprio, quer, não podendo fazer, através do pessoal forense a quem dera já então conhecimento dessa sua doença).

Daí que a realização da audiência de julgamento só a ele lhe poderá ser imputável, pois qua aquando da sua realização o tribunal a quo não dispunha de fundamento legal para o seu adiamento.

E nesses termos não nos merecem censura os despachos impugnados acima referidos, não vendo motivo para anular o julgamento e a consequente sentença que se lhe seguiu.

E sendo assim, e não tendo, como vimos, a Ré/apelante atacado diretamente sentença (quer em termos da sua fundamentação, de facto e/ou de direito, quer em termos do mérito sua decisão final), para ela nos remetemos, julgando-se, desde modo, improcedente o recurso."

MTS