"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



19/11/2020

Jurisprudência 2020 (98)


Procedimento cautelar; contraditório subsequente;
decisão subsequente; objecto*


1. O sumário de RE 21/5/2020 (257/19.3T8ADV.E1) é o seguinte:

I - Só a total omissão dos fundamentos de facto ou de direito, em suma, a completa ausência de motivação da decisão, pode conduzir à nulidade a que alude a alínea b) do artigo 615.º do CPC.

II - A nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão, prevista na alínea c) do artigo 615.º do CPC, decorre de um vício no raciocínio lógico, não se confundindo com a contradição entre a matéria de facto. Só aquela primeira contradição é causa de nulidade da sentença.

III - Quando a fixação da matéria de facto que incorpora a sentença padecer de deficiência, obscuridade, contradição ou falta de motivação da decisão, aplica-se o regime do artigo 662.º, n.º 2, alíneas c) e d), do CPC, cabendo à parte interessada na sua ampliação ou modificação o ónus de, no recurso da sentença, impugnar a decisão da matéria de facto, sem prejuízo dos casos em que a Relação pode, mesmo oficiosamente, determinar a ampliação da base factual relevante para a decisão da causa.

IV - Visando o contraditório subsequente ao decretamento da providência afastar a apreciação anteriormente efectuada, por via da impugnação motivada dos factos alegados pelo requerente, da alegação de novos factos e/ou da dedução de novos meios de prova, que não foram tidos em conta pelo tribunal aquando daquela primeira decisão, quando se diz que a matéria de facto anteriormente fixada em fundamento da decisão decretada não é posta em causa, significa que, não é ali modificada tal como foi então consignada, porque a primeira fase do procedimento está encerrada, mas não significa que não seja afastada ou infirmada pela prova produzida na oposição.

V - Porém, se a factualidade que decorre do exercício do contraditório for diversa daquela, precisando-a ou modificando-a, é esta matéria provada ou não provada que funda a decisão final que, ponderando toda a prova produzida, decide manter, reduzir ou revogar a decisão de decretamento da providência, completando-a nas duas primeiras situações, ou substituindo-a, na última.

VI - Quando o julgador, mercê dos novos meios de prova apresentados com a oposição, revê a convicção formada e altera a fixação dos factos da decisão originária são estes factos modificados que fundamentam a decisão final, não havendo que proceder à alteração dos inicialmente fixados, quando o Recorrente pretende a sua modificação para os termos em que já vem efectuada da primeira instância.

VII - Quando os factos inicialmente estabelecidos não são conexos com os da decisão final, tanto aqueles inicialmente fixados como estes estabelecidos quanto à matéria alegada na oposição, podem ser impugnados e objecto de reapreciação pela segunda instância, nos termos previstos no artigo 640.º do CPC.

VIII - Constatando-se que a obrigação de restituição por banda da requerida tinha prazo certo para cumprimento, e não tendo havido celebração de novo contrato de comodato, o título que legitimava a ocupação do imóvel pela Requerente viu esse seu efeito jurídico extinto na data atrás indicada, pelo que a Requerente não pode ser considerada possuidora desde o dia 15.09.2019, encontrando-se no imóvel por mera tolerância da proprietária e não tendo, por isso, demonstrado indiciariamente o preenchimento do primeiro requisito de que depende o decretamento do procedimento cautelar de restituição provisória de posse (sumário da relatora).

2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"Na situação em presença, [...] a Recorrente aponta contradições entre os pontos de facto que elenca da decisão inicial e outros que identifica e decorreram da prova produzida após a deduzida oposição, apontando incongruências entre os mesmos e concluindo que ao proceder dessa forma, violou a sentença recorrida (vista como um todo) o disposto nos artigos 372, n.º 3 (parte final) e 607.º, n.º 4, do CPC, sendo ainda nula uma vez que tal contradição resulta numa ambiguidade que torna a decisão ininteligível ex vi do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC. [...]

Vejamos.

O artigo 372.º do CPC rege quanto ao contraditório que pode ser exercido pelo requerido subsequentemente ao decretamento da providência, sendo-lhe lícito, em alternativa, e nos termos melhor descritos nas alíneas a) e b) do respectivo n.º 1, recorrer ou deduzir oposição, neste caso, quando pretenda alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência, opção que na situação em apreço foi tomada pela Requerida, alegando factos e juntando prova documental e testemunhal que, a seu ver, justificavam no caso em presença a revogação da providência anteriormente decretada, nos termos previstos no n.º 3 do preceito, de acordo com cuja previsão, esta decisão em que o juiz decide sobre a manutenção, redução ou revogação da providência que anteriormente havia decretado, constitui complemento e parte integrante da inicialmente proferida.

Louvando-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 16.03.2017 [Proferido no processo 3118/16.4T8VNF-A.G1], defende a Recorrente que «…numa situação como a do caso concreto, tendo os Requeridos alegado, na sua oposição, factos que poderiam pôr em causa os fundamentos da providência cautelar decretada, se impunha ao julgador, no que respeita à decisão a proferir sobre a matéria de facto, não só elencar quais os factos da oposição que foram dados como provados e quais os não provados e indicar, relativamente a uns e a outros, os fundamentos que serviram de base à formação da sua convicção, mas ainda especificar quais os factos respeitantes à decisão que decretou a providência que se mantêm provados, ou indicar, pelo menos, quais destes factos resultaram infirmados, contrapondo, em sede de apreciação crítica das provas, às novas provas produzidas, as provas em que se tenha baseado a decisão cautelar», concluindo assim que «constituindo a decisão de manutenção, redução ou revogação da providência parte integrante da inicialmente proferida, tal decisão tem de ser vista como uma só e, como tal, deverão ser ambas congruentes entre si».

Conforme esclarecem JOSÉ LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE [[Cfr. JOSÉ LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE, in Código de Processo Civil Anotado, vol. 2.º, 3.ª edição, ALMEDINA, 2017, pág.] 59] «[d]e acordo com o n.º 3, produzidas as provas necessárias (art. 367-1) e fundamentadamente declarados pelo juiz os factos que julga provados e os que julga não provados (arts. 295 e 607-4), o juiz profere a decisão de manter, reduzir ou revogar a providência anteriormente decretada, considerando-se esta nova decisão complemento e parte integrante da inicialmente proferida». Efectuando a distinção entre esta formulação e aquela que constava do DL 329-A/95, onde se estatuía que «a nova decisão substituía, para todos os efeitos, a inicial», precisam os citados Autores que na perspectiva actual, com origem no DL 180/96, «o núcleo da decisão, mesmo quando a oposição desemboque na revogação (…) continua a ser a primeira decisão», enquanto naqueloutra perspectiva «a decisão proferida em contraditório, revestindo dignidade que a decisão sem contraditório não tem, sobrepõe-se à primeira, mesmo quando a mantém, absorvendo-a e a ela retroagindo os seus efeitos». Mais adiante, concluem os Ilustres Autores que «a questão é mais teórica do que prática, mas seria mais correto dizer que a decisão de manutenção completa a decisão mantida, enquanto a de revogação se lhe substitui e a de redução comunga nas duas qualidades».

Concordando integralmente com a visão plasmada na anotação ao preceito em questão relativamente ao distinguo entre um e outro modelo, precisamente pelas razões decorrentes da cristalina explicação efectuada pelos citados Autores quanto a cada uma das perspectivas do regime, já não subscrevemos totalmente o entendimento de que “a questão é mais teórica do que prática”, isto porque, a nosso ver, tem reflexos naquilo que a Recorrente qualifica como a necessária congruência entre a matéria de facto da decisão inicial e da proferida após o contraditório.

Expliquemos.

Para nos ajudar à compreensão do regime instituído, importa ainda lembrar as judiciosas observações tecidas por LOPES DO REGO [In Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. I, 2.ª edição, ALMEDINA, 2004, págs. 356 e 357], em anotação ao correspondente artigo 388.º, na redacção da codificação processual civil então vigente, salientando a profunda reformulação do regime de oposição ao decretamento das providências cautelares, regulando as especialidades que ocorrem nos casos em que se verificou a dispensa da prévia audiência do requerido, cuja tramitação «obedece estritamente ao estatuído acerca do formalismo da oposição que teria sido pertinente deduzir no momento próprio, se tivesse ocorrido prévia audição do requerido, e cumprindo, de seguida, ao juiz apreciar tal oposição superveniente juntamente e em conexão com a prova produzida pelo requerente, gravada ou registada (…), mantendo, reduzindo ou revogando, conforme os casos, a providência inicialmente decretada», por contraponto ao anteriormente vigente sistema dos “embargos” à providência que «se convertiam numa verdadeira acção declarativa sumária enxertada no procedimento cautelar».

O ponto está, portanto, em saber se a forma usada pelo julgador para efectuar esta reponderação da decisão tomada em consequência da factualidade e prova carreada ao procedimento cautelar por via da oposição, exige sempre uma decisão como a preconizada pelo citado aresto da Relação de Guimarães ou, ao invés, conforme se considerou no acórdão deste Tribunal da Relação de Évora, de 25.06.2015 [Proferido no processo n.º 707/14.5TBBNV.E1], «em procedimento cautelar decretado sem audição prévia do requerido, havendo oposição deste, não tem o Tribunal que se pronunciar novamente sobre a matéria de facto anteriormente dada como indiciariamente provada», precisamente em situação em que, invocando a violação do artigo 368.º, n.º 3, do CPC, a recorrente igualmente se insurgira contra o entendimento seguido pelo Senhor Juiz “a quo”, de apenas considerar na sentença os factos relativos à matéria da oposição, «defendendo que a matéria da primeira audiência é parte de um todo, que se completa com a demais matéria ouvida aquando da oposição e que ao afastar liminarmente os factos indiciariamente provados na primeira fase, não os analisando criticamente sequer, o julgador acaba por condicionar a boa decisão da presente providência».

Julgou-se neste aresto que a recorrente não tinha razão, aduzindo a seguinte fundamentação:

«A primitiva decisão sobre a matéria de facto foi dada com base nos elementos probatórios então produzidos e não há agora que reapreciá-la.

A oposição tem por finalidade a apresentação de outros factos que não foram tidos em conta pelo Tribunal no primeiro momento, dado que o requerido ainda não tinha sido ouvido, que tenham a virtualidade de, uma vez provados, determinarem o afastamento ou a redução da providência cautelar decretada (cfr. acórdão do STJ de 6/06/2000, CJ. STJ Ano VIII – Tomo II, pág. 100).

Como escreve António Abrantes Geraldes (in Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. III, Liv. Almedina, pág. 232), o objectivo fundamental da defesa por oposição não é o de proceder à reponderação dos meios de prova produzidos na primeira fase, actividade que mais se ajusta ao recurso da decisão em cujo âmbito se inscreva a reapreciação do julgamento sobre a matéria de facto.

O que se pretende com a oposição é carrear para os autos novos elementos que levem o julgador a formar uma convicção diferente, ou mesmo oposta, à que fora tomada com base nos primitivos elementos, isto sem prejuízo de uma valoração dos meios de prova produzidos na primeira fase e no âmbito de oposição, com vista a uma melhor ponderação da decisão e valoração dos novos meios de prova ou contraprova.

Conforme resulta da doutrina e da jurisprudência, o julgador apenas terá de ter em conta os factos novos que foram produzidos com a oposição. E serão esses factos novos que poderão ser susceptíveis de infirmar o juízo que esteve na base da decisão cautelar, não tendo o Tribunal que se pronunciar novamente sobre a matéria de facto anteriormente dada como indiciariamente provada (cfr. acórdão da RP de 28/06/2001, proc. nº. 0130400, acessível em www.dgsi.pt)».

Se bem atentarmos, esta interpretação decorria já do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06.06.2000 [Proferido no processo n.º 00A382], no qual estava em causa apreciar se era ou não legalmente exigível que fosse o mesmo juiz a apreciar a prova produzida no arresto e a prova produzida na oposição àquele deduzida, concluindo o nosso mais Alto Tribunal que «nada impede que seja um outro juiz a decidir a nova matéria de facto, desde que fosse ele a assistir à produção da nova prova». Discorrendo no caso sobre a tramitação do procedimento cautelar de arresto, que é sempre decretado sem audiência da parte contrária, explicou-se que «[f]ixada a matéria de facto e proferida decisão a aplicar o direito aos factos, decretando-se ou não o peticionado arresto, encerra-se a primeira parte deste procedimento cautelar.

Sendo decretado o arresto, como foi o caso dos autos, o requerido, notificado da decisão, pode deduzir oposição – artigo 388, n. 1, alínea b).

Deduzida esta oposição, abre-se efectivamente o contraditório, contraditório esse que não põe em causa a anterior fixação da matéria de facto, pois que a oposição tem por finalidade a apresentação de outros factos que não foram anteriormente tidos em conta, dado que o requerido ainda não havia sido ouvido, de modo a afastar os fundamentos da providência ou determinar a sua redução.

Com esta segunda fase da providência cautelar não se põe em causa a fixação da matéria de facto anteriormente consignada nos autos, a qual, conjugada com os novos factos, há-de levar à decisão de manter ou não o arresto anteriormente decretado».

Este entendimento veio a ser mais recentemente expresso novamente pelo Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão proferido em 31.10.2017 [ Processo n.º 32262/15.3T8LSB.L3.S1 [...]], no qual – convocando-se no mesmo sentido o acórdão de 13.03.2001 –, se afirmou que, sendo peça autónoma, «esta decisão última, de manutenção, redução ou revogação do arresto, tem como substrato para além da apreciação dos requisitos justificativos daquela providência, a apreciação dos factos e das provas que justifiquem, ou possam afastar e/ou reduzir a mesma, mas como estamos em sede de oposição, é a decisão desta que será objecto de recurso e, não como entendeu o segundo grau, a primeiramente tomada, embora se possa fazer apelo à fundamentação da mesma, como é óbvio, já que o próprio procedimento de oposição visa a se o seu contraditório subsequente», e sublinhou que «tendo a oposição ao arresto como finalidade a alegação de factos e/ou produzir meios de prova que não tenham sido levados em conta pelo Tribunal na decisão que o decretou, como impõe a alínea b) do nº1 do artigo 372º do CPCivil, embora a fixação da matéria de facto anteriormente consignada não seja posta em causa, a mesma deverá ser conjugada com os novos factos alegados, daí se extraindo a manutenção, redução ou revogação do arresto anteriormente decretado».

Consideramos ser esta a interpretação do regime que melhor se compagina com o actual figurino do contraditório subsequente ao decretamento da providência, e que, a nosso ver, se harmoniza com a questão decidida no citado aresto do Supremo Tribunal de Justiça de 06.06.2000, a respeito da possibilidade legal de a oposição ser decidida por outro juiz, como claramente decorre do preceituado no artigo 364.º, n.º 2, do CPC, que a respeito da relação entre o procedimento cautelar e a acção principal estabelece que "requerido antes de proposta a acção, é o procedimento apensado aos autos desta, logo que a acção seja instaurada; e se a acção vier a correr noutro tribunal, para aí é remetido o apenso, ficando o juiz da acção com exclusiva competência para os termos subsequentes à remessa". Neste caso, como se salientou nesse acórdão, «há apenas que processar os termos subsequentes e não que anular os termos anteriores».

Não obstante, importa precisar que se tem de compreender qual é justamente o sentido da afirmação de que “a matéria de facto anteriormente fixada não é posta em causa”, já que, conforme o Supremo Tribunal de Justiça, também sublinhou no acórdão de 06.07.2000 [In BMJ 499, pág. 205, citado por LOPES DO REGO], a decisão inicialmente proferida no procedimento cautelar, sem contraditório do requerido, é uma mera “decisão provisória”, insusceptível de constituir caso julgado que precluda a ulterior apreciação jurisdicional da oposição deduzida supervenientemente pelo requerido, constituindo a segunda decisão complemento ou parte integrante da primeira, pelo que – emitida esta – o procedimento passa a ter uma decisão unitária.

Assim, o entendimento que extraímos daquela afirmação é o de que, visando o contraditório subsequente ao decretamento da providência afastar a apreciação anteriormente efectuada, por via da impugnação motivada dos factos alegados pelo requerente, da alegação de novos factos e/ou da dedução de novos meios de prova, que não foram tidos em conta pelo tribunal aquando daquela primeira decisão, quando se diz que a matéria de facto anteriormente fixada em fundamento da decisão decretada não é posta em causa, significa que, não é ali modificada tal como foi então consignada, porque a primeira fase do procedimento está encerrada, mas não significa que não seja afastada ou infirmada pela prova produzida na oposição.

Na realidade, na segunda fase da providência que se abre com a dedução da oposição, são produzidos os novos meios de prova carreados aos autos pelo requerido, dando-se como provados ou não provados os factos que foram fundamento da oposição, e que são apreciados juntamente e em conexão com a prova produzida pelo requerente, podendo até o resultado da oposição, em caso de mera impugnação, ser apenas o declarar não provada toda a matéria que havia fundado o decretamento da providência. Por isso, quanto à motivação, várias situações podem ocorrer, dependendo da amplitude do contraditório deduzido. Deste modo, e por mero exemplo, se foram alegados factos contrários aos inicialmente aduzidos para o decretamento da providência ou factos fundadores de uma excepção peremptória, o tribunal não terá que reponderar os meios de prova anteriormente produzidos, naturalmente diversos daqueloutros, porque respeitantes a factos novos. Ao invés, se apenas forem apresentados meios de prova diversos dos já produzidos quanto aos factos alegados pelo requerente, estamos perante contraprova e, consequentemente, na sua motivação, ao valorar os novos meios de prova, naturalmente que o julgador os deverá sopesar no confronto com os meios de prova produzidos na primeira fase, designadamente motivando as razões que o levaram à manutenção da convicção inicialmente formada ou à formação de uma convicção essencialmente diversa daquela.

Por isso se precisou que a matéria de facto inicialmente fixada não é modificada tal como foi consignada, o que não equivale a dizer que a mesma não possa ser total ou parcialmente infirmada pela subsequente prova de matéria de facto que a afaste ou altere, levando à redução ou revogação da decisão proferida previamente ao exercício do contraditório. Assim se entende a menção legal constante no final do n.º 3 do artigo 372.º do CPC, de que esta nova decisão constitui complemento e parte integrante da inicialmente proferida. Deste modo, se a factualidade que decorre do exercício do contraditório for diversa daquela inicialmente fixada, precisando-a ou modificando-a, é esta matéria provada ou não provada que funda a decisão final que, ponderando toda a prova produzida, decide manter, reduzir ou revogar a decisão de decretamento da providência, completando-a nas duas primeiras situações, ou substituindo-a, na última.

Voltando, então, ao ponto em que referimos que a questão da substituição ou complemento da decisão anterior não se nos afigura ser meramente teórica, para dizer que se a nova decisão decorrente da oposição deduzida substituísse, para todos os efeitos, a inicial, então esta teria que ser proferida em moldes semelhantes à decisão proferida com contraditório inicial. Seria, então, “reformulada” para acomodar tanto a fundamentação de facto, como a jurídica, à matéria de facto e à prova produzida com a oposição, “absorvendo-a”, porque se imporia ao julgador da oposição uma espécie de reapreciação da matéria de facto anteriormente apreciada com meios de prova diversos. Significa isto que, esta decisão final seria una e, como tal, necessariamente congruente.

Porém, no figurino vigente não é assim, e tal é absolutamente evidente nas situações em que, da prova produzida no exercício do contraditório por banda do requerido, resulta a revogação e mesmo a redução da providência anteriormente decretada, caso em que, arriscamos dizer, necessariamente, os factos provados na decisão inicial não são “congruentes” com os que vieram a ser demonstrados após a oposição, porquanto os novos elementos probatórios trazidos ao processo pelo requerido foram bastantes para alterar a convicção anteriormente formada pelo julgador, revertendo-a ou modificando-a em moldes tais que determinaram a alteração da decisão inicialmente proferida.

Apesar de menos óbvio, o mesmo se passa no caso em que a prova produzida na oposição não foi bastante para modificar a decisão da providência anteriormente decretada, situação em que a discrepância da base factual entre um momento e outro não será tão evidente, mas não implica que exista total congruência entre a factualidade provada na decisão inicial e na proferida subsequentemente ao exercício do contraditório. Apenas determina que, nesse caso, relativamente a matéria de facto conexa e discrepante, prevaleça a decisão de facto decorrente da sua fixação após o exercício do contraditório, porque é esta ulterior apreciação jurisdicional que efectua a ponderação global que vai sustentar a decisão que, tudo sopesado e concatenado, irá manter, reduzir ou revogar a decisão originária."

*3. [Comentário] A RE decidiu bem e de forma muito bem fundamentada.

A decisão que é proferida na sequência do exercício deferido do contraditório pelo requerido no procedimento cautelar não é uma decisão de revisão da decisão que decretou sem contraditório prévio a providência cautelar, mas antes, como resulta do disposto no art. 372.º, n.º 3, CPC, uma decisão de revisão do decretamento dessa providência. Mais simples: o objecto da segunda decisão não é a primeira decisão, mas o decretamento da providência cautelar.

MTS