Nulidade processual;
pronúncia do tribunal; impugnação*
I. O sumário de RG 18/2/2021 (1929/19.8T8BCL.G1) é o seguinte:
1. A arguição de nulidades processuais a que se refere o art. 195.º, n.º 1 do Código de Processo Civil faz-se na própria instância em que são cometidas, salvo o disposto no n.º 3 do art. 199.º do mesmo diploma, de imediato ou no prazo geral de 10 dias, nos termos melhor explicitados neste último preceito.
2. As nulidades processuais distinguem-se das nulidades, erros materiais ou erros de julgamento de que podem enfermar os despachos ou sentenças, na medida em que estes são vícios de conteúdo de decisões judiciais, enquanto aquelas respeitam à própria existência ou formalidades dos actos processuais.
3. Assim, se é proferido um despacho a apreciar uma nulidade processual, designadamente sob requerimento de alguma das partes, a questão deixa de ter o tratamento das nulidades processuais para seguir o regime do erro de julgamento, por a infracção praticada passar a estar coberta pela decisão proferida, ficando esgotado, quanto a ela, o poder jurisdicional, nos termos do art. 613.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
4. Não sendo interposto recurso desse despacho, qualquer decisão judicial posterior tem de necessariamente respeitar o caso julgado formal que se formou, sendo certo que seria ineficaz se o contrariasse (arts. 620.º, n.º 1, 625.º, n.ºs 1 e 2 e 628.º do Código de Processo Civil).
II. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
"Conforme resulta das conclusões de recurso, a Apelante invoca que ocorreu omissão de notificação, ao mandatário da ré empregadora subscritor da contestação, do despacho proferido no dia 1 de Julho de 2020, a convidar ao aperfeiçoamento daquele articulado, em violação do disposto nos arts. 247.º, n.º 1, 248.º, n.º 1 e 195.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, o que acarreta a nulidade de todos os actos processuais subsequentes à omissão, nos termos do n.º 2 da última norma citada, pelo que pede a revogação da sentença e a sua substituição por uma decisão que anule aquele processado e determine novo prazo para a ré empregadora aperfeiçoar a contestação.
Resulta ainda do Relatório supra que a ré empregadora dirigiu ao tribunal a quo requerimento em que formulou idêntica pretensão, com fundamentação semelhante, o qual foi indeferido por despacho de 23/11/2020.
Estabelece o art. 195.º do Código de Processo Civil que a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa (n.º 1), e que, quando um acto tenha de ser anulado, anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente (n.º 2).
A arguição da nulidade processual faz-se na própria instância em que é cometida, salvo o disposto no n.º 3 do art. 199.º do Código de Processo Civil, de imediato ou no prazo geral de 10 dias, nos termos melhor explicitados neste mesmo preceito.
As nulidades de que se vem falando distinguem-se das nulidades, erros materiais ou erros de julgamento de que podem enfermar os despachos ou sentenças, na medida em que estes são vícios de conteúdo de decisões judiciais, enquanto as nulidades processuais respeitam à própria existência ou às formalidades dum acto processual. Assim, se é proferido um despacho judicial a apreciar uma nulidade processual, designadamente sob requerimento de alguma das partes, a questão deixa de ter o tratamento das nulidades processuais para seguir o regime do erro de julgamento, por a infracção praticada passar a estar coberta pela decisão proferida, ficando esgotado, quanto a ela, o poder jurisdicional, nos termos do art. 613.º, n.º 3, do Código de Processo Civil. Daí o aforismo “das nulidades reclama-se; dos despachos recorre-se”. (José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1.º, 3.ª ed., p. 384.)
Em conformidade, no quadro dos vícios específicos da sentença, a que se referem os arts. 614.º a 617.º do Código de Processo Civil, não está contemplado o decorrente de a mesma ser prematura, em virtude de ter sido omitido ou estar ferido de invalidade um acto da sequência processual anterior à sentença, pois o que ocorre neste caso é a aludida anulabilidade nos termos do n.º 1 do citado art. 195.º, com a consequente anulação do processado subsequente que daquele dependa, incluindo a sentença, se for o caso, nos termos do n.º 2 da mesma disposição legal. (Aut. cit., op. cit., Vol. 2.º, 3.ª ed., p. 730.)
É certo que a questão da escolha do meio processual adequado – recurso ou requerimento de arguição de nulidade – nem sempre encontra resposta tão evidente quando o juiz, ao proferir a sentença, se abstenha de apreciar uma nulidade processual de conhecimento oficioso ou que tenha sido arguida, ou omita uma formalidade imposta por lei, tendo vindo a admitir-se que, nessas situações, a parte vencida possa reagir através da interposição de recurso fundado em omissão de pronúncia, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. d) do Código de Processo Civil. (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Processo do Trabalho, Coimbra, 2010, pp. 58-59)
Não obstante, retornando ao caso em apreço, constata-se que a Apelante utiliza o presente recurso para arguir a nulidade processual em apreço enquanto tal, ou seja, nos termos do art. 195.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, e não enquanto nulidade da própria sentença de que recorre, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. d) do mesmo diploma.
Acresce que a Apelante não se limitou a optar pela via do recurso, pois, simultaneamente, arguiu a mesma nulidade processual perante o tribunal a quo, que a indeferiu, o que significa que, como acima se explicou, a questão passou a estar coberta pelo despacho proferido, ficando esgotado, quanto a ela, o poder jurisdicional, nos termos do art. 613.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
Assim, não tendo sido interposto recurso desse despacho (art. 79.º-A, n.º 2, al. j) do Código de Processo do Trabalho), o mesmo transitou em julgado e o presente Acórdão tem de necessariamente respeitar o caso julgado formal que se formou, sendo certo que seria ineficaz se o contrariasse (arts. 620.º, n.º 1, 625.º, n.ºs 1 e 2 e 628.º do Código de Processo Civil).
Como acima referido, a excepção do caso julgado é uma questão de conhecimento oficioso, atento o disposto, conjugadamente, nos arts. 577.º, 578.º, 608.º e 663.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
Em face do exposto, fica prejudicado o conhecimento do objecto do recurso."
III. [Comentário] A RG decidiu bem.
Como se refere no acórdão, não há que confundir o caso em que o tribunal se pronunciou (em qualquer dos sentidos possíveis) sobre a nulidade processual com o caso em que o tribunal, através da sentença que profere, comete ele próprio uma nulidade (da sentença) pela falta da audição prévia das partes e pela pronúncia de uma decisão-surpresa (art. 3.º, n.º 3, CPC). No fundo, importa distinguir entre a pronúncia do tribunal sobre uma nulidade processual e a pronúncia do tribunal que implica a nulidade da sua decisão.
MTS