Mandato judicial;
renúncia; efeitos
1. O sumário de RC 23/2/2021 (5403/18.1T8VIS.C1) é o seguinte:
a) O art. 47º, nº 3 CPC deve ser interpretado no sentido de que, nas ações em que é obrigatório o patrocínio, havendo o mandatário renunciado ao mandato sem que a parte, notificada pessoalmente, tenha constituído entretanto advogado, a renúncia ao mandato só produz efeitos após o decurso do prazo de vinte dias legalmente estabelecido para o mandante constituir novo mandatário, significando que durante esse período se mantém o mandato inicial.
b) O prazo de 20 dias, legalmente fixado, não suspende ou interrompe o prazo processual em curso.
c) A norma do art. 47º, nº 3 do CPC, assim interpretada, não é materialmente inconstitucional, por violação do art. 20º da CRP.
2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
"5.1.- O despacho de não conhecimento do recurso, por preclusão do direito de recorrer, contém a seguinte fundamentação:
“2.Cumpre decidir:
Consta do processo que:
A sentença foi proferida em 29/11/2019
A sentença foi notificada em 4/12/2019
O senhor advogado, mandatário do Réu, renunciou ao mandato.
O Réu foi pessoalmente notificado da renúncia em 21/1/2020.
O recurso, com impugnação de facto e reapreciação da prova gravada, foi interposto em 24/2/2020.
O recurso foi admitido por despacho de 18/9/2020.
Dispõe o art. 638º, nº 1 CPC que o prazo para a interposição de recurso é de 30 dias, contados da notificação da decisão. Estabelece o nº 7 do mesmo preceito legal um acréscimo de 10 dias se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada.
O prazo judicial ou processual é um período de tempo fixado para se produzir um determinado efeito processual, sendo estabelecido por lei ou fixado por despacho do juiz. O prazo para apresentação das alegações é de natureza processual, imposto por lei, peremptório, contínuo.
Notificadas as partes da sentença em 4/12/2019, presumindo-se feita a notificação em 9/12/2019, e suspendendo-se o prazo nas férias judiciais, entre 22/12/2019 e 3/1/2020, o prazo de interposição de 40 dias (30+10) terminou em 31/1/2021.
Resta saber se a renúncia ao mandato teve qualquer repercussão na contagem do prazo, nomeadamente se é causa de suspensão.
No despacho que determinou a notificação do Recorrente para pagar a multa prevista no art.139º, nº 5, b) e 6 CPC, considerou-se que o prazo do recurso terminou em 20/2/2020, com o argumento de que o prazo de interposição do recurso suspendeu-se por vinte dias a partir do dia 21/1/2020 (data da notificação pessoal da renúncia), por imperativo do art.47º, nº 3 CPC. Foi, de resto, neste pressuposto e com o pagamento da multa que o recurso foi recebido por despacho de 18/9/2020.
Contudo, o despacho de recebimento do recurso não vincula o tribunal superior (art. 641º, nº 5 CPC).
O regime da renúncia ao mandato está regulado no art. 47º do CPC, estabelecendo a lei ( nº 2) que a renúncia produz efeitos a partir da notificação pessoal ao mandante, “sem prejuízo do disposto nos números seguintes”.
Estatui o nº 3: “Nos casos em que seja obrigatória a constituição de advogado, se a parte, depois de notificada da renúncia, não constituir novo mandatário no prazo de 20 dias:
a) Suspende-se a instância, se a falta for do autor ou do exequente;
b) O processos segue os seus termos, se a falta for do réu, do executado ou do requerido, aproveitando-se os actos anteriormente praticados;”
A questão que se coloca é a de saber se o art. 47º, nº 3 CPC postula a interpretação no sentido de que a renúncia produz efeitos com a notificação pessoal, ou seja, se cessa o mandato com a notificação, suspendendo-se o prazo processual por 20 dias a partir daí (como entendeu o tribunal) ou se o prazo de vinte dias está estabelecido para o mandante constituir novo mandatário significando que durante esse período (20 dias) se mantém o mandato inicial (entendimento da Apelada).
O art. 47º do CPC não prevê expressamente a suspensão do prazo em curso a partir da declaração de renúncia, nem da notificação desta ao mandante.
Apesar disso, uma tese minoritária defende a suspensão do prazo a partir da notificação da renúncia, com o argumento da quebra da relação de confiança e do princípio da proibição a indefesa, significando que os efeitos da renúncia operam com a referida notificação pessoal ao mandante, cessando desde logo o mandato. Ao fim e ao cabo, esse período para o mandante constituir novo mandatário, agora positivado legislativamente em 20 dias, implicaria a suspensão da instância por “motivo justificado” e, por via dela, a suspensão do prazo em curso ( cf., por ex., Ac RE de 4/10/2007 ( proc. nº 2167/07), em www dgsi.pt).
Não parece ser esta a melhor interpretação, aderindo-se aqui à orientação dominante, no sentido de que os efeitos da renúncia só operam decorrido o prazo de vinte dias sem que o mandante tenha constituído mandatário.
O primeiro argumento é de natureza literal, visto que a norma refere expressamente que os efeitos “produzem-se a partir da notificação, sem prejuízo do disposto nos números seguintes (…)”, o que significa que a eficácia extintiva não se dá de imediato com a notificação. O “sem prejuízo” revela que que a lei difere os efeitos da renúncia ao mandato para o termo do prazo de vinte dias.
A evolução histórica aponta também neste sentido. Na redacção do art. 39º CPC, anterior ao DL nº 329-A/95, previa-se expressamente que, sendo obrigatória a constituição de advogado, a renúncia ao mandato apenas produzia efeito depois de constituído novo mandatário. Mas como a lei não fixava prazo, o mandatário renunciante teria que o requerer e só decorrido o mesmo é que se considerava extinto o mandato.
A alteração legislativa (reforma de 1995/1996) e a positivação de um prazo para o mandante constituir novo mandatário) não teve por objectivo a suspensão da instância ou do prazo, mas apenas a de “não deixar o mandatário-renunciante ad eternum no exercício do mandato, já que na primitiva redacção do preceito inexistia previsto o prazo razoável de 20 dias para o mandante constituir novo advogado, o que redundava em severa sanção para quem desejava retirar-se do patrocínio forense” (cf. Ac STJ de 12/11/2009 ( proc. nº 2822/06), em www dgsi.pt).
Interpretando a nova redacção do art. 39º CPC, escreve Lopes do Rego – “os nºs 2 e 5 do artigo 39.º reformularam substancialmente o regime da renúncia ao mandato nas causas em que é obrigatório o patrocínio, por se haver considerado desproporcionado o sistema que, como regra, impunha ao mandatário renunciante a continuação do patrocínio até que a parte constituísse novo mandatário, como acontecia antes da reforma do processo civil ocorrida em 1995/1996 (operada pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12/12, e pelo Decreto-Lei n.º 180/96, de 25/09). Assim, a) A renúncia começa por ser notificada às partes, por força do n.º 1, devendo a notificação ao mandante ser pessoal, nos termos do disposto no artigo 256.º, e conter a advertência dos efeitos cominados no n.º 3, dispondo de um prazo que se considere razoável para constituir novo mandatário (20 dias), dispensando-se, deste modo a intervenção do juiz, a requerimento do mandatário renunciante, para fixar o concreto prazo judicial para tal constituição, nos termos que decorriam do preceituado no n.º 3 deste artigo 39º, na redacção anterior à reforma; b) Findos esses 20 dias, contados da notificação, para a parte constituir novo mandatário, produzem-se de pleno os efeitos típicos da renúncia ao mandato e da extinção deste: suspende-se a instância, se a falta de constituição de novo mandatário for imputável ao autor; e se for ao réu, o processo segue os seus termos, aproveitando-se os actos praticados pelo mandatário renunciante (tais efeitos correspondem, aliás, aos que já decorriam do preceituado na parte final deste artigo, na redacção anterior à reforma)” (Comentários ao Código de Processo Civil, 2ª edição, volume I, pág. 77).
De igual modo, também Lebre de Freitas: “Estabeleceu-se um prazo legal de vinte dias para o mandante constituir novo mandatário, durante o qual se mantém o patrocínio inicial (embora a lei tenha deixado de o dizer expressamente, tal resulta do prosseguimento do processo até ao termo do prazo). Simplificou-se assim o regime anterior, segundo o qual o estabelecimento do prazo (judicial) estava na disponibilidade do mandatário renunciante. Logo que, dentro do prazo, a parte constitua novo advogado, a renúncia produz os seus efeitos, o mesmo acontecendo no termo do prazo, se não o constituir. Neste caso, deixando a parte de ter mandatário, dá-se a suspensão da instância no caso de faltar advogado ao autor, mas prossegue o processo, por não poder ser penalizado o autor, no caso de faltar advogado ao réu” ( Código de Processo Civil Anotado, Vol.1º, pág. 80).
No actual art. 47º CPC (corresponde redacção à do DL nº 329-A/95) o legislador fixou, desde logo, um prazo ( vinte dias ), mas com esta alteração o que apenas se pretendeu foi clarificar o regime da renúncia ao mandato, em que é obrigatória a constituição de advogado, no sentido de que os efeitos da renúncia se produzem decorrido o prazo legalmente fixado para a parte constituir novo mandatário, sem necessidade de prévio requerimento, e não a suspensão ou interrupção dos prazos.
Neste sentido e no plano jurisprudencial, por ex., Ac RC de 3/7/2002 (proc.1439/2002), Ac RC de 29/11/2011 (proc. nº 2191/2003), Ac RC de 24/1/2017 ( proc. nº 412/2009 ), disponíveis em www dgsi.pt.
Neste contexto, tem razão a Apelada, pois o prazo para a interposição do recurso terminou em 31/1/2020 ( e não em 20/2/2020) e como o decurso do prazo extingue o direito de praticar o acto (art.139º, nº 3 CPC), significa haver precludido o direito de recorrer, o que implica o não conhecimento do recurso (arts.652º, nº 1, b) e 655º CPC), procedendo a questão prévia da inadmissibilidade do recurso”.
[MTS]