"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



17/09/2021

Jurisprudência 2021 (37)


Regulação das responsabilidades parentais;
competência internacional; Reg. 2201/2003


1. O sumário de RP 11/2/2021 (15/18.2T8BAO-C.P1) é o seguinte:

I - A competência internacional dos tribunais portugueses para a regulação das responsabilidades parentais deve coincidir, em regra, com a residência habitual do menor.

II - Esse conceito deve ser interpretado em termos comunitários como sendo o local onde se revela a integração do menor num ambiente social e familiar de forma estável.

III - Se um menor frequenta o infantário em França e aí habita com a sua mãe é essa a sua residência.

IV - Excepcionalmente pode um tribunal nacional, nos termos do art. 15º, do regulamento nº 2201/2003, ser competente, mas é necessário que exista um efectivo interesse do menor e uma melhor possibilidade de decisão do litigio por razões objectivas de proximidade.


2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"Decorre do artº 82º do CC que “A pessoa tem domicílio no lugar da sua residência habitual”, e do nº1, do artº 85º do mesmo diploma legal, que “O menor tem domicílio no lugar da residência da família”, sendo esta a sua residência necessária".

Ora, no presente caso parece simples e curial concluir que o menor reside com a sua mãe em França. Não apenas foi isso que ficou fixado no acordo dos autos, mas é precisamente esse o motivo do aceso litígio entre os progenitores desde 2018 (cfr. alegações de ambos no processo de 1º instância).

Acresce que, nos termos do art. 9º, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível: “1 - Para decretar as providências tutelares cíveis é competente o tribunal da residência da criança no momento em que o processo foi instaurado. 2 - Sendo desconhecida a residência da criança, é competente o tribunal da residência dos titulares das responsabilidades parentais”.

Nos termos do nº 8 “Quando o requerente e o requerido residam no estrangeiro e o tribunal português for internacionalmente competente, o conhecimento da causa pertence à secção da instância central de família e menores de Lisboa, na Comarca de Lisboa”.

Daí decorre, pois, que mesmo que os tribunais nacionais fossem competentes internacionalmente seria outro que não o tribunal a quo.

*Importa, porém, apreciar o regime do Regulamento (CE) n.° 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental.[...]

Este diploma esclarece desde logo, nas suas considerações que: As regras de competência em matéria de responsabilidade parental do presente regulamento são definidas em função do superior interesse da criança e, em particular, do critério da proximidade. Por conseguinte, a competência deverá ser, em primeiro lugar, atribuída aos tribunais do Estado-Membro de residência habitual da criança, excepto em determinados casos de mudança da sua residência habitual ou na sequência de um acordo entre os titulares da responsabilidade parental.

O art. 8º, desse diploma estabelece que: “1. Os tribunais de um Estado-Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental relativa a uma criança que resida habitualmente nesse Estado-Membro à data em que o processo seja instaurado no tribunal”.

O conceito de residência habitual tem vindo a ser definido pelos tribunais comunitários [Cfr. Ac do TJUE (Terceira Secção), 2 de Abril De 2009 (pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Korkeinhallinto-oikeus, Finlândia)] como: “correspondendo ao local que revelar uma determinada integração do menor num ambiente social e familiar. Para esse fim, devem ser tidas em consideração, nomeadamente a duração, a regularidade, as condições e as razões da permanência no território de um Estado-Membro e da mudança da família para esse Estado, a nacionalidade do menor, o local e as condições de escolaridade, os conhecimentos linguísticos, bem como os laços familiares e sociais que o menor tiver no referido Estado”.

Acentuando-se ainda que que, “a determinação daquele conceito há-de ser feita à luz das disposições e do objectivo do dito regulamento, nomeadamente do constante do seu considerando décimo segundo, daí ressaltando que “as regras de competência nele fixadas são definidas em função do superior interesse da criança, em particular do critério da proximidade”. [Ac do TJUE (Primeira Secção), 22 de Dezembro de 2010 (acessível em http://curia.europa.eu/júris /document.jsf;jsessionid).]

Em idêntico sentido, o Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 22 de Dezembro de 2010, proc. C-497/10 PPU, acrescenta que: “se com a aplicação dos critérios enunciados se concluir que a residência habitual da criança não pode ser estabelecida, então, a determinação do tribunal competente deverá ser efectuada com base no critério da “presença da criança” na acepção do artigo 13.º do Regulamento (disposição que, no seu n.º 1, refere que “se não puder ser determinada a residência habitual da criança nem for possível determinar a competência com base no artigo 12.º, são competentes os tribunais do Estado-Membro onde a criança se encontra”).

A nossa escassa doutrina [Nuno Ascensão Silva, “O Regulamento Bruxelas IIbis [Regulamento (CE) 2201/2003, do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.º 1347/2000]”, in O DIREITO INTERNACIONAL DA FAMÍLIA TOMO I, junho de 2014, CEJ - Coleção de Formação Contínua, pág. 24 e segs. Cfr. file:///C:/Users/MJ01836/Downloads/ O_DIREITO_INTERNACIONAL_DA_FAMILIA.pdf, e Anabela FIALHO, O Direito Internacional da Família – Algumas questões práticas, in O Direito Internacional da Família, mesmo local e acesso] sobre esta questão acentua que “Incumbe ao órgão jurisdicional nacional determinar a residência habitual do menor tendo em conta o conjunto das circunstâncias de facto relevantes em cada caso concreto.”

E, os nossos tribunais compartilham esta posição, defendendo que:

1. Atento o disposto no art. 8 do Regulamento (CE) n.° 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, no que respeita à responsabilidade parental, a pedra de toque para a determinação da competência internacional situar-se-á na circunstância de a criança residir habitualmente num determinado Estado Membro (no momento em que a acção é proposta). A determinação da competência deve ter como objectivo a protecção do superior interesse da criança e ser fundada no princípio da proximidade – tem em vista a maior proximidade relativamente ao ambiente familiar social e cultural do dia a dia da criança, ligação que deve ser tida em consideração, ainda que haja uma permanência num outro Estado, se desta última resultar que não se constituiu uma ligação pelo menos tão estreita como aquela outra [Ac RL de 19.11.2020, nº 726/19.5T8MFR.L1-2; ver ainda no mesmo sentido Ac da RL de 19.12.2019, nº 2577/19.8T8CSC-A.L1-6 (ANTÓNIO SANTOS) e Ac. da RL de 27.3.2012, nº 703/11.4TBLNH.L1.1].

2. “As regras de competência em matéria de responsabilidade parental do presente regulamento são definidas em função do superior interesse da criança e, em particular, do critério da proximidade. Por conseguinte, a competência deverá ser, em primeiro lugar, atribuída aos tribunais do Estado-Membro de residência habitual da criança, excepto em determinados casos de mudança da sua residência habitual ou na sequência de um acordo entre os titulares da responsabilidade parental”. [Ac da RC de 5.11.2019 4564/17.1T8CBR-B.C1, este aresto acentua que: “O conceito de “residência habitual” deve ser definido a partir da legislação comunitária, da finalidade do próprio Regulamento Comunitário, aferindo-se casuisticamente, sendo que pressupõe uma certa duração e estabilidade, devendo corresponder ao lugar que traduz uma certa integração da criança num ambiente social e familiar e que não se trate de uma presença num determinado Estado-Membro de carácter temporário ou ocasional. 3.- Residindo uma criança em Inglaterra, com ambos os progenitores, país de onde veio para Portugal, com a mãe, sem o conhecimento e/ou consentimento do pai, em 23 de Maio de 2107, tendo, na sequência do acordo de alteração das responsabilidades parentais, regressado, de novo, para Inglaterra, com o pai, em Setembro de 2018, onde se mantém a viver e a frequentar a escola, os tribunais portugueses são internacionalmente incompetentes para decidir da acção de alteração das responsabilidades parentais proposta pela mãe em Portugal.”]

3. Por isso, tendo a requerente num processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais declarado que a sua filha menor, a quem se referem tais responsabilidades, vive consigo na Bélgica, são os tribunais da respectiva ordem judiciária os internacionalmente competentes para a correspondente decisão. [RP de 6.3.2018, nº 30122/15.7T8PRT-D.P1 (Rui Moreira)]

O STJ apreciou a mesma questão, por, pelo menos duas vezes, acentuando, com o Ac do STJ de 28-1-2016 processo 6987/13.6TBALM.L1.S1. que: «o conceito de «residência habitual» à luz do referido Regulamento (CE) nº 2201/2003, (…) “deve interpretar-se autonomamente, de acordo com a jurisprudência do TJCE (se bem que em domínios diferentes do da Convenção de Bruxelas de 1968), como «o local onde o interessado fixou, com a vontade de lhe conferir carácter estável, o centro permanente ou habitual dos seus interesses, entendendo-se que, para efeitos de determinação dessa residência, é necessário ter em conta todos os elementos de facto dela constitutivos».

Mais recentemente, o STJ reafirmou essa posição, no Ac de 27.6.2019, nº 1789/18.6T8PTM-A.E1.S1 (RAIMUNDO QUEIRÓS) decidindo que: “O conceito de "residência habitual" - a que alude o referido art.º 5º nº1 da Convenção [Relativa à Competência, à Lei Aplicável, ao Reconhecimento, à Execução e à Cooperação em Matéria de Responsabilidade Parental e Medidas de Protecção das Crianças] deve ser interpretado no sentido de que essa residência corresponda ao local onde se encontra organizada a sua vida familiar, social e escolar em termos de estabilidade e permanência"."

[MTS]