"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



08/09/2021

Jurisprudência 2021 (30)


Processo de insolvência;
habilitação*


1. O sumário de RG 18/2/2021 (1224/18.0T8VNF-F.G1) é o seguinte:

- Tendo falecido um credor na pendência do respectivo processo de insolvência e sendo os tribunais portugueses internacional e exclusivamente competentes em matéria de insolvência por força do disposto no art. 63º, al. e) do CPC, compete ao mesmo tribunal a apreciação do incidente de habilitação de herdeiros daquele credor para, em vez dele, prosseguir os termos da demanda, de harmonia com o disposto no art. 91º, nº 1, e 352º, nº 1, do CPC, ainda que esse credor português residisse em França.

- De acordo com o disposto nas alíneas a) e c) do nº 1, do art. 640º do CPC, exige-se, sob pena de rejeição, que o recorrente ao impugnar a decisão sobre a matéria de facto, especifique os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.


2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"Alega o recorrente que a decisão do Tribunal recorrido não pode manter-se pelos seguintes motivos:

a) decorre do art. 59º do CPC que, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62.º e 63.º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94.º, excepto nos casos em que o contrário se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais;

b) à data do decesso do malogrado M. C. já estava em vigor o Regulamento nº 650/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, cujo art. 4º estatui o seguinte:

“São competentes para decidir do conjunto da sucessão os órgãos jurisdicionais do Estado-Membro em que o falecido tinha a sua residência habitual no momento do óbito;

c) as normas do Regulamento nº 650/2012 são directamente aplicáveis no nosso ordenamento jurídico, e são elas que regem questões processuais relacionadas com as sucessões transnacionais, designadamente: qual o Estado-membro da União Europeia cujas autoridades irão tratar da sucessão, qual a legislação nacional aplicável à sucessão, quais os efeitos jurídicos produzidos pelas decisões judiciais e atos notariais em matéria sucessória noutro Estado-membro da EU e de que forma pode ser utilizado o certificado sucessório europeu.

Carece de razão o recorrente.

O aludido Regulamento é relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e execução das decisões, e à aceitação e execução dos atos autênticos em matéria de sucessões e à criação de um Certificado Sucessório Europeu.

Ora, conforme se sustenta na sentença recorrida, os presentes autos não visam decidir sobre a sucessão ou sobre o conjunto da sucessão, mas somente habilitar os herdeiros do falecido para que o substituam neste processo. Daí que é inaplicável ao caso vertente o citado Regulamento.

Com efeito, estamos aqui perante um incidente de instância de um processo de insolvência, cuja competência internacional dos tribunais portugueses não vem posta em causa e resulta do disposto no art. 63º, al. e) do Código de Processo Civil, que nos diz que os tribunais portugueses são exclusivamente competentes em matéria de insolvência ou de revitalização de pessoas domiciliadas em Portugal ou de pessoas coletivas ou sociedades cuja sede esteja situada em território português.

Por conseguinte, a competência do tribunal a quo para apreciação deste incidente é uma competência por conexão com o processo principal de que o incidente depende, de harmonia com o disposto no art. 352º, nº 2 do Cód. Proc. Civil.

E o art. 91º, nº 1, do CPC, prevê que o tribunal competente para a ação é também competente para conhecer dos incidentes que nela se levantem e das questões que o réu suscite como meio de defesa.

Constituindo estes autos um incidente processado no apenso “F” do processo principal de insolvência, a competência para conhecer dos mesmos cabe ao mesmo tribunal.

Concluímos, assim, que sentença recorrida decidiu bem ao julgar improcedente a invocada excepção da incompetência absoluta do Tribunal.

*[Comentário] A RG decidiu bem.

Note-se, no entanto, que tendo certamente o devedor o centro dos seus interesses principais num Estado-Membro, o disposto no art. 63.º, al. e), CPC cede perante o estabelecido no art. 3.º, n.º 1, Reg. 2015/848.

MTS