"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



10/09/2021

Jurisprudência 2021 (32)


CLug II;
reconhecimento de decisões*


1. O sumário de RE 11/2/2021 (1279/20.7T8FAR.E1) é o seguinte:

O tribunal só pode recusar a executoriedade de uma decisão com base na violação das regras de competência se a decisão cuja executoriedade se pretende ver reconhecida tiver sido proferida por um tribunal incompetente à luz das regras da Convenção de Lugano.


2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"O requerente junta cópia certificada da decisão, da qual resulta que o requerido teve intervenção na ação em que foi proferida a sentença exequenda (art.º 53.º da Convenção).

Encontra-se junta aos autos certidão relativa à decisão judicial a que alude o art.º 54.º da Convenção.

Nos termos do disposto no art.º 706.º, n.º 1, CPC, as sentenças proferidas por tribunais ou por árbitros em país estrangeiro só podem servir de base à execução depois de revistas e confirmadas pelo Tribunal português competente, sem prejuízo do que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos comunitários e leis especiais.

Portugal como a Suíça regem-se pela Convenção relativa à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, assinada em Lugano em 30.10.2007, publicada no Jornal Oficial da União Europeia de 21.12.2007.

A decisão recorrida declarou a executoriedade em Portugal de sentença condenatória proferida contra o ora recorrente por um Tribunal Suíço.

Discute-se a qualidade de interessado e o interesse em agir por parte do recorrido e a violação das regras de competência previstas no art.º 22.º, n.º 5, da Convenção de Lugano.

A sentença proferida pelo Tribunal Suíço condena o ora recorrente a pagar ao recorrido determinada quantia e na presente acção pede o requerente que a mencionada sentença seja declarada executória em Portugal.

Entre os pressupostos processuais referentes às partes, deve incluir-se o interesse processual ou o interesse em agir. Embora a lei não lhe faça referência expressa, ele encontra-se perfeitamente identificado como tal na doutrina e na jurisprudência, que o consideram admissível no elenco não taxativo do artigo 577.º do CPC.

A causa de pedir na acção executiva, como seu fundamento substantivo, é a obrigação exequenda, sendo o título executivo o instrumento documental privilegiado da sua demonstração.

A sentença que se pretende executar em Portugal condena o recorrente a pagar ao recorrido determinada quantia. O interesse em agir do recorrido decorre da titularidade de um direito de crédito reconhecido por sentença, direito esse que pretende exercer coercivamente, ainda que exija a prática prévia de actos instrumentais – declaração de executoriedade da sentença estrangeira.

Mesmo a alegação (não demonstrada) de que nos Tribunais Suíços se iniciaram diligências com vista à cobrança coerciva do credito só relevaria em sede de execução a instaurar e não nos presentes autos em que se pede apenas que seja declarada força executória à decisão condenatória proferida em 24 de outubro de 2018 pelo Tribunal Distrital de La Broye et du Nort Vandois, na Suíça.

Sustenta o Recorrente que a executoriedade da sentença suíça não pode ser reconhecida em Portugal por ter sido desrespeitado o disposto no artigo 22.º, n.º 5, da Convenção.

Subscrevemos na íntegra a argumentação do recorrido.

«A Convenção dispõe que os tribunais do país em que se pretende executar a sentença estrangeira só podem recusar a executoriedade com fundamento nalgum dos motivos especificados nos artigos 34.º e 35.º, entre os quais se encontram as regras de competência do artigo 22.º, n.º 5, invocadas pelo Recorrente.

Dispõe esta norma que “têm competência exclusiva, qualquer que seja o domicílio:

Em matéria de execução de decisões, os tribunais do Estado vinculado pela presente convenção do lugar da execução”.

Daqui o Recorrente retira a conclusão de que há uma violação das regras de competência porque a competência para a execução é do tribunal do seu domicílio, ou seja, a Suíça, tendo em conta o que resulta da conjugação do disposto nos artigos 90.º e 86.º do Código do Processo Civil e sem aplicação do previsto no artigo 89.º, n.º 3, do mesmo diploma.

O tribunal só pode recusar a executoriedade de uma decisão com base na violação das regras de competência se a decisão cuja executoriedade se pretende ver reconhecida tiver sido proferida por um tribunal incompetente à luz das regras da Convenção.

Ou seja, nesta matéria o que está em causa não é a competência do tribunal que declara a executoriedade da sentença estrangeira – essa está definida no artigo 39.º, n.º 1 e no Anexo II da Convenção;

E também não é a competência do tribunal que executará essa sentença logo que o exequatur seja obtido, como parece indicar o argumento do Recorrente – essa acção ainda não foi interposta, pelo que jamais poderia aqui haver violação de regras de competência.

O que está em causa é a competência do tribunal que proferiu a sentença estrangeira, ou seja, o tribunal suíço.

Acontece que a acção em que essa sentença foi proferida tem natureza declarativa, pelo que jamais poderia estar abrangida pela disposição do artigo 22.º, n.º 5, da Convenção, como vem invocado pelo Recorrente».

 

*3. [Comentário] a) A RE decidiu bem.

b) O art. 22.º, n.º 5, CLug II é igual ao art. 16.º, n.º 5, CLug e equivalente ao art. 16.º, n.º 5, CBRux, ao art. 22.º, n.º 5, Reg. 44/2001 e ao art. 24.º, n.º 5, Reg. 1215/2012.

Depois de algumas interpretações equivocadas destes preceitos, toda a doutrina portuguesa acompanha hoje o que sempre se disse sobre o sentido destes preceitos: eles não estabelecem nenhuma competência para a execução, mas antes uma competência exclusiva do tribunal da execução para apreciar os processos declarativos que sejam dependência ou incidente dessa execução (como, por exemplo, os embargos de executado ou de terceiro).

MTS