Erro na forma do processo;
convolação; excepção dilatória
1. O sumário de RE 25/2/2021 (52149/19.0YIPRT.E1) é o seguinte:
I.- A pretensão que pode ser exercida no processo de injunção é apenas aquela que se baseia em relações contratuais, cujo objeto da prestação seja diretamente referido a uma determinada quantidade monetária, ou seja, obrigações pecuniárias que tenham como fonte direta um contrato e não obrigações que tenham como origem outra fonte, nomeadamente, dívida derivada de responsabilidade civil.
II.- Dito de outro modo, o pedido processualmente admissível será a prestação contratual estabelecida entre as partes cujo objeto seja em si mesmo uma soma de dinheiro e não um valor representado em dinheiro.
III.- O princípio da adequação formal previsto no artigo 547.º do CPC visa a realização da justiça em prazo razoável, cumprindo o comando constitucional do artigo 20º/4, mediante um procedimento equitativo, mas que garanta também a efetivação dos princípios da segurança jurídica, da aquisição processual dos factos e do dispositivo.
IV.- Se a convolação do processo especial para processo declarativo comum redunda em diminuição do prazo para a defesa do Réu, não está garantida a efetivação do princípio do processo equitativo e da segurança jurídica, mediante os quais o tribunal está obrigado a garantir às partes um estatuto de igualdade substancial no uso de meios de defesa, como o preconiza o artigo 4.º do CPC.
2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
"2.- Resta saber se foi violado o princípio da adequação formal, previsto no artigo 547.º do CPC.
Este princípio obriga o juiz a adotar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos atos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo.
E é uma emanação do dever de gestão processual consagrado no artigo 6.º do mesmo diploma, que autoriza a realização ou a dispensa de certo atos processuais.
Institutos que configuram uma cedência do direito continental (civil law) ao direito do common law, onde tem grande tradição a procura da resolução dos conflitos utilizando para isso instrumentos de grande abertura e pragmatismo, em detrimento de um excessivo formalismo que enforma o direto continental o que o impede, amiúde, de encontrar a justa composição material dos litígios bastando-se com decisões apenas formalmente justas (Em Inglaterra a Rule 1.1 (c)e (d) do Code of Procedural Rules e, nos EUA, o § 473º (a) (1) do Title 28 USC).
A adequação formal visa, em suma, a realização da justiça em prazo razoável, cumprindo o comando constitucional do artigo 20.º, mas mediante um procedimento equitativo, que garanta também a efetivação dos princípios da segurança jurídica, da aquisição processual dos factos e do dispositivo – neste sentido, Rui Pinto, CPC Anotado, Vol. II, 2018, pág. 12 a 19 e Ferreira de Almeida, in Direito Processual Civil, Vol. I, 219, pág. 88.
Como escreveu Cardona Ferreira no Ac. STJ de 18-11-1997, Procº 97A726 relativamente ao artigo 265.º-A do anterior CPC, onde se previa o mesmo princípio, “o princípio da adequação formal deve ser aplicado casuisticamente e com cuidado, sob pena de indisciplina e de insegurança”.
Argumenta a recorrente que, no caso dos autos, deveria o tribunal a quo convolar a injunção para ação declarativa comum, ou convidar as partes ao aperfeiçoamento com vista a permitir uma solução justa do litígio evitando-se a instauração de outra ação, pelo que foi violado o que dispõe o artigo 547.º do CPC.
Nesta sede, o tribunal a quo ponderou o prazo de defesa de 15 dias no processo declarativo especial e o de 30 dias no processo comum, concluindo que a forma processual escolhida pela autora é insuscetível de sanação porquanto a forma escolhida implicou sensível diminuição dos meios de defesa da Ré considerando o prazo de contestação inferior àquele que se prevê no processo comum.
O que equivale por dizer que, a convolação do processo especial para processo declarativo comum, redundaria numa clara diminuição do prazo para a defesa do Réu, o que não garantiria a efetivação do princípio do processo equitativo e da necessária segurança jurídica, mediante os quais o tribunal está obrigado a garantir às partes um estatuto de igualdade substancial no uso de meios de defesa, como o preconiza também o artigo 4.º do CPC.
Tudo porque o princípio da adequação formal não vive sozinho no mundo processual, para operar tem que ser integrado sistematicamente com outros princípios de igual ou superior valia, cedendo quando estes se sobreponham, como é o caso dos autos.
No mesmo sentido, cfr. Ac. TRC de 14-10-2014, Carvalho Martins, Procº 507/10.1T2AVR-C.C1:
1.- O principio da adequação formal, consagrado no art. 547.º CPC, não transforma o juiz em legislador, ou seja, o ritualismo processual não é apenas aplicável quando aquele não decida, a seu belo prazer, adaptar o conteúdo e a forma dos atos processuais, sob a invocação de, desse modo, assegurar um processo equitativo.2.- Os juízes continuam obrigados a julgar segundo a lei vigente e a respeitar os juízos de valor legais, mesmo quando se trate de resolver hipóteses não especialmente previstas (art. 4.º-2 da Lei n.º 21/85, de 30-7), e, daí, que o poder-dever que lhes confere o preceito em causa deva ser usado tão somente quando o modelo legal se mostre de todo inadequado às especificidades da causa, e, em decorrência, colida frontalmente com o atingir de um processo equitativo. Trata-se de uma válvula de escape, e não de um instrumento de utilização corrente, sob pena de subverter os princípios essenciais da certeza e da segurança jurídica.
Assim sendo, bem andou o tribunal a quo ao não convolar o processo, o que significa que improcede a apelação na sua totalidade."
[MTS]