Declarações de parte;
apreciação
1. O sumário de RP 22/2/2021 (1303/16.8T8PNF.P1) é o seguinte:
Face ao disposto no art. 466º do CPC/201 as declarações de parte são um meio de prova válido, estando sujeitos, tal como a prova testemunhal, à livre convicção do julgador [na medida em que não consubstanciem confissão], tudo se reconduzindo à avaliação e ponderação que haja de ser feita, sem prejuízo porém dessa avaliação dever ser feita com a necessária cautela.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"2.2. A Recorrente, para além da alegação de que a A. não se recordaria da data do acidente, no mais sustenta essencialmente a impugnação na indevida valorização das declarações prestadas pela Autora em audiência de discussão e julgamento que não seriam corroboradas por outros meios de prova.
No Acórdão desta Relação de 13.03.2017, Proc. nº 407/15.9T8AVR.P1 [...], referiu-se o seguinte:
“Desde já se afirma que a impugnação da decisão sobre a matéria de facto não tem propriamente a ver com o teor das declarações/depoimentos das testemunhas mas antes com a indevida valorização das declarações prestadas pelo Autor em audiência de discussão e julgamento e que se mostram espelhadas na fundamentação da decisão quanto à matéria de facto.Consideramos oportuno aqui transcrever as considerações feitas pelo Juiz de Direito Luís Filipe Pires de Sousa [em as «Malquistas declarações de parte»] defendendo este Magistrado: (…) “(i) as declarações de parte integram um testemunho de parte; (ii) a degradação antecipada do valor probatório das declarações de parte não tem fundamento legal bastante, evidenciando um retrocesso para raciocínios típicos e obsoletos de prova legal; (iii) os critérios de valoração das declarações de parte coincidem essencialmente com os parâmetros de valoração da prova testemunhal, havendo apenas que hierarquizá-los diversamente. Em última instância, nada obsta a que as declarações de parte constituam o único arrimo para dar certo facto como provado desde que as mesmas logrem alcançar o standard de prova exigível para o concreto litígio em apreciação”.
Igualmente o Conselheiro António Abrantes Geraldes refere, acerca da declarações de parte, “admite-se a prestação de declarações de parte, por sua própria iniciativa, opção que encontra especial justificação nos casos em que, por não ser admissível a confissão de factos (designadamente quanto estejam em causa direitos indisponíveis), está vedada prestação de depoimento com tal objectivo especifico” (…) “admite-se, assim, que a parte enfrente o juiz que aprecia a causa, possibilitando que na formação da convicção este pondere o teor das declarações emitidas, ainda que sem natureza confessória, passo essencial para que se reduza o recurso, frequentemente abusivo ou desviante a depoimentos de testemunhas que não tiveram conhecimento directo, e atenuando o relevo excessivo que pelas partes ou pelos tribunais vem sendo atribuído aos depoimentos testemunhais” (…) – Revista Julgar, nº16, Temas da nova Reforma do Processo Civil, páginas 75/76.
Nos termos do artigo 466º, nº1 do CPC “As partes podem requerer, até ao início das alegações orais em 1ª instância, a prestação de declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento directo”, sendo que “O tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão” [nº3 do mesmo artigo].
Perante as declarações de parte o Juiz valoriza, ou não, as mesmas, em conjugação com os demais elementos de prova, nomeadamente recorrendo às regras da experiência e às presunções judiciais, assim formando a sua livre convicção, nada impedindo que essa mesma convicção seja favorável ao próprio declarante/parte.
Posto isto, passemos ao caso concreto.
Relativamente aos quesitos 1 e 3 o Mmº. Juiz a quo alicerçou a sua convicção nas declarações do Autor conjugadas com os depoimentos das testemunhas J… e K…, vizinhas do Autor. Ou seja, a convicção do Tribunal não se alicerçou única e exclusivamente nas declarações do Autor.
Argumenta a apelante que os depoimentos das referidas testemunhas não poderiam ser tomados em conta pois elas não presenciaram o acidente. Tudo leva a crer que assim seja, que elas não presenciaram o acidente. Mas o Mmº. Juiz a quo considerou relevante o facto das vizinhas do Autor sempre o terem visto a usar óculos e após o acidente deixaram de o ver com óculos. Tal significa que, com recurso às regras da experiência, e tendo em conta as declarações do Autor e das testemunhas, suas vizinhas, o Tribunal a quo formou livre convicção de que o Autor usava óculos no dia do acidente e que estes se destruíram pois as suas vizinhas deixaram de o ver, a partir daí, com óculos.
Salvo o devido respeito, não vemos como «anular» a convicção do Mmº. Juiz a quo neste particular inexistindo fundamento legal para afirmar que os referidos elementos de prova – as declarações do sinistrado e das suas vizinhas – não podem ser valorados só pelo facto de as vizinhas do Autor não terem presenciado o acidente.
Na verdade, os argumentos da apelante vão contra o preceituado no artigo 607º, nº4 do CPC que dispõe: “Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção” (…).
Como refere Marta João Dias – em “A fundamentação do juízo probatório – Breves considerações, Revista Julgar, nº13, página 188 – “Considerando ter a prova uma função cognoscitiva da verdade intersubjectivamente partilhada, a liberdade conferida ao julgador na apreciação da prova só pode ser concebida com uma discricionariedade vinculada a critérios racionais e orientada para a descoberta daquela verdade prática. Assim sendo, compreende-se o imperativo de a decisão ser acompanhada por um discurso justificante a certificar que ela é fruto de critérios racionais e não de quaisquer palpites, intuições ou arbítrios”.
Não encontrámos na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto qualquer sinal no sentido de que a convicção formada constituiu, em face dos elementos de prova indicados, erro notório na apreciação da prova.
Afigura-se-nos antes que a apelante não está de acordo com a convicção formada pelo Mmº. Juiz a quo, o que não constitui fundamento para alteração da decisão quanto à matéria de facto.”
E, no mesmo sentido, se pronunciou o referido colectivo no Acórdão de 06.04.2017, proferido no Proc. nº 2367/15.7T8MTS.P1 [...], pronunciando-se ainda o Acórdão desta Relação de 07.11.2016[3], www.dgsi.pt., em cujo sumário de refere que: “I - Em face do disposto no art.º 466.º do NCPC, actualmente é inequívoco que as declarações de parte sobre factos que lhe sejam favoráveis devem ser apreciadas pelo tribunal, sendo valoradas segundo o princípio da livre apreciação da prova, nomeadamente, a prova testemunhal, consagrado nos artigos 396.º do Código Civil e 607.º n.º 5, do CPC. II - Não merece qualquer censura a decisão recorrida ao ter entendido valorar as declarações feitas pelo autor ao prestar o depoimento de parte requerido pela Ré, relativamente a factos que lhe são favoráveis, conjugando-as com outros meios de prova. (…)”."
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