"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



01/09/2021

Novas regras da distribuição: afinal, como é?


1. A L 55/2021, de 13/8, com o "intuito de reforçar os mecanismos de controlo da distribuição eletrónica dos processos judiciais", deu nova redacção a alguns preceitos do CPC sobre a distribuição.

Como é costume, o CPC voltou a "crescer" mais umas linhas...


2. Uma análise ainda perfunctória do novo regime permitiu detectar uma dificuldade interpretativa. O novo art. 213.º, n.º 3, CPC sobre a distribuição nos tribunais superiores estabelece o seguinte:

3 - É correspondentemente aplicável o disposto nos n.ºs 4 a 6 do artigo 204.º à distribuição nas Relações e no Supremo Tribunal de Justiça, com as seguintes especificidades:
 
a) A distribuição é feita para apurar aleatoriamente o juiz relator e os juízes-adjuntos de entre todos os juízes da secção competente, sem aplicação do critério da antiguidade ou qualquer outro;

b) Deve ser assegurada a não repetição sistemática do mesmo coletivo.

Aparentemente, o legislador introduz uma novidade no ordenamento jurídico português: a de que, na distribuição nos tribunais superiores, se determina por sorteio quer o relator, quer os adjuntos. Quer dizer: o legislador afasta-se do regime que consta do art. 56.º, n.º 2, LOSJ e dos art. 216.º, n.º 2, e 652.º, n.º 2, CPC, segundo o qual, a partir do relator, se determinam, por uma regra de antiguidade, os respectivos adjuntos

3. Não cabe fazer neste momento nenhuma apreciação desta opção do legislador. O que agora apenas importa fazer é chamar a atenção para que nenhum dos preceitos acima referidos foi expressamente revogado. Esta circunstância não pode deixar de causar alguma perplexidade.

O legislador -- aparentemente -- quer afastar-se "
do critério da antiguidade ou [de] qualquer outro" na determinação do relator e dos adjuntos (art. 213.º, n.º 3, al. a), CPC) e até enfatiza que "deve ser assegurada a não repetição sistemática do mesmo coletivo" (art. 213.º, n.º 3, al. b), CPC). No entanto, o legislador deixa em vigor regras jurídicas que contrariam estes desideratos, chegando mesmo a alterar o n.º 1 do art. 216.º CPC e a deixar intocado o seu n.º 2, que determina o seguinte:

Na distribuição atende-se à ordem de precedência dos juízes, como se houvesse uma só secção.

Recorde-se ainda, para justificação da alegada perplexidade, que o art. 652.º, n.º 2, CPC continua (?) a estabelecer o seguinte:

Na decisão do objeto do recurso e das questões a apreciar em conferência intervêm, pela ordem de antiguidade no tribunal, os juízes seguintes ao relator.

 Afinal, como é?


MTS