"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



23/09/2021

Jurisprudência 2021 (41)


Restituição provisória da posse;
requisitos; oposição


1. O sumário de RG 25/2/2021 (321/19.9T8PRG.G1) é o seguinte:

I- Na oposição a uma providência cautelar, para obtenção de uma revisão dos fundamentos fácticos de tal decisão favorável ao requerido/impugnante, necessário se torna que os novos meios de prova produzidos (ou, segundo uma interpretação extensiva, a nova instância das testemunhas ou declarantes anteriormente ouvidos) e por aquele indicados nas suas alegações imponham uma decisão diversa sobre os pontos fácticos impugnados, sob pena de se manter o inicialmente considerado provado, certo, para além do mais, que não se exige ao juiz, na reapreciação da medida anteriormente decretada, a utilização de um critério mais rigoroso do empregue na primeira decisão;

II- Assim sendo, no recurso da decisão proferida após a oposição, terão também que ser estes “novos meios de prova” (com a amplitude que acima se deu a este conceito) a sustentar a pretensão de alteração da decisão relativa à matéria de facto, por imporem decisão diversa da firmada pela primeira instância;

III- Para efeito da restituição provisória de posse, “é violento todo o esbulho que impede o esbulhado de contactar com a coisa possuída em consequência dos meios usados pelo esbulhador”;

IV- A colocação de um portão, fechado à chave, que impede o exercício da posse deve ser considerada como esbulho violento por via da subsunção de tal comportamento ao conceito de “coação física”, no sentido de que um portão assim fechado, “como um obstáculo que constrange, de forma reiterada a posse dos requerentes, impedindo-os de a exercitar como anteriormente faziam”, corresponde a uma força (uma barreira física) que impossibilita, obstrui, o exercício da posse sobre a coisa.


2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"Para ser decretada a providência é necessário que haja probabilidade séria da existência do direito (artigo 368º, nº 1, CPC), o mesmo é dizer, como refere Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 2ª Edição, pág. 37, que a prova em causa “basta ser sumária ou constituir uma simples justificação (Vaz Serra, Provas, BMJ, 110, p. 79) ou um juízo de verosimilhança (Abrantes Geraldes, Temas cit. III, p. 90); é a summaria cognitio do antigo direito, designação que os autores italianos continuam ainda a usar, todas estas designações inculcando a ideia de que o procedimento cautelar, porque urgente e conducente a uma providência provisória, não se compadece com as indagações probatórias próprias do processo principal, contentando-se, quanto ao direito ou interesse do requerente, com a constatação objetiva da grande probabilidade de que exista…”

É, pois, em princípio, bastante um juízo de verosimilhança sobre os factos que “supera os meros indícios”, mas “longe do que se revela necessário para o reconhecimento do direito na ação principal.” (Abrantes Geraldes e outros, CPC Anotado, pág. 429).

Todavia, para decretar a inversão do contencioso – como foi o caso – é já superior o nível de convicção necessário: na verdade, a exigência de uma convicção segura acerca do direito, consagrada no art. 369º, nº 1, do CPC, ultrapassa os limites do fumus boni iuris do art. 368º, nº 1, do mesmo código, representando, na prática, um nível de segurança próximo daquele que se mostraria necessário para a apreciação e reconhecimento do mesmo direito na ação principal, caso esta tivesse sido instaurada.

Por outro lado, interessa não perder de vista que estamos a tratar de um incidente de oposição a uma providência cautelar já decretada, meio previsto no art. 372º, nº1, al. b), do C. P. Civil.

Como salienta António Santos Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, III Volume, Almedina, 1998, pág. 160, “a observância do contraditório mesmo em sede dos procedimentos cautelares não deixa de constituir um elemento que potencia o melhor esclarecimento da questão litigiosa e permite maior certeza e segurança na decisão, uma vez que, como é natural, a parcialidade do requerente pode conduzir a que alegue apenas os factos que beneficiam a sua posição, carregando o quadro com as cores luminosas do seu alegado direito e com as cores negras do periculum in mora.

A sua posição de parte interessada potencia a indicação de meios de prova que lhe são favoráveis e a ocultação dos restantes, com isso influenciando o julgador que, alheio ao litígio, e confrontado apenas com uma das versões, pode ser induzido, erroneamente, a decretar uma medida cautelar injusta, sem correspondência com a verdade material escondida por detrás de manobras maliciosas ou tendenciosas do requerente”.

Daí que, quando o requerido não tiver sido ouvido antes do decretamento da providência, lhe seja lícito, em alternativa, na sequência da notificação prevista no nº 6 do artigo 366º:

a) Recorrer, nos termos gerais, do despacho que a decretou, quando entenda que, face aos elementos apurados, ela não devia ter sido deferida;

b) Deduzir oposição, quando pretenda alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinar a sua redução, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 367º e 368º. (art. 372º, nº 1 do CPC).

O requerido terá, pois, de optar entre um, ou outro, dos meios de reação à sua disposição: ou recorre da decisão de decretamento da providência cautelar, nomeadamente sindicando o julgamento feito da matéria de facto realizado, a suficiência dos factos apurados para o decretamento da providência, ou a seleção, interpretação e aplicação feita da lei; ou deduz oposição à mesma, visando então alegar novos factos que infirmem os fundamentos do seu decretamento, ou produzir novos meios de prova que abalem a credibilidade conferida aos inicialmente considerados. (Acórdão da Relação de Guimarães de 30.03.2017, Relatora – Maria João Marques)

Assim, “sem prejuízo de uma valoração global dos meios de prova produzidos na primeira fase (antes do decretamento da medida) e no âmbito da oposição, o certo é que o objectivo fundamental deste meio de defesa não é o de proceder à reponderação dos primeiros, actividade que mais se ajusta ao recurso da decisão em cujo âmbito se inscreva a reapreciação do julgamento sobre a matéria de facto” (Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, vol. III, 1998, pág. 232).

Como se frisa no Acórdão desta Relação de Guimarães de 16.03.2017 (Relator - Pedro Alexandre Damião e Cunha), apoiando-se também no referido autor e obra, na oposição, “não se trata de facultar ao mesmo tribunal a reapreciação da decisão, a partir dos mesmos elementos, mas de conferir a possibilidade de revisão da convicção anteriormente formada, através de novos meios de prova ou de novos factos com que o tribunal não pode contar” (no mesmo sentido, ver ainda o Acórdão da Relação de Guimarães, de 11.01.2018, Relator – José Cravo), sem prejuízo de, entendemos nós, com base numa interpretação extensiva do art. 372º, nº 1, al. b) do C.P.C., se admitir que o requerido possa “querer exercer o direito a intervir que lhe é facultado pelo art. 517-2, sem pretender simultaneamente alegar novos factos ou produzir novos elementos de prova”, nomeadamente através da instância de testemunhas ou de declarantes já ouvidos (José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 2ª edição, Coimbra Editora, 2008, pág. 46).

Daí que, apesar de, como se considerou no Acórdão do STJ, de 6 de Julho de 2004, do n.º 2 do artigo 388º do CPC (atual, art. 372º), decorrer que “a decisão inicialmente proferida no procedimento cautelar, sem contraditório do requerido, é uma mera “decisão provisória”, insusceptível de constituir caso julgado que impeça a ulterior apreciação jurisdicional da oposição deduzida, de uma forma superveniente, pelo requerido, constituindo a segunda decisão complemento ou parte integrante da primeira, pelo que – emitida esta – o procedimento passa a ter uma decisão unitária” e não obstante ser certo que, “sendo admissível recurso desta segunda decisão, proferida sobre a oposição, o seu objecto pode compreender a impugnação pelo requerido dos fundamentos da decisão inicial que decretou a providência”, não se deva esquecer que, para obtenção de uma, usando as palavras de Abrantes Geraldes, revisão dos fundamentos fácticos de tal decisão favorável ao requerido/impugnante, necessário se torna que os novos meios de prova produzidos (ou, segundo a interpretação extensiva acima referida, a nova instância das testemunhas ou declarantes anteriormente ouvidos) e por aquele indicados nas suas alegações imponham uma decisão diversa sobre os pontos fácticos impugnados, sob pena de se manter o inicialmente considerado provado, certo, para além do mais, que não se exige ao juiz, na reapreciação da medida anteriormente decretada, a utilização de um critério mais rigoroso do empregue na primeira decisão (cfr. obra e autor que temos vindo a citar, pág. 238, referindo em favor de tal posição a opinião de Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 1997, p. 233, segundo o qual, o juiz deve usar na apreciação dos novos meios de prova o mesmo critério de verosimilhança que utilizou no primeiro momento).

E, assim sendo, no recurso da decisão proferida após a oposição, terão também que ser estes “novos meios de prova” (com a amplitude que acima se deu a este conceito) a sustentar a pretensão de alteração da decisão relativa à matéria de facto, por imporem decisão diversa da firmada pela primeira instância."


[MTS]