A decisão recorrida entendeu – e decidiu – que esses créditos têm que ser classificados e graduados, na presente insolvência, como “créditos comuns” – sem consideração, portanto, pela referida hipoteca – uma vez que a apreensão não incidiu directamente sobre o prédio sobre o qual incide essa garantia, mas sim sobre direitos sobre patrimónios comuns (a herança e o património conjugal). Não existia, portanto, qualquer hipoteca sobre os concretos direitos aqui apreendidos – a hipoteca incidia sobre bem diverso – e, portanto, nenhuma preferência poderia ser concedida aos aludidos credores.
Na perspectiva das Apelantes, os seus créditos terão que ser graduados como garantidos por força da referida hipoteca.
Vejamos então.
A análise e a solução a dar à questão terão que tomar em conta o disposto nos arts. 686.º, n.º 1, e 824.º do CC, onde se determina, por um lado, que a hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo e, por outro lado, que os bens vendidos em execução – e obviamente também em processo de insolvência – são transmitidos livres dos direitos de garantia que os onerarem, bem como dos demais direitos reais que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia, com excepção dos que, constituídos em data anterior, produzam efeitos em relação a terceiros independentemente de registo, transferindo-se para o produto da venda dos respectivos bens os direitos de terceiro que caducarem nos termos referidos e por força da venda efectuada.
É certo, portanto, que o direito de preferência do credor hipotecário não pode ser prejudicado pela saída do bem da esfera patrimonial do devedor; ou a hipoteca acompanha o bem, mantendo-se a garantia e a preferência por ela concedidas ainda que no património do terceiro que adquire o bem ou, caso a hipoteca se extinga por força da transmissão do bem hipotecado – como acontece nos casos de venda em processo de execução ou de insolvência –, o direito do credor hipotecário transferir-se-á para o produto da venda do bem, mantendo, portanto, sobre o produto da venda a mesma preferência que tinha sobre o bem hipotecado.
Em termos gerais, poderemos dizer que está correcta a posição adoptada na decisão recorrida.
Na verdade, o direito à meação e o direito à herança são direitos que incidem sobre uma quota ideal de determinado património ou universalidade (o património comum do casal e a herança) e que não incidem sobre cada um dos bens concretos que integram esse património; a apreensão e venda desses direitos não equivale, portanto, à apreensão e venda – autónoma e individualizada – de cada um dos bens que integram a herança ou o património comum do casal.
Nessas circunstâncias, a hipoteca constituída sobre um determinado imóvel que integra aqueles patrimónios não confere ao respectivo credor qualquer preferência relativamente ao produto da venda que seja efectuada do direito à meação ou à herança, na medida em que o bem sobre o qual incide a hipoteca (bem imóvel) não corresponde ao bem que está a ser – ou foi – vendido (o direito à meação e à herança). Importa notar, aliás, que, conforme dispõe o art. 690.º do CC, nem sequer seria admissível a constituição de hipoteca sobre a meação dos bens comuns do casal ou sobre quota de herança indivisa e, portanto, sob pena de se violar (ainda que indirectamente) essa proibição, não poderia ser concedida, em relação ao produto da venda desses direitos, qualquer preferência por força de hipoteca constituída em relação a determinado imóvel integrado no património comum ou na herança indivisa. E, precisamente porque o bem apreendido e vendido não corresponde ao imóvel hipotecado, mas sim ao direito à meação e à herança, a venda destes direitos no âmbito de processo de execução ou insolvência não implica, nos termos do art. 824.º do CC, a caducidade da hipoteca que incida sobre bem imóvel que esteja integrado nessa meação ou herança; essa hipoteca acompanhará o direito, mantendo-se a garantia e a preferência que lhe são inerentes.
Concluímos, portanto, que a venda, em processo de execução ou processo de insolvência, do direito à meação ou do direito à herança onde se integre um imóvel (ou mais do que um) onerado com hipoteca não determina a caducidade dessa hipoteca nos termos do art. 824.º do CC e não confere ao credor hipotecário qualquer preferência de pagamento relativamente ao produto da venda daqueles direitos; tal credor terá, portanto, que ser classificado e graduado em relação ao produto dessa venda como credor comum. [...]
Sucede, no entanto, que, apesar de estar aqui apreendido o direito à herança ilíquida e indivisa aberta por óbito do cônjuge da Insolvente e o direito de meação da Insolvente no património conjugal, não serão esses direitos que se perspectiva virem a ser vendidos, mas sim os imóveis que integram esse património comum.
Com efeito e conforme se referiu supra, a herança aberta por óbito do cônjuge da Insolvente (H…) também foi declarada insolvente e foi aí apreendido o direito que ele detinha no património conjugal. Ou seja, ambas as meações no referido património estão apreendidas, ainda que em processos de insolvência diferentes, e os respectivos administradores estão a diligenciar conjuntamente pela venda dos imóveis cujo produto da venda irá ser repartido por ambas as insolvências.
Ora, se é certo que a graduação de créditos é feita, por norma, com referência aos bens apreendidos por serem esses os bens que irão ser vendidos no âmbito do processo de insolvência, a verdade é que nem sempre será assim.
Com efeito, ao contrário do que parece ter sido considerado, por exemplo, no Acórdão da Relação de Coimbra de 07/02/2017 (proferido no processo n.º 1230/14.3T8ACB-B.C1) [...], não nos parece que exista qualquer obstáculo legal à venda dos bens que integram o património comum do casal quando os direitos de ambos os cônjuges sobre esse património estão apreendidos em processos de insolvência diferentes.
E o disposto no art. 743.º, n.º 2, do CPC – aplicável à insolvência por força do disposto nos arts. 17.º do CIRE – é a prova disso ao determinar que, quando em execuções diversas sejam penhorados todos os quinhões no património autónomo (como acontece no caso dos autos em que todos os quinhões no património estão apreendidos em duas insolvências) ou todos os direitos sobre o bem indiviso, realiza-se uma única venda, no âmbito do processo em que se tenha efectuado a primeira penhora, com posterior divisão do produto obtido. Pretendendo-se com essa norma evitar a subsistência da indivisão ou compropriedade e tornar mais fácil e rentável a venda a efectuar, parece que ela comportará a possibilidade de vender, individual ou conjuntamente, os concretos bens que integram o património autónomo.
Por outro lado, e independentemente da norma em questão, parece que nada obstaria a que ambos os administradores entendessem vender – em conjunto – os concretos bens que integram o património autónomo integralmente apreendido em ambas as insolvências, nos mesmos termos em que os titulares desse património o poderiam fazer caso o mesmo não estivesse apreendido, na certeza de que essa venda será sempre mais fácil e mais rentável do que a venda que incidisse sobre cada um dos direitos referentes ao património comum.
Nessas situações, o produto da venda dos bens substitui-se ao direito apreendido em cada uma das insolvências e, portanto, a graduação dos créditos não poderá ser feita em relação ao direito que estava apreendido (que não é vendido enquanto tal), mas sim em relação à parcela do produto da venda dos bens a que se reportava esse direito que venha a reverter para cada uma das insolvências, já que é o produto da venda destes bens – e não o produto da venda do direito apreendido – que irá ser utilizado para dar pagamento às dívidas da massa e aos créditos sobre a insolvência.
Ora, sendo vendido directamente – em processo de execução ou em processo de insolvência – um imóvel integrado no património comum que está onerado com hipoteca, essa venda implicará a caducidade das hipotecas sobre ele incidentes, nos termos previstos no art. 824.º, n.º 2, do CC, com a consequente transferência dos direitos correspondentes a essas garantias para o produto da venda do bem em questão, mantendo os titulares desses direitos de garantia, em relação ao produto dessa venda, a mesma preferência no pagamento que lhes era dada pela garantia que detinham sobre o bem vendido. E tal situação não poderá deixar de ser considerada na graduação de créditos que venha a ser efectuada, não só porque é com referência ao produto da venda (sobre o qual incide aquela preferência) que terá que ser feita graduação, mas também porque, a ser de outro modo, os referidos credores ficariam prejudicados e perderiam a sua garantia, uma vez que a hipoteca caducaria por força da venda e os mesmos não usufruíram de qualquer preferência emergente dessa garantia, sob o pretexto de que o bem aqui apreendido não era o imóvel; ou seja, não obteriam aqui qualquer preferência no pagamento e tão pouco a poderiam vir a obter posteriormente no património do terceiro que adquirisse o imóvel, uma vez que a hipoteca caducaria com a venda.
Concluímos, portanto que, não obstante o facto de estarem apreendidos, na presente insolvência, o quinhão hereditário da Insolvente na herança ilíquida e indivisa aberta por morte do seu cônjuge e o seu direito à meação no património comum do casal, se a venda incidir directamente sobre o imóvel hipotecado – por decisão conjunta dos administradores das insolvências ou nos termos do citado art. 743.º, n.º 2 –, o produto da venda desse imóvel que, na sequência da repartição a efectuar, venha a reverter para os presentes autos substitui-se ao direito apreendido; nessa situação, a graduação de créditos terá que ser feita com referência ao produto da venda do imóvel e, portanto, com respeito pela preferência concedida pelas hipotecas que sobre ele incidiam e que, por efeito da caducidade das hipotecas, se transfere para o produto da respectiva venda.
Nessas circunstâncias, se a venda vier efectivamente a incidir sobre os imóveis que integram o património comum – como se perspectiva acontecer em face da informação prestada pela Sr.ª Administradora, mas ainda não é certo porque a venda ainda não está concretizada –, os créditos das Apelantes terão que ser classificados como “créditos garantidos” em relação à parcela – que venha a reverter para a presente insolvência – do produto da venda do prédio descrito na Conservatória sob o n.º 4756 (sobre o qual incide hipoteca em garantia dos seus créditos) e terão que ser graduados em relação ao produto da venda desse imóvel para ser pagos em primeiro lugar, de acordo com a preferência que lhes é conferida pela referida hipoteca.
Impõe-se, portanto, alterar a decisão recorrida no sentido de, prevenindo a possibilidade de venda do imóvel (possibilidade que está efectivamente perspectivada nos autos), assegurar a graduação dos créditos com respeito pela hipoteca que sobre incide."
[MTS]