Procedimento de injunção;
causa de pedir
I. O sumário de RE 14/7/2021 (23680/19.9YIPRT.E1) é o seguinte:
1 – Resulta do artigo 10.º, n.º 2, alínea d), do regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15.000,00, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 269/98, de 01.09, que, não obstante os objectivos de simplificação e celeridade visados por esse regime jurídico, não se dispensou a indicação, ainda que de forma sucinta, da causa de pedir no requerimento de injunção.
2 – Não há falta de indicação da causa de pedir no requerimento de injunção quando, neste, se alega, como fonte do direito de crédito invocado, a celebração de um contrato de fornecimento de bens ou serviços, a data dessa celebração, a identidade dos outorgantes, o preço convencionado e o não pagamento deste último.
3 – Não faria sentido que, após a convolação do procedimento de injunção numa acção declarativa com processo especial destinada a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15.000,00, o tribunal proferisse despacho de aperfeiçoamento do requerimento de injunção, convidando a autora a “densificar a causa de pedir”, se esta última não tivesse sido indicada no mesmo requerimento.
II. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"O artigo 10.º, n.º 2, alínea d), do regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15.000,00, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 269/98, de 01.09, estabelece que, no requerimento de injunção, o requerente deve “expor sucintamente os factos que fundamentam a pretensão”. Não obstante os objectivos de simplificação e celeridade visados por aquele regime jurídico, não se dispensou a indicação, ainda que de forma sucinta, da causa de pedir no requerimento de injunção, aliás em termos semelhantes aos estabelecidos no artigo 1.º, n.º 1, do mesmo regime jurídico, segundo o qual, na petição inicial da acção declarativa com processo especial destinada a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15.000,00, o autor “exporá sucintamente a sua pretensão e os respectivos fundamentos”.
Por via da aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, a falta de indicação da causa de pedir na petição inicial da acção declarativa com processo especial destinada a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15.000,00 ou no requerimento de injunção que origine procedimento que, nos termos dos artigos 16.º, n.º 1, e 17.º do regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei n.º 269/98, se convole numa acção daquela natureza por efeito da dedução de oposição, determina a ineptidão da petição inicial ou do requerimento de injunção, geradora da nulidade de todo o processo, a qual, por seu turno, constitui uma excepção dilatória, que determina a absolvição do réu da instância [artigos 186.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º, alínea b), do Código de Processo Civil].
Na sentença recorrida, entendeu-se que o requerimento de injunção é inepto, por falta de indicação da causa de pedir, e, com base nesse entendimento, julgou-se verificada a excepção dilatória da nulidade de todo o processo, absolvendo-se os réus da instância.
A recorrente insurge-se contra esta decisão, considerando que a causa de pedir foi indicada no requerimento de injunção, o qual, consequentemente, não é inepto.
No requerimento de injunção, a recorrente indicou, como fonte do direito de crédito invocado, um contrato de fornecimento de bens ou serviços alegadamente celebrado, no dia 03.05.2013, entre ela própria, no exercício da sua actividade, e (…), a quem os recorridos sucederam mortis causa. Ainda de acordo com o requerimento de injunção, o preço dos bens e serviços prestados consta de duas facturas emitidas pela recorrente e cujo pagamento (…) não efectuou, pelo que se encontram em dívida os montantes discriminados no mesmo requerimento.
Isto basta para inviabilizar a conclusão de que o requerimento de injunção é inepto por falta de indicação da causa de pedir. Tenha-se em mente a distinção entre petição inepta e petição meramente deficiente. “Claro que a deficiência pode implicar ineptidão: é o caso de a petição ser omissa quanto ao pedido ou à causa de pedir; mas aparte esta espécie, daí para cima são figuras diferentes a ineptidão e a insuficiência da petição. Quando a petição, sendo clara e suficiente quanto ao pedido e à causa de pedir, omite factos ou circunstâncias necessários para o reconhecimento do direito do autor, não pode taxar-se de inepta; o que então sucede é que a acção naufraga.” [José Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 2.º, p. 372].
Ainda que sucintamente, a recorrente expôs os factos que fundamentam a sua pretensão. Esta última funda-se na celebração de um contrato em data e entre pessoas identificadas, no fornecimento de bens pela recorrente em cumprimento desse contrato conforme facturas que também se identificam e na falta de pagamento do preço, que se especifica, pela contraparte. Ainda que exposta de forma sucinta e a carecer de concretização no que concerne aos bens fornecidos, foi indicada a causa de pedir.
Tal concretização dos factos integrantes da causa de pedir que dela careciam foi feita pela recorrente logo na peça processual mediante a qual respondeu às excepções arguidas pelos réus, como resulta dos pontos 4 e 5 supra. Nesse momento processual, a recorrente juntou aos autos, entre outros documentos, as facturas em questão, que discriminam os bens por si fornecidos.
Não obstante, o tribunal a quo ordenou a notificação da recorrente para densificar a causa de pedir, indicando a data de celebração do contrato, as concretas prestações acordadas, o local, os prazos e a verificação do incumprimento.
Ora, a prolação deste despacho pressupõe que o requerimento de injunção não é inepto por falta de indicação da causa de pedir. Se a causa de pedir não tivesse sido, de todo, indicada, seria logicamente impossível a sua densificação. Só é susceptível de densificação aquilo que existe. Se se estivesse perante uma pura e simples falta de indicação da causa de pedir, o tribunal a quo não poderia convidar a recorrente a aperfeiçoar o requerimento de injunção, pois este seria inaproveitável. O disposto no artigo 17.º, n.º 3, do regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei n.º 269/98, segundo o qual, recebidos os autos, o juiz pode convidar as partes a aperfeiçoar as peças processuais, tem de ser interpretado em conformidade com o disposto no artigo 590.º, nºs 2, al. b), 4, 5 e 6 do Código de Processo Civil. Perante uma petição inicial inepta por falta de indicação da causa de pedir, é inadmissível a prolação de despacho de aperfeiçoamento. A finalidade deste é o mero suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada e não de um vício tão grave como o da ineptidão da petição inicial.
Portanto, a sentença recorrida acaba por ser contraditória com o despacho mediante o qual o tribunal a quo ordenou a notificação da recorrente para densificar a causa de pedir. Ao proferir este último, o tribunal a quo já reconhecera que, ainda que com insuficiências ou imprecisões, o requerimento de injunção não era inepto por falta de indicação da causa de pedir.
Na sequência da sua notificação para proceder à densificação da causa de pedir, a recorrente pronunciou-se nos termos descritos no ponto 7 supra, alegando, nomeadamente, o seguinte: na sequência da aprovação de orçamento apresentado, foi vendida e aceite, pela falecida (…), a mercadoria discriminada nas facturas nºs (…), no valor de € 6.749,73 e (…), no valor de € 471,35, por si emitidas em 11.04.2013 e 10.04.2013; estas facturas foram enviadas à referida (…); os bens facturados foram por si entregues à adquirente nas datas supra mencionadas; as facturas tinham vencimento nessas mesmas datas, ou seja, estavam a pagamento imediato; o pagamento era exigido na íntegra e nas datas de vencimento constantes nas facturas, pelo que é essa a data do incumprimento; o pagamento devia ser realizado na morada constante das facturas emitidas, ou seja, na morada da sede da recorrente.
Após tudo isto, é impossível concluir, como se concluiu na sentença recorrida, que falte a indicação da causa de pedir. Ao contrário, é patente o fundamento da pretensão da recorrente.
Consequentemente, impõe-se revogar a sentença recorrida e ordenar o prosseguimento dos autos."
[MTS]
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