"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



01/03/2022

Jurisprudência 2021 (143)

Parte;
notificação


1. O sumário de RC 22/6/2021 (2313/19.9T8PBL.C1) é o seguinte:

I - Indicada na pi uma morada como sendo a do réu na qual ele foi citado, e, nesta sequência, constituindo advogado e contestando, e, inclusive, sendo, depois, nela notificado da renúncia do seu mandatário, a devolução da carta de notificação para o efeito do artº 570º, nº 5 do CPC, irreleva, devendo a notificação ser tida como efetuada – artº 249º, nº 2 do CPC.

II - Assim, não tendo sido paga a taxa de justiça e multa, o desentranhamento da contestação e o julgamento com base na confissão ficta é legal, pois que inexiste qualquer nulidade processual.

III - A taxa de álcool no sangue está sujeita a prova legal tarifada, pois que apenas pode ser apurada: i) através de aparelhos analisadores oficialmente aprovados e anualmente verificados; ii) mediante análise ao sangue; iii) através de outros exames médicos que tenham essa capacidade analítica; e, assim, tal taxa não pode ser provada por confissão.

IV - O desconto da margem de erro da taxa apurada apenas pode ser efetuado quando ela emergir dos aludidos aparelhos; quando dimanar destes exames, porque realizados segundo critérios científicos rigorosos, o valor a considerar é, exatamente, o neles apurado.

V - Na ação de regresso instaurada pela seguradora ao abrigo da al. c) do nº1 do artº 27º do DL 291/2007, de 21.08, à autora basta provar que o réu foi o responsável, aquilianamente, pelo sinistro e que conduzia com taxa de álcool superior à legalmente permitida, não lhe sendo exigível a prova do nexo de causalidade entre esta taxa e o sinistro; é que tal excesso faz presumir, juris tantum, este nexo, e, assim, competindo ao réu, para se desonerar, ilidir esta presunção.


2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"Clama o réu que existe nulidade por falta da sua notificação para pagamento da taxa de justiça devida, acrescida da multa legal, pois que não residia na morada para a qual a carta foi enviada para este efeito.

Trata-se de uma nulidade processual, ou procedimental, prevista no artº 195º do CPC.

Estatui este preceito:

«a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.»

É obvio que, a existir, a nulidade influiu no exame e decisão da  causa.

Resta apurar se efetivamente se verificou.

Atentemos.

Foi indicada na  pi uma morada como sendo a do réu.

Este foi citado na mesma.

Na sequência da citação o réu constituiu advogado e contestou a ação.

Logo, esta morada firmou-se no processo como sendo a do réu e, naturalmente, para a  mesma deveriam necessáriamente ser efetivadas todas as notificações posteriores.

A sedimentação desta realidade adveio ainda do facto de o réu ter sido notificado para tal morada da renúncia ao mandato do seu advogado.

Na sequência desta notificação o réu não constituiu mandatário nem nada disse ou requereu.

Não obstante, tal renúncia não influiu na tramitação imediata dos autos, pois que a mesma produziu os seus efeitos com a notificação ao réu, e o processo teve de prosseguir, aproveitando-se os atos anteriormente praticados, ex vi do disposto no artº 47º, nº 2 e 3, al. b) do CPC.

A partir deste momento o réu passou a estar por si nos autos, e para ele deveriam ser efetuadas todas as notificações.

O facto de a notificação de 30.06.2020 ter sido devolvida, por não ter sido levantada, irreleva.

Como bem aduz a recorrida, tem aqui aplicação, em função do supra aludido, o disposto no artº 249º, nº2 do CPC, o qual  estatui:

Notificações às partes que não constituam mandatário

«A notificação efetuada por carta registada não deixa de produzir efeito pelo facto de o expediente ser devolvido, desde que a remessa tenha sido feita para a residência ou a sede da parte ou para o domicílio escolhido para o efeito de a receber; nesse caso, ou no de a carta não ter sido entregue por ausência do destinatário, juntar-se-á ao processo o sobrescrito, presumindo-se a notificação feita no dia a que se refere a parte final do número anterior.»

Perante a anterior citação e notificação, reitera-se que a residência indicada na pi como sendo a do réu, tinha de continuar a dar-se como boa e correta.

Mesmo que  ele tivesse mudado de residência, o tribunal não tem o dom da adivinhação para intuir a sua nova morada.

Se o réu mudou de residência ou as pessoas que residiam na morada indicada deixaram de receber as notificações, deveria ele ter informado o tribunal e/ou ter-se precavido.

Afinal de contas, com a constituição de mandatário para o processo e a posterior contestação, já sabia que existia contra si uma pretensão judicial determinada e  que as possíveis posteriores notificações que na sua pessoa fossem necessárias iriam ser efetivadas na  sua morada indicada pela autora e por ele aceite como tal.

Com a renúncia do seu advogado esta a necessidade e acuidade das notificações em tal morada reforçaram-se.

O normal homo prudens, um cidadão mediamente diligente e desperto, como é suposto o réu ser ou dever ser, certamente que interiorizava este normal devir.

Assim, se na verdade mudou de residência, competia-lhe no mínimo, informar o tribunal de tal facto.

Não o tendo feito, apenas de si, e/ou do seu ilustre advogado – questão esta, porém, que aqui não pode ser dirimida, mas, porventura, na respetiva Ordem  se pode queixar, pelo que, é caso para dizer que sibi imputet.

Dito isto, é bom de ver que inexiste violação do princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, decorrente do artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, mormente o princípio ou subprincípio da proibição da indefesa, bem como da proporcionalidade, este já decorrente do nº 2 do artigo 18º da Constituição.

É que o tribunal atuou, e bem, ou, no mínimo, no que lhe era exigível, em função dos elementos factuais atinentes à sua residência que o próprio réu  aceitou e deu como bons no processo.

O tribunal não cerceou qualquer direito ao réu.

O réu é que não quis ou não soube - por si, e/ou por falta de colaboração com o seu advogado, ou deste para com ele -, defender a sua posição no processo e, consequentemente, os seus direitos.

É bom não esquecer que um dos relevantes princípios do processo é o da auto responsabilidade das partes e o seu dever de colaboração – inclusive para defesa dos seus próprios direitos – com o tribunal."

[MTS]