"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



06/05/2022

Jurisprudência 2021 (191)


Nulidade da citação;
impugnação; recurso de revisão

1. O sumário de RG 23/9/2021 (575/10.6TBEPS.G1) é o seguinte:

- O art. 198º do CPC prevê que as nulidades previstas nos artigos 187.º e 194.º podem ser arguidas em qualquer estado do processo, enquanto não devam considerar-se sanadas.

- A expressão “em qualquer estado do processo” pressupõe necessariamente que a nulidade em causa é passível de ser conhecida até ao trânsito em julgado da decisão que ponha termo à ação.

- Após trânsito em julgado da decisão que ponha termo à acção, a invocação da falta de citação ou de nulidade da mesma só poderá ocorrer em sede de recurso de revisão, nos termos do art. 696º do CPC, não sendo admissível argui-la em sede de incidente suscitado nos autos.

- O prazo de cinco anos previsto no art. 697º, nº 2, do CPC respeita a Constituição, nomeadamente respeita o Estado de Direito, o princípio do contraditório e o direito de defesa, consagrados nos art. 2º e 20º da CRP.


2. Na fundamentação do acórdão refere-se o seguinte:

"A primeira questão a apreciar no recurso prende-se em saber se é admissível arguição incidental da nulidade da citação dos Recorrentes.

Alegam para o efeito os Recorrentes que é inaplicável in casu o disposto no art. 696.º do Código de Processo Civil, porquanto a sentença proferida nos autos não transitou em julgado, no que concerne aos mesmos (RR. M. M. e M. B.), na medida em que, no seu entender, ocorre nulidade das citações dos mesmos e das subsequentes notificações. Pugnam, assim, pela admissibilidade legal da arguição incidental das referidas nulidades.

Este entendimento dos Recorrentes não merece acolhimento.

Vejamos.

Na decisão recorrida o tribunal a quo entendeu que a invocação das apontadas nulidades das citações por via incidental é extemporânea, na medida em que foi suscitada após o trânsito em julgado da sentença já proferida nos autos, sendo que a única possibilidade de reagir a tal nulidade seria através do recurso de revisão.

Todavia, entendeu a 1ª instância que no presente caso não se justifica a convolação de tal incidente em recurso de revisão, porquanto o direito do Requerentes à revisão da sentença caducou. E concluiu, por isso, não ser viável tal recurso nem admissível o incidente deduzido pelos Requerentes, por erro do meio processual adoptado, pelo que indeferiu o presente incidente.

Esta solução jurídica a que se chegou na decisão recorrida afigura-se-nos acertada.

Em primeiro lugar, há a considerar que a sentença considera-se transitada em julgado logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação, conforme dispõe o art. 628º do CPC.

Isto posto, cumpre referir que não restam dúvidas que a sentença proferida nos autos em 23.02.2012, não foi objecto de qualquer recurso ou de reclamação.

Assim sendo, vejamos se é legalmente admissível arguir incidentalmente a nulidade da citação.

O art. 198º do CPC prevê que as nulidades previstas nos artigos 187.º e 194.º podem ser arguidas em qualquer estado do processo, enquanto não devam considerar-se sanadas (sublinhado nosso). Este normativo corresponde, de resto, ao anterior art. 204º do CPC, versão em vigor à data em que os autos foram instaurados e na data da respectiva sentença. Note-se que a lei exige que esta nulidade de falta de citação, quando suscitada pelo citando, como é o caso vertente, seja arguida logo que este tenha a 1.ª intervenção no processo, sob pena de se considerar sanada (art.º 189.º - que corresponde ao anterior art. 196º, “Se o réu ou o Ministério Público intervier no processo sem arguir logo a falta da sua citação, considera-se sanada a nulidade.”).

Conforme bem se assinala na decisão recorrida, a expressão “em qualquer estado do processo” pressupõe necessariamente que a nulidade em causa é passível de ser conhecida até ao trânsito em julgado da decisão que ponha termo à ação.

De modo que, após trânsito em julgado da decisão que ponha termo à acção, a invocação da falta de citação ou de nulidade da mesma só poderá ocorrer em sede de recurso de revisão, não sendo admissível argui-la em sede de incidente suscitado nos autos.

Assim sendo, no caso vertente, tendo transitado em julgado no ano de 2012 a sentença proferida, está vedado aos Recorrentes suscitar a apontada nulidade por via incidental nos autos, como questão prévia à contestação agora apresentada.

Restaria lançar mão do recurso de revisão, que no caso a tal se chegaria convolando-se para o efeito o requerimento em que se arguidas as nulidades, ao abrigo do disposto no art. 193º do CPC.

Este artigo dispõe sobre o erro na forma do processo ou no meio processual utilizado, prevendo o seu nº 3 que o erro na qualificação do meio processual utilizado pela parte é corrigido oficiosamente pelo juiz, determinando que se sigam os ermos processuais adequados. Neste sentido se sumariou, entre outros, no acórdão desta Relação, de 07.03.2019 (processo n.º 2305/17.2T8VNF-A.G1, integralmente disponível em www.dgsi.pt):

«1 – Ocorrendo erro no meio processual utilizado pela parte impõe-se a convolação, oficiosa, para os termos processuais adequados - cf. n.º 3, do art. 193.º, do CPC. 2 – Tal convolação, com os limites naturais – pois que não pode operar caso existam obstáculos intransponíveis, como é o caso de ter já decorrido o prazo previsto para o ato convolado –, visa evitar que, por meras razões de índole formal, deixe de ser apreciada uma pretensão deduzida em juízo, em prejuízo da justa composição dos litígios. (…) 5 – Arguida a nulidade da citação num verdadeiro e próprio articulado de oposição à execução, por embargos de executado, com invocação de fundamentos para tal, a arguição da nulidade não pode ser apagada e esquecida, a pretexto da existência destes, sempre tendo de ser apreciada, para o que, na parte respetiva e na medida do necessário à correção do erro no meio processual empregue, se opera a referida convolação; 6 – Não se revelaria legítimo nem equitativo deixar de apreciar a reclamação, sempre podendo o Tribunal ultrapassar entraves formais e, para a tramitar, efetuar as necessárias adequações formais (como seja ordenar a extração de cópias do articulado em causa para serem juntas à execução e aí ser, tão só, apreciada a reclamação da nulidade da citação).»

No que tange ao recurso de revisão, sob a epígrafe Fundamentos do recurso, o art. 696º do CPC dispõe o seguinte:

“A decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão quando:
[...] e) Tendo corrido o processo à revelia, por falta absoluta de intervenção do réu, se mostre que:
i) Faltou a citação ou que é nula a citação feita;
ii) O réu não teve conhecimento da citação por facto que não lhe é imputável;
iii) O réu não pode apresentar a contestação por motivo de força maior; [...].

Relativamente ao regime do recurso de revisão, prevê o art. 697º, nº 2, do CPC que “o recurso não pode ser interposto se tiverem decorrido mais de cinco anos sobre o trânsito em julgado da decisão, salvo se respeitar a direitos de personalidade, e o prazo para a interposição é de 60 dias, contados:

a) No caso da alínea a) do artigo 696.º, do trânsito em julgado da sentença em que se funda a revisão;
b) No caso das alíneas f) e h) do artigo 696.º, desde que a decisão em que se funda a revisão se tornou definitiva ou transitou em julgado;
c) Nos outros casos, desde que o recorrente obteve o documento ou teve conhecimento do facto que serve de base à revisão.”

Dos referidos artigos resulta que, ao contrário do entendimento dos Recorrentes, a alegada falta de citação ou nulidade da citação dos mesmos não obsta ao trânsito em julgado da sentença proferida nos autos, constituindo essa falta de citação ou nulidade da mesma, precisamente, um dos fundamentos para a interposição do recurso de revisão (cfr. art. 696º, al. e) do CPC), o qual, como vimos, pressupõe a existência de trânsito em julgado.

Por outro lado, resulta também do citado art. 697º nº 2 do C.P.C. a existência de dois prazos de caducidade para a interposição do recurso de revisão, salvo se respeitar a direitos de personalidade: a) o prazo máximo de cinco anos sobre a data do trânsito em julgado da decisão a rever; e, sem prejuízo deste prazo, b) o prazo de 60 dias contados, no caso do fundamento previsto na al. c) do art. 696º do C.P.C., desde que o recorrente obteve o documento que serve de base à revisão.

No presente caso, a sentença a rever transitou em julgado no ano de 2012, pelo que, à data em que foi suscitado o incidente em apreço (11.02.2021), mostrava-se integralmente decorrido o referido prazo legal de cinco anos de caducidade.

Deste modo, é aqui inviável lançar mão do recurso de revisão, atenta a ocorrência da caducidade para a interposição do mesmo.

Assim sendo, bem entendeu o tribunal a quo ao considerar que não se justifica a convolação do requerimento em que suscitaram as nulidades em recurso de revisão, porquanto o direito dos Requerentes à revisão da sentença caducou."

[MTS]