AECOP;
compensação*
1. O sumário de RG 16/9/2021 (51293/20.5YIPRT.G1) é o seguinte:
I- A “compensação” é uma forma de extinção das obrigações em que, no lugar do cumprimento, o devedor opõe o crédito que tem sobre o credor, e, o exercício do direito de compensação em ação judicial, terá, por expressa opção legislativa, de realizar-se por via de “Reconvenção” nos termos do art.º 266º-nº2-al.c) do CPC.
II- Em processo executivo a compensação só poderá ser invocada a título de exceção perentória, como forma de extinção da obrigação exequenda e estando o contra crédito [sic] já judicialmente reconhecido.
2. Na fundamentação afirma-se o seguinte:
"II. Tendo nos autos sido proferida decisão final que não admitiu a excepção de Compensação deduzida pela Ré na contestação e julgou procedente o pedido da Autora, condenando a Ré no pedido, veio a Ré recorrer, interpondo recurso de apelação, nos termos e pelos fundamentos supra expostos.
Fundamenta-se na decisão recorrida: “(…) Esta questão coloca-se agora atendendo à nova redação do artigo 266.º, n.º 2 alínea c) do atual Código de Processo Civil, que dispõe que «a reconvenção é admissível (…) quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor.» A questão divide a doutrina e jurisprudência (vide, citações no Ac. RP de 12-05-2015, p. 143043/14.5YIPRT.P1, www.dgsi.pt), no entanto, principalmente no caso dos autos, em que estamos perante uma ação especial, que comporta dois articulados e não pode ser deduzida reconvenção, entendemos que uma exceção de compensação como a que foi alegada nos autos, não poderá ser admitida, em consonância com o entendimento doutrinariamente maioritário, que este preceito deve ser interpretado no sentido de que a compensação terá sempre de ser operada por via de reconvenção, independentemente do valor dos créditos compensáveis, maxime quando o direito do réu ainda não esteja reconhecido (…)“.
Invoca a apelante que “o contra-crédito da demandada não é superior ao da demandante; Não faz sentido retirar ao réu a possibilidade de invocar a compensação se depois essa compensação poderá vir a ser invocada como fundamento de oposição à execução (art. 729, h) do CPC); sempre deve ser permitida a invocação do contra-crédito a título de excepção, contanto que não ultrapasse o montante peticionado pelo demandante – o que é o caso”.
III.1. Invoca a Ré/apelante, como fundamento de oposição, um contra crédito [sic] sobre a Autora, no valor de € 4.934,70 (IVA incluído), baseado em factura emitida pela Ré correspondente à malha devolvida e invocando a compensação com a indicada factura correspondente a uma indemnização por incumprimento.
Nos termos do disposto no art.º 847º, n.º1 do Código Civil, “Quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor (…)“, assim, sendo a compensação “uma forma de extinção das obrigações em que, no lugar do cumprimento, como sub-rogado dele, o devedor opõe o crédito que tem sobre o credor. Ao mesmo tempo que se exonera da sua dívida, o compensante realiza o seu crédito por uma espécie de acção directa.” (P.Lima e A. Varela, in C.Civil anotado, volume II, pg. 117 ).
A compensação pode ser invocada em acção judicial, pelo Autor por via de acção, ou pelo Réu, actualmente, por via de Reconvenção (artº 266º-nº2-al.c) do NCPC).
Tratando-se de questão controversa, em discussão na doutrina e jurisprudência, vimos considerando (nomeadamente, este colectivo, no Ac. TRG de 29/10/2020, P. nº 916/13.4TBGMR-J.G1), que relativamente ao exercício do direito de Compensação em acção judicial em curso, estabelecendo, actualmente, o NCPC, nos termos do artº 266º-nº2-al.c) do CPC, que pretendendo o Réu o “reconhecimento de um crédito", com vista, quer a obter a “Compensação”, por si só, ou para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do Autor, a Compensação, relativa a créditos ainda não reconhecidos, terá, por expressa opção legislativa, de realizar-se por via de “Reconvenção”, e não por defesa por excepção peremptória, mais se considerando, deste modo, tal preceito ter posto fim a acesa discussão doutrinária e jurisprudencial, maxime nos casos em que o contracrédito invocado pelo Réu não excedia o valor do crédito peticionado na acção e o Réu pretendia obter a extinção total ou parcial do seu crédito por via de compensação. [...]
O que consideramos verificar-se, indubitavelmente em relação a créditos não reconhecidos, - situação em apreço no presente recurso (já, relativamente aos créditos reconhecidos e quanto a estes no tocante à verificação do “ónus de reconvir” v. J.Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de processo Civil, anotado, Vol I, 4ª edição, pg.536, e dúvidas suscitadas in CPC Abrantes Geraldes, obra e pg. citada, e Ac. deste TRG de 28/5/2020, P.69310/19.0YIPRT.G1, e, Ac. STJ de 18/10/2016, P. 6271/08.7TBBRG.P1.S1, também quanto a esta questão se dividindo a doutrina e a jurisprudência).
Com efeito, sob a epígrafe “Admissibilidade da Reconvenção“, dispondo o art.º 266º do Código de Processo Civil:
“1. O Réu pode, em reconvenção, deduzir pedidos contra o autor.2. A reconvenção é admissível nos seguintes casos:a) Quando o pedido do réu emerge do facto jurídico, que serve de fundamento à acção ou à defesa;b) Quando o réu se propõe obter a compensação ou tornar efectivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida;c) Quando o Réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação, seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor”.d) Quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter.
No mesmo sentido, neste TRG, Ac. de 28/5/2020, P.69310/19.0YIPRT.G1: “O art.º 266º do actual Código de Processo Civil, face ao seu elemento literal, ao seu histórico e à manifesta vontade do legislador em alterar o anterior paradigma, impõe ao réu que pretenda invocar um contra crédito, seja com vista a obter a improcedência da acção (por extinção do crédito do autor), seja para obter a condenação do autor no pagamento do valor remanescente, que o faça pela via reconvencional, independentemente de a compensação já ter sido ou não anteriormente declarada, nos termos do art.º 848º do Código Civil”; VOTO VENCIDO no P. 52095/19.7YIPRT-B.G1, de 23/1/2020: “(…) de acordo com o atual art. 266º, n.º 2, al. c), do C. P. Civil, a “compensação” terá necessariamente de ser invocada e declarada, independentemente do seu valor exceder ou não o crédito reclamado pelo autor, por via reconvencional, não o podendo portanto ocorrer por via de exceção”.
Ac. de 24/4/2017, P. 10412/16.2YIPRT.G1: “No actual Código de Processo Civil, dada a redacção do seu artigo 266.º n.º 2 c), a compensação de créditos só pode ser invocada pelo réu através de reconvenção”.
2. Mais se considera, por outro lado, a par, nomeadamente, dos ensinamentos de Salvador da Costa in “A injunção e as Conexas Acção e Execução, Processo Geral Simplificado”, 6.ª Edição Actualizada e Ampliada, Almedina 2008, págs. 86 a 89, e parte da jurisprudência, nomeadamente, a título exemplificativo, Ac. STJ de 24/9/2015, P.166878/13.1YIPRT.E1.S1; Ac.TRP de 7/6/2016, P. 139381/13.2YIPRT.C1; Ac.TRL de 7/6/2016,P.139381/13.2YIPRT.C1, Ac.TRG de 22/6/2017,P.69039/16.0YIPRT.G1, in www.dgsi.pt, que no âmbito do processo especial previsto no DL n.º 269/98, de 01.9, não é admissível reconvenção, por via de expressa opção legislativa, termos em que não haverá, ainda, que proceder à adopção de medidas de adequação formal do processo nos termos do artº 6º do CPC, com vista, nomeadamente, ao convite à Ré à dedução de Reconvenção.
Com efeito, e como refere Salvador da Costa in obra citada: - “resultando expressa a intencionalidade da lei no sentido de proibir a dedução de pedido reconvencional na espécie processual em causa, o que, aliás, está de acordo com a simplificação que a caracteriza” - “Daí resulta a intencionalidade da lei no sentido de proibir a dedução de pedido reconvencional na espécie processual em causa, o que, aliás, está de acordo com a simplificação que a caracteriza, em função da reduzida importância dos interesses susceptíveis de a envolver ou da estrutura do litígio em causa. (…) Não se prevê que esta solução legal afecte o direito de defesa do réu, certo que este, se tiver para tal algum fundamento legal, pode fazer valer em acção própria a situação jurídica que eventualmente possa estar de algum modo conexionada com aquela que o autor faz valer na acção.(…)”. Por outro lado, o artigo 266º, n.º 2, alínea c) do CPC consagrou a opção legislativa de obrigatoriedade de apresentação da compensação na reconvenção”.
No indicado sentido se decidindo no Ac. STJ de 24/9/2015, P.166878/13.1YIPRT.E1.S1, citado: “Seguindo o procedimento de injunção, os termos da ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergente de contratos, não é admissível reconvenção”.
3. Concluindo-se, nos termos expostos, pela improcedência da excepção de Compensação deduzida pela embargante na contestação como fundamento de Oposição, só podendo tal excepção ser deduzida por via de Reconvenção nos termos do artº 266º-nº2-al.c) do NCPC, consequentemente improcedendo os fundamentos da apelação.
IV. 1. E, mais alegando a apelante que “não faz sentido retirar ao réu a possibilidade de invocar a compensação se depois essa compensação poderá vir a ser invocada como fundamento de oposição à execução (art. 729, h) do CPC)”, devendo admitir-se a excepção de Compensação, também nesta parte improcedem os fundamentos da apelação.
Com efeito, dispondo o citado preceito legal que: “fundando-se a execução em sentença, a oposição pode ter por fundamento a verificação de “contracrédito” sobre o exequente com vista a obter a “compensação” de créditos”, o certo e que, e cfr. é jurisprudência uniforme, nomeadamente do STJ, em processo executivo a compensação só poderá ser invocada a título de excepção peremptória, como forma de extinção da obrigação exequenda (artº 732º-nº4 do CPC), e estando o contra crédito já judicialmente reconhecido, gozando de força executiva.
Neste sentido se decidiu já neste TRG, Ac. de 14/1/2021, P. 472/20.7T8VNF-A.G1:”Em sede de oposição à execução, a compensação só constitui fundamento válido desde que se alicerce em documento revestido de força executiva”, e cfr. jurisprudência do STJ aí citada (nomeadamente, Ac. STJ de 14/3/2013, P. 4867/08.6TBOER-A.L1.S1” a compensação pode também ser exercida em sede de oposição à execução como facto extintivo da obrigação exequenda, mas aqui só pode sê-lo a título de mera excepção peremptória e não de reconvenção, pois esta não é admissível em processo executivo; Segundo orientação jurisprudencial do STJ, “para efeitos de compensação, um crédito só se torna exigível quando está reconhecido judicialmente; Na fase executiva, um crédito dado em execução só pode ser compensado por outro que também já tenha força executiva”), e, Ac. TRG de 3/12/2020 P.2470/14.0T8VNF-A.G1.
No mesmo sentido AC. STJ 26/4/2012, P.289/10.7TBPTB.G1.S1: “A função da oposição à execução limita o âmbito de actuação do executado/oponente, não permitindo o exercício de direitos que extravasem o objectivo da extinção, total ou parcial, da execução, e que pressuporiam que a execução pudesse desempenhar a função de reconvenção.
2. Sendo, ainda, que a Reconvenção é legalmente inadmissível em processo executivo, no apenso de Oposição por embargos (v. jurisprudência do STJ citada, nomeadamente Ac. de 26.04.2012, Revista n.º 289/10.7TBPTB.G1.S1 – 7ª Secção (Relator Conselheira Maria dos Prazeres Beleza), e, na Doutrina Lebre de Freitas, A Acção Executiva depois da Reforma, Coimbra Editora, 4.ª Edição, 2004, pp. 379-380 e Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, Almedina, 11.ª Edição, 2009, p. 435).
Concluindo-se, nos termos expostos, pela total improcedência do recurso de apelação."
*3. [Comentário] a) O iter decisório do tribunal foi o seguinte:
-- A compensação deve ser sempre deduzida por via de reconvenção;
-- No entanto, a reconvenção não é admissível na AECOP.
Aceita-se que a compensação não deve ser deduzida ope exceptionis, mas, salvo o devido respeito, não se acompanha a orientação defendida no acórdão quanto à inadmissibilidade da dedução, por via de reconvenção, da compensação na AECOP. Remete-se para o que escreveu aqui.
b) Aliás, o acórdão da RG tem algo de curioso:
-- O acórdão impede que o credor demandado obtenha a compensação na AECOP pendente;
-- Ao mesmo tempo, o acórdão considera que a compensação só pode ser oposta na execução se o contracrédito se encontrar judicialmente reconhecido.
Quer dizer: a RG impede que o contracrédito seja reconhecido na AECOP e, ao mesmo tempo, obsta a que esse contracrédito, porque não se encontra reconhecido judicialmente, possa ser invocado em oposição à execução que venha a ser instaurada pelo autor da AECOP. Em suma: a RG "condena" o contracrédito à irrelevância jurídica quer na acção declarativa, quer na posterior eventual acção executiva.
MTS