Excepção de caso julgado;
requisitos*
1. O sumário de RC 12/10/2021 (430/20.1T8LRA.C1) é o seguinte:
O caso julgado formado pela declaração de prescrição do direito, por aplicação do prazo de prescrição de 5 anos previsto no artigo 174.º do Código das Sociedades Comerciais, impede que numa segunda ação o Autor invoque o mesmo direito, agora com fundamento na norma do artigo 605.º do Código Civil, nos termos da qual os credores têm legitimidade para invocar a nulidade dos actos praticados pelo devedor, mesmo que nessa primeira ação não tenha sido apreciada a factualidade relativa ao mérito da causa, de novo invocada na segunda ação.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"O Autor sustenta que a presente ação é uma ação de declaração de nulidade de um contrato de compra e venda, proposta ao abrigo do disposto no artigo 605º, n.º 1 do Código Civil, visando conservar incólume a garantia patrimonial de todos os credores da Ré sociedade, e não apenas do Autor, pretendendo apenas o regresso do imóvel aqui em causa ao património da Ré sociedade.
Afigura-se que efetivamente a decisão da ação n.º ... forma caso julgado em relação à presente ação, pelas seguintes razões:
1 - As partes são as mesmas porque em ambas as ações o ora Autor atua em nome próprio, além de na ação n.º ... ter agido também em representação da sociedade G..., Lda.
Como causa de pedir invocam-se factos com o fim de mostrar que existiu simulação no negócio de compra e venda do único imóvel pertencente ao património da sociedade G..., Lda., em que interveio esta sociedade como vendedora, representada pela sócia gerente M... e a filha desta, M..., como compradora.
Em ambas as ações pede a declaração de nulidade do negócio de compra e venda e consequente retorno do bem ao património da sociedade.
2 – E certo que na ação n.º ... não se conheceu o mérito da ação na parte relativa à simulação, por se ter concluído e declarado que havia prescrito o direito do Autor instaurar a ação.
Aplicou-se nessa decisão o disposto no n.º 1 do artigo 174.º do Código das Sociedades Comerciais (DL n.º 262/86, de 02 de setembro), onde se dispõe que «Os direitos da sociedade contra os fundadores, os sócios, os gerentes, os administradores, os membros do conselho fiscal e do conselho geral e de supervisão, os revisores oficiais de contas e os liquidatários, bem como os direitos destes contra a sociedade, prescrevem no prazo de cinco anos, contados a partir da verificação dos seguintes factos: (…).»
Prevê-se aqui um prazo de 5 anos para a prescrição dos direitos da sociedade contra as pessoas aí referidas e os direitos dos sócios contra a sociedade.
Como refere Carolina Cunha, «Afastando-se do regime geral e dos regimes especiais disciplinados nos arts. 309.º CCiv., o art. 174º disciplina os prazos de prescrição dos direitos subjectivos que o CSC confere à sociedade, aos sócios e a terceiros» - Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Vol. II (Coord. Jorge M Coutinho de Abreu), 2.ª Edição, Almedina 2015, pág. 814.
Estamos, pois, perante um regime especial de prescrição que se aplica aos direitos subjetivos da sociedade, dos sócios e dos outros credores mencionados, emergentes da atividade da sociedade comercial.
Segundo a alegação do Autor, o direito que invoca é um direito que resulta do facto de ser credor da empresa G..., Lda., e de ter existido um negócio entre esta empresa e um terceiro, que reputa de simulado, que impede a satisfação do seu crédito, porquanto o objeto do negócio foi o único imóvel que a empresa possuía e por via desse negócio saiu do património da sociedade, não podendo ser penhorado.
Este direito do Autor está submetido, como se viu, a um prazo de prescrição de 5 anos.
Por conseguinte, se este direito, que é sempre o mesmo direito, já foi exercido numa primeira ação e nessa ação foi decidido que tinha prescrito, então não é possível voltar a acionar este mesmo direito, que é sempre o mesmo, numa segunda ação, agora sob a invocação de se estar a exercer o direito com fundamento na norma do artigo 605.º do Código Civil, nos termos da qual os credores têm legitimidade para invocar a nulidade dos atos praticados pelo devedor, mesmo que o mérito da causa não tenha sido objeto de julgamento na primeira ação.
Com efeito, ao mesmo direito, se porventura existirem duas normas que o tutelem, uma geral e outra especial, aplica-se a norma especial (De acordo com o disposto no n.º 3 do artigo 7.º do Código Civil, «A lei geral não revoga a lei especial, exceto se outra for a intenção inequívoca do legislador»).
No caso, a norma especial é a do artigo 174.º do CSC.
No caso dos autos, o direito afirmado em ambas as ações é o mesmo direito e já foi decidido que esse direito não pode ser exercido por ter decorrido o prazo dentro do qual podia ter sido exercido e não foi.
Uma vez aplicada a norma especial à situação carecida de tutela, a situação fica definida na ordem jurídica, não sendo suscetível de repetição, porque a isso se opõe o caso julgado formado pela primeira decisão.
Por conseguinte, a circunstância de o mérito da causa não ter sido objeto de decisão por parte do tribunal nessa primeira ação não é relevante e não têm aplicação ao caso presente, por serem situações distintas, os fundamentos invocados no citado acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22 de junho de 2020, tirado no processo nº 531/18.6T8FND-C.C1.
*3. [Comentário] O acórdão decidiu bem quanto à verificação de excepção de caso julgado.
Deixam-se, em todo o caso, duas observações:
-- Uma decisão que absolve o réu do pedido com fundamento na excepção peremptória de prescrição é uma decisão sobre o mérito da causa;
-- O art. 7.º, n.º 3, CC nada tem a ver com a prevalência da aplicação da lei especial sobre a lei geral; o que esse preceito regula é a consequência da entrada em vigor de uma nova lei geral na revogação (e, portanto, na cessação de vigência) da lei especial.
MTS