"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



31/05/2022

Jurisprudência 2021 (208)


Recurso de revisão; fundamentos;
falsidade de depoimento; documento novo


1. O sumário de RL 21/10/2021 (57/14.7 T8PTS-A.L1-8) é o seguinte:

- No que respeita ao fundamento previsto na al. b) do artº 696º do CPC são requisitos substantivos (cumulativos) do recurso de revisão, que a falsidade do meio de prova não tenha sido objeto de discussão no próprio processo e que tenha determinado a decisão a rever (nexo de causalidade adequada).

- Se na decisão a rever o depoimento da testemunha que se reputa de falso foi valorado em conjugação com os depoimentos de outras testemunhas, com o teor de documentos, teor do relatório pericial, esclarecimentos escritos dos peritos e inspeção ao local, impõe-se concluir que aquele depoimento não foi determinante para a decisão revidenda, nada permitindo concluir que sem este meio de prova a decisão teria sido diversa. A não verificação do nexo de causalidade adequada exigido é causa de improcedência do recurso.

- A revisão fundada em documento pressupõe a novidade na vertente objectiva – o documento foi fabricado em data posterior à sentença a rever – ou subjectiva - o documento já existia, mas o recorrente estava impossibilitado de dele se servir, ou porque desconhecia a sua existência e/ou porque a falta da sua apresentação não lhe é imputável. Na vertente subjectiva, recai sobre o recorrente um ónus acrescido no sentido de alegar e provar que diligenciou pela obtenção do documento e que a impossibilidade da sua apresentação não lhe é imputável.

- Se os documentos que servem de fundamento à revisão carecem de ser conjugados com outros meios de prova (documentos ou depoimentos de testemunhas) significa que não são suficientes para por si só alterarem a decisão revidenda em sentido mais favorável ao recorrente.

- Sendo os documentos pré-existentes à acção declarativa cuja sentença se pretende rever – e tendo a quase totalidade sido junta nessa ação -, os quais se encontravam depositados/arquivados em tribunais (ou arquivos públicos), cartórios notariais, serviços de finanças, cujo acesso era permitido aos recorrentes na pendência da acção declarativa, carecem, em absoluto, do requisito da novidade.



2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"Os recorrentes invocaram a falsidade do depoimento da testemunha R..

No que respeita ao fundamento previsto na al. b) do artº 696º do CPC são requisitos substantivos (cumulativos) do recurso de revisão, que a falsidade do meio de prova não tenha sido objeto de discussão no próprio processo e que tenha determinado a decisão a rever (nexo de causalidade adequada).

Conforme sublinhado no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 10/01/2019, disponível em www.dgsi.pt, “o art. 696º, nº 1, b) CPC exige verificação cumulativa dos seguintes requisitos: A alegação da falsidade; a alegação de que a sentença cuja revisão se pede tenha sido determinada por essa falsidade, ou seja, que o acto falso tenha “determinado a decisão a rever” (nexo de causalidade adequada) e a alegação de que a falsidade não tenha sido discutida no processo em que foi proferida a sentença.”

No requerimento de recurso não vem alegado, como se impunha, em que data tiveram os recorrentes conhecimento da invocada falsidade, omissão que foi arguida pelos recorridos, na resposta. Os recorrentes apenas na sequência da notificação ordenada pelo tribunal de 1ª instância para as partes se pronunciarem sobre a caducidade alegada pelos recorridos nos artigos 4º e 5º da resposta vieram afirmar que tiveram conhecimento da falsidade em final de novembro de 2015.

A omissão total dessa alegação no requerimento do recurso tem efeito preclusivo.

Ainda que fosse de considerar a tempestividade do recurso, nesta parte, importa sublinhar que os recorrentes alegaram que o depoimento da testemunha foi fundamental para a decisão tomada.

“(…) a revisão só tem razão de ser quando se reconheça que a prova inquinada de falsidade foi causa determinante da decisão. Pode não ter sido a causa única e exclusiva, como já observámos; mas é indispensável que se adquira a segurança de que, sem a prova incriminada a decisão teria sido diversa. (…) Em caso de dúvida está indicado que o tribunal não admita a revisão ou julgue improcedente o fundamento; a homenagem ao caso julgado impõe essa atitude.” [Alberto dos Reis, CPC Anotado, vol. VI, pág. 351]

Analisada a decisão revidenda impõe-se concluir em sentido diferente do alegado e do exigido pelo artº 696º, al. b).

Com efeito, na decisão a rever o depoimento da referida testemunha foi valorado em conjugação com os depoimentos das testemunhas Maria A., José …, José P., Maria R. e João H., com o teor dos documentos juntos aos autos, mormente a fls. 8 e ss., 38 e ss., 674 a 687, 696 e ss., teor do relatório pericial de fls. 533 e ss. e documentos que o integram, como fotografias, levantamentos topográficos e mapa cadastral, esclarecimentos escritos dos peritos de fls. 601 a 607, esclarecimentos de perito no local, inspeção ao local e fotografias ali obtidas na ocasião, - o que resulta cristalinamente da extensa fundamentação da decisão de facto efetuada pelo Tribunal de 1ª instância e por este Tribunal da Relação, em sede de impugnação da decisão de facto, cujo trecho reproduzimos na alínea B) da factualidade provada e para o qual remetemos. [...]

*

Os recorrentes fundam, ainda, o presente recurso em documentos que juntaram.

Para verificação do fundamento enunciado na alínea c) do artº 696º do CPC exige-se a novidade do documento e que o mesmo seja, por si só, suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida.

A revisão fundada em documento pressupõe a novidade na vertente objetiva – o documento foi fabricado em data posterior à sentença a rever – ou subjetiva – o documento já existia, mas o recorrente estava impossibilitado de dele se servir, ou porque desconhecia a sua existência e/ou porque a falta da sua apresentação não lhe é imputável. Na vertente subjetiva, recai sobre o recorrente um ónus acrescido no sentido de alegar e provar que diligenciou pela obtenção do documento e que a impossibilidade da sua apresentação não lhe é imputável.

“Pelo requisito da suficiência exige-se que o documento, em si mesmo considerado (de per se), seja dotado de uma força probatória tal, que conduza o juiz à persuasão de que só através dele, a causa poderá ter solução diversa daquela que teve, não cumprindo este requisito o documento que apenas em conjugação com outros elementos de prova produzidos, ou a produzir, poderá modificar a decisão transitada em julgado.

Pelo requisito da novidade exige-se que o documento não tenha sido produzido no processo em que foi proferida a decisão que se pretende rever, seja porque os factos a que se reporta esse documento são historicamente posteriores ao momento em que esse documento podia ser junto àquele processo (superveniência objetiva), seja porque embora se reporta a factos ocorridos historicamente em momento anterior, o recorrente desconhecia, por motivo que não lhe é imputável, a existência desse documento (superveniência subjetiva), sendo que, nesta último caso, o recorrente terá de alegar e provar que esse desconhecimento não lhe é imputável.” [Ac. RG de 07/03/2019, www.dgsi.pt]

“Podem figurar-se três hipóteses: 1ª O documento já existia, mas a parte não tinha conhecimento dele; 2ª O documento já existia, a parte sabia da existência dele, mas não teve possibilidade de o obter; 3ª O documento ainda não existia: formou-se posteriormente ao termo do processo anterior.

Na 1ª hipótese é evidente que a revisão tem fundamento. Desde que a parte ignorava a existência do documento, é claro que não podia tê-lo produzido. O documento reveste a feição de documento superveniente (…).

Mas surge uma dúvida. Suponhamos que a parte não teve notícia da existência do documento por incúria sua, porque não procedeu às diligências naturalmente indicadas para descobrir o documento. Quando isso suceda, deve concluir-se que a parte não tem direito à revisão; se não teve conhecimento do documento foi porque não quis tê-lo; é-lhe imputável, portanto, o não uso do documento. Ora na base do n.º 3 está este pensamento: a revisão só é admissível quando não possa imputar-se à parte vencida a falta de produção do documento no processo em que sucumbiu.

Na 2ª hipótese também a revisão tem razão de ser. Se a parte empregou todos os esforços que estavam ao seu alcance para obter o documento e não conseguiu o seu desideratum, verifica-se a impossibilidade que justifica a revisão (…).

Restam dois casos: 1) a parte sabia da existência do documento, mas ignorava o seu paradeiro; 2) o documento estava em qualquer cartório, repartição ou arquivo público. No 1º caso é óbvia a impossibilidade de apresentação do documento, pelo que deve admitir-se a revisão. No 2º caso não pode, em princípio, invocar-se o n.º 3 do art. 771º. Se o original do documento estava depositado em cartório, arquivo ou repartição pública, devia a parte ter requerido uma certidão e juntá-la ao processo. Por isso é que Schönke entende que não pode, no caso referido, requerer-se a revisão. (…)

Voltamos a acentuar: o que é essencial é que não seja imputável à parte vencida a não produção do documento no processo anterior” [...]. [Alberto dos Reis, ob. citada,, vol. VI, pág.354-355]

“Não servem, pois, as certidões para demonstrar a tempestividade do recurso, sendo certo que impendia sobre o recorrente o ónus de alegar e provar a mesma.

Para além disso, importa referir que não podem os documentos ser aceites como fundamento de revisão a maioria, uma vez que o recorrente não alegou que não podia deles fazer uso antes do encerramento da audiência de discussão e julgamento, nos termos do disposto no art. 523.º, n.º 2, do CPC anterior, ou do art. 423.º, n.º 2 e 3, do atual CPC, como antes é seguro que o podia fazer. Como se refere no acórdão do STJ de 19 de dezembro de 2018, processo 179/14.4TTVNG-B.P1.S1, acessível em www.dgsi.pt, “se esse documento for anterior à decisão a rever, igualmente não se verifica o requisito da novidade se o recorrente não alegar, como é seu ónus, que o seu não conhecimento e a sua não apresentação no processo em que sucumbiu não lhe pode ser imputável, designadamente por falta de diligência na preparação e na instrução da ação.” [...]

Mas, note-se que já não ocorre o preenchimento deste requisito, no caso em que os documentos apresentados para fundamentar a revisão, são anteriores à instauração da ação e o recorrente não tenha alegado, como era seu ónus, que o não conhecimento e a não apresentação dos documentos no processo em que saiu vencido, não lhe pode ser imputável, designadamente, por falta de diligência na preparação e instrução da ação.

É assim um ónus da parte que apresenta um recurso extraordinário de revisão, alegar e provar que não só não tinha conhecimento do documento, como esse desconhecimento não lhe era imputável, no sentido de não lhe ser exigível. (…)” [Ac STJ de 08/06/2021, www.dgsi.pt. No mesmo sentido Ac. STJ de 19/12/2018 e Ac. RG de 07/03/2019www.dgsi.pt]

Os recorrentes, pese embora tenham junto 14 documentos, identificam como novos, para efeitos da alínea c) do artº 696º do CPC, os documentos nºs 4, 10, 10-A, 11 a 13.

Apenas na pronúncia à resposta dos recorridos alegaram ter obtido os “novos” documentos nas datas neles constantes.

Na audiência prévia, instados a esclarecer a data da obtenção dos documentos, afirmaram ter sido na “data referida nas respetivas certidões, com exceção do documento n.º 10, tendo este sido levantado em data posterior.”

Notificados expressamente para se pronunciarem sobre a caducidade do direito ao recurso arguida pelos recorridos, alegaram que os documentos novos foram obtidos na data neles aposta, e “o conhecimento dos seus conteúdos ocorreu após ler/estudar o conteúdo das certidões”.

Os recorrentes não justificaram o fundamento da junção dos documentos nºs 1 a 3, 5 a 9. Dado o tipo de documentos em causa - certidões de “registo de batismo”, certidão de casamento e certidão de descrição predial, certidões notariais de escrituras de habilitação de herdeiros e de partilha - a sua junção tem em vista a apreciação conjuntamente com os demais, ditos novos, para deles serem retiradas as ilações pretendidas pelos recorrentes.

“Segundo o Ac. do STJ de 11/09/2007, 07A1332, www.dgsi.pt, não preenche este fundamento do recurso de revisão a apresentação de documentos que apenas em conjugação com outros elementos de prova produzidos, ou a produzir em juízo, poderiam modificar a decisão transitada em julgado e que, além disso, poderiam ter sido obtidos na pendência da ação de que emerge a sentença revidenda. No mesmo sentido cf. Acs. do STJ de 20/03/2014, 2139/06 e de 07/04/2011, 1242-L/1998, www.dgsi.pt” [Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, nota 732, pág. 499]

Os documentos nºs 1 a 3, 5 a 9 não deviam ter sido apresentados com o recurso e não podem ser atendidos. Mas outra ilação se retira, em conformidade com a jurisprudência citada, a de que os documentos nºs 4, 10, 10-A, 11 a 13 não são suficientes para por si só alterarem a decisão revidenda em sentido mais favorável aos recorrentes, sendo necessário, desde logo na ótica dos recorrentes, compaginá-los com os documentos nºs 1 a 3, 5 a 9 e também com a invocada falsidade do depoimento da testemunha Rosa S.. Tanto bastaria para afastar o requisito da suficiência dos documentos. [...]

Os recorrentes não alegaram qualquer facto que os impossibilitasse de aceder aos mesmos na pendência da ação em que foi proferida a decisão revidenda, sendo irrelevantes as datas de emissão das respetivas certidões.

Acresce que na ação declarativa foram juntos, além do mais, os documentos discriminados nas alíneas D), E) e F) dos factos provados que correspondem, na quase totalidade, aos documentos nºs 10, 10-A, 11 a 13.

Os recorrentes tinham a obrigação de diligenciar pela obtenção dos elementos probatórios pertinentes à sua pretensão/tese a fim de instruir aqueles autos.

“Se os documentos em que se fundamenta o pedido de revisão puderem ser obtidos através de certidões, sobre o requerente incumbia o ónus de instruir o processo de harmonia com tais provas, por tal obtenção estar ao seu alcance, incumbindo-lhe proceder a consultas e buscas; a situação não é assimilável aqueloutra em que o documento é desconhecido, por se encontrar em poder da parte adversa, ou de terceiro, ou não poder ser obtido a tempo de ter sido utilizado na acção revidenda.

Deve ser imputada à parte a não obtenção de documentos a que poderia aceder através de certidão emitida por entidade ou repartição pública, não sendo relevante a mera alegação de superveniência do conhecimento de documentos autênticos.

O documento superveniente apenas fundamentará a revisão extraordinária da decisão transitada quando, por si só, seja capaz de modificar tal decisão em sentido mais favorável ao recorrente.” [Ac. RL de 02/03/2017, www.dgsi.pt]

Em suma, nenhum dos documentos juntos se reveste de novidade e com a virtualidade de por si só, ou entre si conjugados, serem suficientes para alterar a decisão de forma mais favorável aos recorrentes, até porque, com exceção do documento nº 4, foram juntos à ação declarativa.

Não se verifica qualquer dos dois fundamentos do recurso de revisão alegados pelos recorrentes."

[MTS]