"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



25/05/2022

Jurisprudência 2021 (204)


Declarações de parte;
audiência final


I. O sumário de RG 14/10/2021 (7072/18.0T8VNF-B.G1) é o seguinte:

1. A parte que deixa para a audiência de julgamento a apresentação de requerimento a pedir as suas próprias declarações de parte, ao abrigo do direito potestativo conferido pelo art. 466º,1 CPC, tem o ónus de estar presente, para as mesmas poderem ser tomadas sem perturbação nem adiamento da audiência.

2. Admite-se, como excepção a esta regra, que a parte possa estar impossibilitada de todo de comparecer na audiência, caso em que deverá alegar e comprovar isso mesmo, e o Juiz designará nova data para essa diligência de prova.

3. Mas quando o mandatário formula o requerimento para a parte ser ouvida em declarações, esta não está presente, e nem sequer apresenta uma justificação aceitável para essa ausência, deve o Juiz indeferir liminarmente ao requerido.


II. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"O requerimento do Embargante para a admissão do meio de prova “declarações de parte” foi apresentado com o fundamento de que as testemunhas a apresentar não se encontravam presentes.

A oposição deduzida pela Embargada assenta na inutilidade do referido meio de prova, por “toda a prova dos autos estar feita documentalmente e ser exaustiva”.

O despacho judicial indeferiu o requerimento do Embargante com o fundamento de ser entendimento do Tribunal que as declarações de parte requeridas em audiência pressupõem que a parte se encontra presente, tendo em conta o princípio da inadiabilidade da audiência, e que como a parte a inquirir não estava presente, o requerimento em causa mais não seria do que uma desculpa para obter o adiamento da audiência, violando o princípio da sua inadiabilidade.

A lei dispõe que “as partes podem requerer, até ao início das alegações orais em 1.ª instância, a prestação de declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento directo (art. 466º,1 CPC).

No caso, não há dúvida que o requerimento apresentado foi tempestivo, por ter sido apresentado antes de se iniciarem as alegações orais.

Também não há dúvidas que o art. 466º configura as declarações de parte como um verdadeiro direito potestativo da parte, que lhe permite apresentar-se a prestar declarações, desde que respeitado o conteúdo das mesmas imposto pelo nº 1 do citado artigo.

Porém, a situação dos autos coloca com acuidade uma questão a que a lei não dá resposta imediata. Quid iuris se o mandatário da parte apresentar o requerimento em causa sem que a parte a depor esteja presente?

De imediato se percebe que tal situação, a fazer prevalecer o direito da parte prestar depoimento, levará necessariamente ao adiamento da audiência, o que viola o princípio da continuidade da mesma (art. 606º,2 CPC).

É certo que, como afirmam Abrantes Geraldes e outros, in CPC anotado, I volume, 2ª edição, trata-se de um princípio programático, que se traduz numa tentativa de maior responsabilização e comprometimento de todos os sujeitos, procurando reduzir as dilações, e, de acordo com o Acórdão do STJ de 12.1.2010 (1310/04), a violação da regra da continuidade da audiência não parece estar sancionada processualmente, não gerando qualquer nulidade.

Mas isto não quer dizer que em toda e qualquer situação seja de aceitar que uma das partes, usando este mecanismo de requerer as suas próprias declarações de parte, provoque o adiamento da audiência, não estando presente no momento em que o seu mandatário faz o respectivo requerimento.

Entendemos que deve ser feita uma conciliação entre estes dois interesses, analisando sempre a situação em concreto.

Assim, à luz do princípio da cooperação, previsto no art. 7º,1 CPC, a parte que sabe que vai requerer as suas próprias declarações em audiência tem o dever de estar presente no Tribunal para ser ouvida, pois sabe que se trata de um direito potestativo, que o Juiz não poderá recusar. O dever de gestão processual (art. 6º,1 CPC) determina que o Juiz do processo possa e deva indeferir o requerido, quando a parte que se propõe depor não estiver presente, injustificadamente.

Claro que pode suceder uma situação em que a parte queria estar presente para prestar declarações, mas por motivo de força maior (doença, impedimento absoluto, etc) não o pode fazer. Nesse caso, sendo alegada e demonstrada a existência desse motivo, o Juiz do processo não terá outra solução que não deferir ao requerido, e adiar a audiência para que a parte possa comparecer a prestar depoimento.

É a solução que igualmente decorre do dever de boa-fé processual (art. 8º CPC).

E é a solução que é igualmente defendida no CPC anotado de Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa, e ainda no Acórdão do TRP de 25.3.2019, proferido no Proc. 13083/16.

Vejamos mais de perto a argumentação desenvolvida neste último Acórdão:

“Ao contrário dos restantes meios de prova que têm que ser deduzidos com os respectivos articulados, sendo esta a regra geral, as declarações de parte são, portanto, uma excepção quanto ao momento para a indicação dos meios de prova. O regime previsto para as declarações de parte, cuja prestação pode ser requerida depois de produzidos todos os meios de prova em audiência de julgamento, demonstra que o recurso a este meio visa colmatar falhas ao nível da produção da prova. Trata-se do último expediente de que as partes podem lançar mão para tentar criar no Juiz a convicção da realidade dos factos. (…) Na falta de norma legal quanto à ordem de produção de prova, parece que ao Juiz competirá determinar qual o momento mais adequado, ao abrigo do dever de adequação e gestão processual. Com efeito, e seguindo a linha de entendimento de PAULO RAMOS FARIA e ANA LUÍSA LOUREIRO, em anotação ao artigo 466º do Código de Processo Civil, “[a prova por declarações de parte] é um meio a apresentar pela requerente, pelo que, sendo requerido no decurso da audiência final, deve a parte estar em condições de o produzir de imediato. Não pode o mandatário requerer a prestação de declarações do seu constituinte, não presente, solicitando a suspensão dos trabalhados e a designação de nova sessão da audiência final, para assim conseguir a sua comparência”. [FARIA, Paulo Ramos de, LOUREIRO, Ana Luísa, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil – os artigos da reforma, Volume I, Almedina, Coimbra, 2013, página 365] negrito e sublinhado nossos. Neste mesmo sentido, entende ABÍLIO NETO que “(...) para que [o requerimento de prova por declarações de parte] possa ser feito deve a parte em apreço encontrar-se presente, quer para o mandatário se assegurar da sua anuência prévia, quer em obediência ao princípio da inadiabilidade da audiência (...)” [NETO, Abílio, Novo Código de Processo Civil Anotado, 2ª edição revista e ampliada, Ediforum, Lisboa, 2014, página 535]”.

Tudo visto e ponderado.

Quando a parte deixa a apresentação do requerimento para as suas próprias declarações de parte para a audiência de julgamento, tem o ónus de estar presente, para as mesmas poderem ser tomadas sem perturbação nem adiamento da audiência.

Admite-se, como excepção a esta regra, que a parte possa estar impossibilitada de todo de comparecer na audiência, caso em que deverá alegar e comprovar isso mesmo, caso em que deverá o Juiz designar nova data para essa diligência de prova.

Quando a parte formula o requerimento para ser ouvida em declarações, não está presente, e nem sequer apresenta uma justificação aceitável para essa ausência, deve o Juiz indeferir liminarmente o requerimento.

É o caso dos autos, em que o Ilustre Mandatário do embargante nem sequer se dignou apresentar uma razão para explicar a não presença do seu constituinte, apesar de saber que o requerimento levaria, se deferido, ao adiamento da audiência. Outro entendimento que não este equivale na prática a dar às partes o direito potestativo a obter o adiamento da audiência quando assim o entenderem, violando o disposto no art. 606º,2 CPC.

Pelo exposto, a decisão recorrida merece ser confirmada."

[MTS]