Escritura de justificação;
impugnação; litisconsórcio voluntário*
I) A acção de impugnação judicial de uma escritura de justificação notarial pode ser proposta por apenas alguns dos herdeiros da herança a que alegadamente pertence o bem que foi objecto daquela escritura, não existindo litisconsórcio necessário activo de todos os herdeiros.
II) A relação de filiação decorrente de nascimento anterior a 1911 pode ser demonstrada, no âmbito de uma acção de petição de herança, com recurso a meios de prova diferentes dos previstos no registo civil, designadamente com recurso aos registos paroquiais.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"A. Se se verifica a ilegitimidade activa, por preterição de litisconsórcio necessário, relativamente aos pedidos relacionados com a impugnação judicial da escritura de justificação notarial e doação outorgada pelos 1.os réus.
Como resulta do relatório [...], nas decisões recorridas considerou-se que os autores, na qualidade de herdeiros da herança de B… , não têm legitimidade para intentar a presente acção, desacompanhados dos demais herdeiros, por preterição de litisconsórcio necessário activo, sob pena de a decisão a proferir não produzir o seu efeito útil normal, porque qualquer dos outros herdeiros, em caso de improcedência, poderia vir demandar os ora réus, sem que estes pudessem opor a força de caso julgado.
Contra o que se insurgem os autores, contrapondo que o disposto no artigo 101.º, n.º 1, do Código do Notariado lhes confere legitimidade para, desacompanhados dos demais herdeiros, proporem a presente acção.
A decisão recorrida, no que a esta questão respeita, seguiu o decidido no Acórdão desta Relação, de 21/02/2018, Processo n.º 1235/16.0T8LMG.C1 e da Relação de Guimarães, de 07/12/2016, Processo n.º 1718/15.9T8CHV.G1, ambos disponíveis no respectivo sítio do itij, nos quais se defendeu que numa acção de impugnação de escritura de justificação notarial, há que observar o disposto no artigo 2091.º, n.º 1, do CC, pelo que terá de ser intentada por todos os herdeiros, sob pena de preterição de litisconsórcio necessário, sob pena de a decisão não proferir o seu efeito útil normal.
Com o devido respeito pelo aqui decidido, não perfilhamos a orientação neles seguida.
É certo que o disposto no artigo 33.º do CPC, define os termos em que é exigida a intervenção de todos os interessados, quando a mesma é necessária por imposição legal, atento o negócio efectuado e quando pela natureza da própria relação jurídica aquela intervenção seja necessária para que a decisão a proferir produza o seu efeito útil normal, o que se obtém quando a mesma possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado.
Esta questão não tem tido tratamento uniforme por parte da jurisprudência, como resulta do teor das decisões recorridas e das alegações dos recorrentes, podendo, ainda, indicar-se, para além das aí citadas, os Acórdãos da Relação do Porto, de 13/10/2005, Processo n.º 0533037 (que defende que um dos herdeiros, desacompanhado dos restantes, tem legitimidade para intentar a acção de impugnação de escritura de justificação) e o da Relação de Guimarães, de 15/11/2018, Processo n.º 56/17.7T8BGC.C1 (que decidiu em sentido contrário, com voto de vencido), ambos disponíveis no mesmo sítio dos anteriores.
O artigo 33.º do CPC, constitui uma norma de carácter geral, que tem de ceder perante outras que regulam especificamente a legitimidade para certas e determinadas causas, a maioria das quais têm carácter substantivo por estarem insertas no Código Civil ou outra legislação especial, de carácter substantivo e entre as quais se contam as que definem a legitimidade para a propositura da acção de impugnação de escritura de justificação notarial e as acções de petição de herança ou do exercício de outros direitos da herança.
Fora de dúvidas que os pedidos formulados nas alíneas b) a e) e g) e h), são típicos de uma acção de impugnação de escritura de justificação notarial.
E quanto a esta acção, a legitimidade substantiva está fixada no artigo 101.º, n.º 1, do Código do Notariado, que a confere a qualquer “interessado em impugnar em juízo o facto justificado”.
Ora, a autora sendo herdeira da supra identificada herança, tem interesse, é “interessada” para efeitos da impugnação judicial da escritura de justificação notarial que se pretende ver impugnada.
Assim, sendo, com o devido respeito, não se vislumbra que para intentar a presente acção, tenha de estar acompanhada dos demais herdeiros. A legitimidade substantiva para a propositura da acção é definida pelo citado artigo 101.º, n.º 1, que, como referido, não exige a intervenção de todos os interessados, mas apenas de “um” deles, singularmente considerado. Exigir, ao contrário do que se dispõe neste preceito, a participação de todos os herdeiros, seria ir para além e contra o que a lei determina com vista à legitimidade para a propositura deste tipo de acções.
O que não obsta a que, se assim o entender, para acautelar a eficácia do caso julgado da acção a proferir, o demandado possa requerer a intervenção provocada dos demais herdeiros, na posição de autores. O que não se pode é, salvo o devido respeito, exigir que todos (conjuntamente) tenham de a propor, por o contrário resultar do disposto no artigo 101.º, n.º 1, do Código do Notariado.
Em conclusão, não tem aplicação in casu o disposto no artigo 33.º do CPC, não se verificando a apontada ilegitimidade activa, por preterição de litisconsórcio necessário, do que decorre serem os autores partes legítimas para a presente acção.
Pelo que, quanto a esta questão, procede o recurso, declarando-se os autores partes legítimas para a propositura da presente acção.
*3. [Comentário] Salvo o devido respeito, não se pode retirar do disposto no art. 101.º, n.º 1, CN que, numa acção de impugnação de uma escritura de justificação, o litisconsórcio entre os interessados é voluntário. "Algum interessado" não significa "qualquer um dos interessados".
De onde pode resultar que esse litisconsórcio é voluntário é da aplicação analógica ao caso do disposto no art. 2078.º, n.º 1, CC. Aí é que se estabelece que "qualquer" herdeiro pode intentar a acção de petição da herança.
MTS
De onde pode resultar que esse litisconsórcio é voluntário é da aplicação analógica ao caso do disposto no art. 2078.º, n.º 1, CC. Aí é que se estabelece que "qualquer" herdeiro pode intentar a acção de petição da herança.
MTS